A PRESCRIÇÃO PARA REEMBOLSO DE VALORES PAGOS PELO USUÁRIO PELO SEGURO-SAÚDE

19/04/2018 às 13:17
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE JURISPRUDÊNCIA DO STJ NO ASSUNTO.

A PRESCRIÇÃO PARA O REEMBOLSO DE VALORES PAGOS PELO USUÁRIO PELO SEGURO-SAÚDE

Rogério Tadeu Romano

Consoante o site do STJ, de 19 de abril do corrente ano,  o prazo prescricional para as ações fundadas no inadimplemento contratual da operadora que se nega a reembolsar o usuário de seguro-saúde ou de plano de saúde por despesas realizadas em procedimento médico coberto é de três anos, conforme a regra do artigo 206, parágrafo 3º, IV, do Código Civil.

O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar recurso de uma seguradora que buscava o reconhecimento do prazo anual, típico das relações securitárias.

Segundo o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, não é possível aplicar o prazo prescricional de um ano no caso analisado, devido à natureza do seguro-saúde.

“As regras jurídicas a respeito da prescrição devem ser interpretadas estritamente, repelindo-se a interpretação extensiva ou analógica. Assim, o prazo prescricional de um ano, próprio das relações securitárias, não pode ser estendido ao seguro-saúde, que possui mais familiaridade com os planos de saúde, de natureza sui generis”, disse ele.

Para o relator, as situações de reembolso do usuário de seguro-saúde também visam, ao lado da repetição de indébito ou restituição de valores indevidamente pagos, evitar o locupletamento ilícito da operadora, que lucraria ao reter arbitrariamente valores destinados ao contratante.

Dessa forma, segundo o ministro, as hipóteses de reembolso do usuário de seguro-saúde podem ser inseridas no gênero “pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa”, previsto no artigo 206, parágrafo 3º, IV, do Código Civil.

  A matéria foi objeto de discussão no REsp 1.597.230.

O relator destacou que o STJ já decidiu, sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.360.969Tema 610), que não incide a prescrição anual atinente às pretensões do segurado contra o segurador, ou à deste contra aquele, nas ações que discutem direitos oriundos de seguro-saúde, “pois tal avença se enquadra, na realidade, como espécie de plano privado de assistência à saúde, consoante previsão do artigo 2º da Lei 10.185/01”.

A inaplicabilidade da prescrição anual significa, na visão de Villas Bôas Cueva, que era necessário estabelecer qual o prazo a ser aplicado nas hipóteses de reembolso de despesas médicas efetuadas em evento coberto, como no caso julgado agora. A decisão de aplicar a prescrição trienal foi unânime na Terceira Turma.

A Segunda Seção deste Tribunal Superior, quando do julgamento do REsp nº 1.360.969/RS e do REsp nº 1.361.182/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos, consagrou o entendimento de que a pretensão declaratória de nulidade da cláusula de reajuste de plano ou de seguro de assistência à saúde, fundada em eventual abusividade, é imprescritível, ao passo que a pretensão de ressarcimento de valores daí decorrentes, de natureza condenatória, é alcançável pela prescrição.

Ficou definido que, enquanto vigente a relação contratual de plano de saúde, o interessado poderá questionar a validade da cláusula que determina o reajuste das mensalidades em razão da mudança de faixa etária, sobretudo porque se trata de relação jurídica de natureza continuativa, que se renova periodicamente (dia a dia, mês a mês, ano a ano).

 Por outro lado, pontuou-se que a pretensão de ressarcimento dos valores indevidamente pagos, como decorre de eventual enriquecimento sem causa, prescreve em 3 (três) anos, nos termos da regra específica do art. 206, § 3º, IV, do CC/2002, e alcança os pagamentos realizados anteriormente ao triênio que precede a causa interruptiva, marcada pelo ajuizamento da ação (art. 219, § 1º, do CPC/1973 e art. 240, § 1º, do CPC/2015.

Veja-se nesse sentido:

“1. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CIVIL. CONTRATO DE PLANO OU SEGURO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRETENSÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE REAJUSTE. ALEGADO CARÁTER ABUSIVO. CUMULAÇÃO COM PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. EFEITO FINANCEIRO DO PROVIMENTO JUDICIAL. AÇÃO AJUIZADA AINDA NA VIGÊNCIA DO CONTRATO. NATUREZA CONTINUATIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA. DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRETENSÃO FUNDADA NO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 2. CASO CONCRETO: ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO CONVERGE COM A TESE FIRMADA NO REPETITIVO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO ÂNUA PREVISTA NO ART. 206, § 1º, II DO CC/2002. AFASTAMENTO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Em se tratando de ação em que o autor, ainda durante a vigência do contrato, pretende, no âmbito de relação de trato sucessivo, o reconhecimento do caráter abusivo de cláusula contratual com a consequente restituição dos valores pagos indevidamente, torna-se despicienda a discussão acerca de ser caso de nulidade absoluta do negócio jurídico - com provimento jurisdicional de natureza declaratória pura, o que levaria à imprescritibilidade da pretensão - ou de nulidade relativa - com provimento jurisdicional de natureza constitutiva negativa, o que atrairia os prazos de decadência, cujo início da contagem, contudo, dependeria da conclusão do contrato (CC/2002, art. 179). Isso porque a pretensão última desse tipo de demanda, partindo-se da premissa de ser a cláusula contratual abusiva ou ilegal, é de natureza condenatória, fundada no ressarcimento de pagamento indevido, sendo, pois, alcançável pela prescrição. Então, estando o contrato ainda em curso, esta pretensão condenatória, prescritível, é que deve nortear a análise do prazo aplicável para a perseguição dos efeitos financeiros decorrentes da invalidade do contrato. 2. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, quando não estiver sendo negado o próprio fundo de direito, pode o contratante, durante a vigência do contrato, a qualquer tempo, requerer a revisão de cláusula contratual que considere abusiva ou ilegal, seja com base em nulidade absoluta ou relativa. Porém, sua pretensão condenatória de repetição do indébito terá que se sujeitar à prescrição das parcelas vencidas no período anterior à data da propositura da ação, conforme o prazo prescricional aplicável. 3. Cuidando-se de pretensão de nulidade de cláusula de reajuste prevista em contrato de plano ou seguro de assistência à saúde ainda vigente, com a consequente repetição do indébito, a ação ajuizada está fundada no enriquecimento sem causa e, por isso, o prazo prescricional é o trienal de que trata o art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002. 4. É da invalidade, no todo ou em parte, do negócio jurídico, que nasce para o contratante lesado o direito de obter a restituição dos valores pagos a maior, porquanto o reconhecimento do caráter ilegal ou abusivo do contrato tem como consequência lógica a perda da causa que legitimava o pagamento efetuado. A partir daí fica caracterizado o enriquecimento sem causa, derivado de pagamento indevido a gerar o direito à repetição do indébito (arts. 182, 876 e 884 do Código Civil de 2002). 5. A doutrina moderna aponta pelo menos três teorias para explicar o enriquecimento sem causa: a) a teoria unitária da deslocação patrimonial; b) a teoria da ilicitude; e c) a teoria da divisão do instituto. Nesta última, basicamente, reconhecidas as origens distintas das anteriores, a estruturação do instituto é apresentada de maneira mais bem elaborada, abarcando o termo causa de forma ampla, subdividido, porém, em categorias mais comuns (não exaustivas), a partir dos variados significados que o vocábulo poderia fornecer, tais como o enriquecimento por prestação, por intervenção, resultante de despesas efetuadas por outrem, por desconsideração de patrimônio ou por outras causas. 6. No Brasil, antes mesmo do advento do Código Civil de 2002, em que há expressa previsão do instituto (arts. 884 a 886), doutrina e jurisprudência já admitiam o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação, diante da vedação do locupletamento ilícito. 7. O art. 884 do Código Civil de 2002 adota a doutrina da divisão do instituto, admitindo, com isso, interpretação mais ampla a albergar o termo causa tanto no sentido de atribuição patrimonial (simples deslocamento patrimonial), como no sentido negocial (de origem contratual, por exemplo), cuja ausência, na modalidade de enriquecimento por prestação, demandaria um exame subjetivo, a partir da não obtenção da finalidade almejada com a prestação, hipótese que mais se adequada à prestação decorrente de cláusula indigitada nula (ausência de causa jurídica lícita). 8. Tanto os atos unilaterais de vontade (promessa de recompensa, arts. 854 e ss.; gestão de negócios, arts. 861 e ss.; pagamento indevido, arts. 876 e ss.; e o próprio enriquecimento sem causa, art. 884 e ss.) como os negociais, conforme o caso, comportam o ajuizamento de ação fundada no enriquecimento sem causa, cuja pretensão está abarcada pelo prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002. 9. A pretensão de repetição do indébito somente se refere às prestações pagas a maior no período de três anos compreendidos no interregno anterior à data do ajuizamento da ação (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002; art. 219, caput e § 1º, CPC/1973; art. 240, § 1º, do CPC/2015). 10. Para os efeitos do julgamento do recurso especial repetitivo, fixa-se a seguinte tese: Na vigência dos contratos de plano ou de seguro de assistência à saúde, a pretensão condenatória decorrente da declaração de nulidade de cláusula de reajuste nele prevista prescreve em 20 anos (art. 177 do CC/1916) ou em 3 anos (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002), observada a regra de transição do art. 2.028 do CC/2002. 11. Caso concreto: Recurso especial interposto por Unimed Nordeste RS Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda. a que se nega provimento." (REsp nº 1.360.969/RS, Rel. p/ acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Segunda Seção, DJe 19/9/2016 - grifou-se)

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Ficou ali pacificado que não incide a prescrição ânua(artigo 178, §6º, II, do Código Civil de 1916 e ainda o artigo 206, § 1º, II, do Código Civil de 2002.

Assim entendeu o STJ:

"(...) as regras jurídicas sobre a prescrição devem ser Documento: 1689265 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 23/03/2018 Página 8 de 11 Superior Tribunal de Justiça interpretadas estritamente, repelindo-se a interpretação extensiva ou analógica. Daí porque afigura-se absolutamente incabível a fixação de prazo prescricional por analogia, medida que não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica" (REsp nº 1.340.041/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 4/9/2015 - grifou-se).

A propósito, o seguinte julgado da Quarta Turma desta Corte Superior: "RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICAS. SEGURO-SAÚDE. DISTINÇÃO. NÃO EXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TRÊS ANOS. 1. A Segunda Seção, ao examinar os RESPs 1.360.969/RS e 1.361.182/RS submetidos ao rito dos recursos repetitivos, consolidou a orientação de que é de três anos o prazo de prescrição das ações que têm objeto a restituição de prestações pagas a maior decorrente de abusividade de cláusula contratual que prevê aumento de mensalidade de plano ou seguro de saúde por mudança de faixa etária, nos termos do CC/2002, art. 206, § 3º, inc. IV, do CC/2002. 2. A Lei 9.656/1998, com a redação da Medida Provisória 2.177-44/2001, não mais faz distinção de disciplina jurídica entre 'seguro-saúde' e 'plano de saúde'. 3. Aplica-se o mesmo prazo prescricional de três anos à pretensão de reembolso, pela operadora do plano ou seguro de saúde, das despesas médicas que o usuário teve de fazer como decorrência da injusta recusa de cobertura, por não se tratar de contrato típico de seguro. 4. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp nº 1.608.809/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 24/11/2017 - grifou-se)

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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