Sobre os crimes de bagatela: breve reflexão!

24/04/2018 às 17:00
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É sabido que do ponto de vista jurídico que crime é todo fato típico e antijurídico. Os fatos típicos por sua vez compõem-se de alguns elementos que são: conduta (ação ou omissão), resultado, relação de causalidade e tipicidade e que o autor do fato delituoso pode agir impelido pelo dolo, ou pela culpa e em outras situações também pode ser observada a questão do preterdolo.

Os delitos são praticados mediante ação em condutas chamadas de comissivas e por meio de omissão também, como ocorre respectivamente nos artigos 129 e 135, ambos do Código Penal.

As doutrinas penais citam tantos os crimes como as contravenções como fatos ensejadores de punibilidade e que inevitavelmente a prática de um ou outro gera dano à vítima, seja de natureza moral, material, enfim, o prejuízo é certo. As contravenções penais estão previstas no Decreto-lei 36888 de 1941 e o outros crimes, sejam os de maior complexidade e os de menor potencial ofensivo estão tipificados no Código Penal Brasileiro.

No que pertine à classificação dos crimes alguns são denominados de bagatela ou insignificantes, mas não quer dizer que os mesmos podem ser praticados e muito menos com habitualidade. Exemplificando, são citadas as seguintes condutas: subtrair um lápis de escrever, subtrair uma borracha ou mesmo um apontador. São baseados no Princípio da Insignificância ou da Irrelevância os delitos de ninharia ou bagatela.

O objeto jurídico é o patrimônio, no entanto, o valor é irrisório e seria desproporcional que a máquina do poder judiciário fosse movimentada a fim de resolver tal questão. Muitos autores de delitos de maior complexidade tais quais homicídio doloso, estupro, latrocínio estão aguardando para serem julgados, pois tais crimes causam uma maior indignação e sentimento de justiça  por parte da vítima e de seus familiares.

Matar alguém  arrancando-lhe a cabeça é sem dúvidas mais grave que subtrair uma borracha! Importante esclarecer que não há nesse artigo nenhum menosprezo em relação a qualquer fato delituoso, mas uma reflexão acerca desse assunto que é tão motivador de questionamentos.

A pessoa que comete crime de bagatela pode receber um perdão judicial “extralegal”, mas isso não é uma regra! Se assim fosse quantos não praticariam novamente a mesma conduta e se avaliarmos tal repetição, uma borracha subtraída 20 vezes equivaleria a uma caixa da mesma, então ao invés do prejuízo ser de um real, passará a ser de seis ou dez reais.

Fato é que cabe ao Poder Judiciário analisar as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal e avaliar cada caso em toda sua extensividade, com base na gravidade do tipo, que é a descrição da conduta criminosa.

Nada justifica a prática de nenhum crime, todos ocasionam danos às vítimas e suas famílias e muitos são irreversíveis, sem excetuarmos que alguns delitos são também instantâneos de efeitos permanentes gerando o chamado stress ou estresse pós-traumático em que a vítima necessita ser acompanhada por um profissional especializado para que a mesma consiga retornar às suas atividade pessoais e profissionais como algo cotidiano.

No quesito das contravenções a prática de perturbar sossegou ou trabalho alheio, artigo 42 do Decreto já citado acima, gera uma situação de irritabilidade, noites mal dormidas quando por exemplo o vizinho faz uma festa de arromba e o som está no limite máximo até ao raiar do dia.Como poderia uma pessoa que nada dormiu a noite, ou seja, não descansou, ter um trabalho proveitoso ou manter-se bem durante todo o expediente!

Em decorrência de tantas circunstâncias não é possível jamais analisar apenas do ponto de vista da pena máxima atribuída ao crime.O fato como um todo prescinde de análise.A pena máxima pode não ultrapassar dois anos, mas ser caluniado é muito desagradável, gera dano moral.É perceptível que dúvidas, divergências surgem quando o assunto é a penalidade ou não diante de fatos que parecem inofensivos.

A sociedade alega que quem tem capacidade para furtar um lápis ou uma borracha pode subtrair objetos mais valorosos ou praticar condutas que podem deixar muitas pessoas indignadas e comovidas pela barbárie, que muito se tem visto por aí, inclusive.

Fato é que sempre há um primeiro passo seja para a realização de coisas boas ou ruins.Errar é humano e sem maior gravidade o crime de bagatela enseja a irrelevância, mas sob um outro aspecto, sua habitualidade não é amparada com o mesmo e pode ser um degrau para a progressão criminosa.

Ambiguidades que podem ocasionar revoltas e dúvidas por parte de uns e outros, afinal o Estado ter que dispendiar muito para julgar um crime tão irrelevante ou perdoar aquele que pode com habitualidade incidir na mesma prática ou em outras mais graves, é notório e com exatidão um questionamento pertinente!

Sobre a autora
Kelly Moura Oliveira Lisita

Advogada.Membro da Comissão de Direito das Famílias da OAB GO.Docente Universitára nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em EAD.Articulista.

Informações sobre o texto

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