Resumo: O presente trabalho analisa, sob a ótica das disciplinas do Curso de Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal da FMU, a obra cinematográfica baseada na obra homônima de William Shakespeare e com roteiro adaptado por Michael Radford de 2004.
William Shakespeare (1564-1616 D.C.) é reconhecido como um dos maiores dramaturgos da historia, nascido na segunda metade do século XVI na Inglaterra. Diversas de suas obras foram adaptadas para produções teatrais e cinematográficas, entre tragédias (Otelo, Romeu e Julieta, Rei Lear), dramas históricos (Henrique V, Ricardo III) e comédias (Muito Barulho por Nada, Sonhos de uma Noite de verão).
O MERCADOR DE VENEZA
“O Mercador de Veneza” se passa em meados do século XVI, na Era Renascentista, na cidade de Veneza. Conta a história de um mercador chamado Antonio que entra em dívida com um agiota judeu, chamado Shylock, a fim de fornecer o dinheiro necessário (três mil ducados) para que seu grande amigo, Bassanio, possa viajar a Belmonte e cortejar sua amada, Pórcia.
O contrato feito para que tal dinheiro fosse fornecido era de que se o mercador não pagasse o judeu na data, no local e do modo combinado a pena seria de 1 libra (cerca de 0,45 kg) da carne de Antonio.
Enquanto Bassanio está em Belmonte se casando com Pórcia, chega em Veneza a notícia de que os navios mercantes de Antonio se perderam em alto mar, o que fez com que não houvesse lucro para o mercador, motivo pelo qual a dívida não pôde ser paga. Ao receber a notícia Bassanio decide retornar a Veneza com o intuito de quitar a dívida oferecendo seis mil ducados (o dobro da quantia fornecida) emprestados de Pórcia.
Sendo assim Shylock vai à corte do Tribunal do Duque de Veneza a fim de proclamar o direito de remover 1 libra da carne de Antonio. Momento este em que ocorre o clímax da história. Shylock recusa a oferta feita por Bassanio de seis mil ducados ainda exigindo que o contrato fosse cumprido. Percebe-se que o Duque queria salvar Antonio, porém evitava invalidar um contrato legal pois isso abriria precedentes para que isso se repetisse.
Apresenta-se, então, diante da corte um jovem “doutor em direito” chamado Baltasar, que era na realidade Pórcia disfarçada. Baltasar pede a Shylock que tenha misericórdia, porém o mesmo persiste em recusar qualquer oferta.
O tribunal se vê obrigado a permitir a Shylock a retirada de sua libra de carne. Antonio se prepara para a remoção e quando Shylock está prestes a penetrar a faca no peito do mercador Baltasar aponta uma falha no contrato, o qual especifica que deve ser removida apenas a carne de Antonio, sendo assim se houvesse o derramamento de uma gota de sangue Shylock teria suas terras e bens confiscados de acordo com as leis de Veneza.
Sentindo-se derrotado o agiota judeu diz aceitar a oferta de Bassanio de seis mil ducados, porém por ter recusado anteriormente ele não poderia voltar atrás. Cita-se, então, uma lei que diz que Shylock, na qualidade de judeu, portanto “estrangeiro” havia aberto mão de sua propriedade ao atentar contra a vida de um cidadão de Veneza, portanto metade de seu legado ficaria para o ofendido, a outra metade à disposição do Estado e sua vida à mercê do Duque. O Duque poupa a vida do judeu e abre mão da metade da propriedade destinada ao Estado, porém em troca Shylock deveria converter-se ao cristianismo.
ANÁLISE JURÍDICA
Direitos Fundamentais
A partir dos Direitos Fundamentais presente ao longo de nossa Constituição, podemos citar o artigo 5° inciso VI (é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias) que, logo no inicio do filme, é violado quando o mercador cospe no judeu como conseqüência do preconceito que todos os judeus sofriam por parte dos cristãos. No inciso XIII (é garantido o direito de propriedade), aos judeus era vedado o direito a propriedade em direta violação a este direito fundamental.
Ainda, segundo o inciso XV (é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens), a área a que os judeus eram permitidos após o anoitecer, com guardas cristãos vigiando as entradas configura uma violação deste direito fundamental.
Teoria Geral do Crime
À luz do direito criminal, não seria permitido em hipótese alguma, a lesão corporal por dívida. O ato de injúria real configurado quando o mercador cospe no judeu já seria suficiente para provocar a justiça em seu aparto legal, bem como a ameaça que se faz claro quando durante o julgamento o judeu saca sua faca para cortar a libra de carne do mercador.
Ainda podemos verificar que durante o julgamento o judeu não possui um advogado representando-o, como lhe seria de direito e obrigatório para condução do julgamento, bem como o juiz deveria se pronunciar impedido de julgar a questão devido ao seu conhecimento prévio da parte (mercador) que poderia lhe causar um viés de julgamento.
A eloqüência do discurso apresentado pela esposa de Bassanio como uma doutora, carregada de elementos intertextuais e com grande expressão, coerência e concisão tornam sua argumentação inquestionável e derruba toda argumentação do judeu.
História do Direito
Ao final do século XVI ainda havia muita discriminação por crença religiosa, mesmo em Veneza que era a cidade mais poderosa e liberal da Europa, os judeus viviam no “gueto”, aqueles que saíssem durante o dia deveriam vestir um chapéu vermelho para serem identificados como judeus, e durante a noite os portões eram fechados e vigiados por guardas cristãos. Os judeus não podiam possuir propriedades, portanto praticavam a usura (empréstimo de dinheiro a juros), o que era contra as leis cristãs.
Os judeus eram discriminados não só pela sua crença, mas também porque possuíam o capital, e se tratava de uma época em que estava começando a transição do sistema feudal para o sistema capitalista. Enquanto os italianos, cristãos, possuíam poder político.
Estavam ocorrendo mudanças no Direito também. Antes o Direito aplicado era o Direito Natural, em que se condenava a pessoa, e as dívidas eram pagas com o corpo. Após o século XVI passou-se a aplicar o Direito Racional, Positivo, em que não se condenava a pessoa, mas sim sua atitude, e as dívidas não eram mais pagas com o corpo, eram pagas com o patrimônio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Radford , Michael. O Mercador de Veneza (2004)
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Editora Saraiva, 2013. 48ª Edição.
William Shakespeare [Internet]. Uol Educação. Biografias. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/william-shakespeare.jhtm