Café requentado

04/05/2018 às 16:30
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Circula em Brasília a notícia que o presidente Temer teria “solicitado”, ao presidente da Câmara, Dep. Rodrigo Maia, tirar a poeira da PEC (proposta de emenda à Constituição) que altera o Art. 144, unificando as polícias, e colocá-la, novamente, em discussão.  Mais uma vez, o pleito originário seria da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Civil que, segundo consta, tem lobby excepcional no Congresso.

Lembre-se, esse tema já foi discutido em várias oportunidades e, em todas, foi rejeitado por várias razões. A primeira é que falta legitimidade, visto que o embasamento não é o interesse social, mas, sim, um pleito classista. É que, em razão do aumento do poder dos promotores e procuradores públicos, aquela entidade e congêneres estariam com receio de seus associados, delegados de polícia judiciária, perderem espaço e, temendo uma apneia profissional, procuram ar em entidade vizinha. Certamente, um procedimento que, paradoxalmente, só ajuda na desconstrução, na desvalorização, na perda de credibilidade e de confiabilidade na própria profissão. A segunda é que insistem em pleitear unificação de polícias, mas apenas de duas, a ostensiva (polícia militar) e a cartorária-investigativa (polícia civil). Então, como ficam as demais, como por exemplo, a polícia técnico-científica (a de perícias), a polícia administrativa de meio-ambiente, a polícia dos desastres (corpos de bombeiros militares), polícia penal (sistema penitenciário), polícia sanitária, polícia fazendária, a polícia de viação e outras dezenas? A terceira é que a discussão tem sido assentada nas atividades que essas duas instituições realizam (as operações de polícia ostensiva e as investigações de autoria e materialidade de delitos, precedidas por atividades de polícia administrativa e sucedidas por operações de execução penal administrativa) e não no que essas instituições são: a Polícia Civil é a Polícia Judiciária Estadual e a Polícia Militar é a Força Pública Estadual. E esta força está para a Força Pública Federal (as FFAA), assim como aquela está para a Polícia Judiciária Federal (a Polícia Federal). Os que propõem unificação na área estadual vão propor unificação, na área federal, das FFAA com a Polícia Federal? Invocam modelos europeus e dos EUA diferentes do nosso, como se panaceia fossem, mas não têm a sensibilidade de reconhecer que nossa estrutura tem tudo para ser mais efetiva (alguns nem sabem o que é isso), se o Executivo investisse mais na administração, na inteligência e na logística dessas instituições. Lá existem contingentes específicos para atuação, respectivamente, na defesa nacional e na defesa social, enquanto que, por aqui, os efetivos militares empregados na defesa social (através do policiamento ostensivo) são forças auxiliares do Exército Brasileiro, na defesa nacional, ocorrendo grave perturbação da ordem social.

Não é oportuno que essas duas corporações se digladiem, culpando uma a outra pelo elevado índice de violência criminal, porque o combate às causas não está inserido no espectro da contenção criminal, de responsabilidade delas. Melhor seria se gastassem energia mostrando que a baixa taxa média de 8% em resolubilidade de homicídios decorre por desatenção, descaso,  desídia governamental, e não por incapacidade profissional.    

O presidente da Câmara tem dado mostras de que não é pau-mandado, com uma postura firme e independente. Não se deve prestar a praticar manobras diversionistas, em lugar de buscar soluções objetivas, que reflitam positivamente no nível de insegurança que, no momento, aflige nosso país. Certamente, dentre as providências que tomará, será devolver o problema para o Executivo, cobrando remessa prioritária, isso sim, de uma política pública para a defesa social (bem mais abrangente que segurança pública), falta que tem gerado improvisações em planos, programas insuficientes e projetos ineficientes.

Outra questão grave se refere à cidadania. O brasileiro, em maioria, tem noção, mas não tem convicção, do isso seja, levando-o a praticá-la de forma inadequada, gerando mazelas e contradições sociais, deficiência que não afeta nações-cidadãs.

  No mês de maio, haverá em Brasília, na Câmara dos Deputados, um seminário sobre essa famigerada unificação, proposto por parlamentares, árduos defensores da classe. Lamentavelmente, embora não tenham suficiente conhecimento doutrinário da matéria, têm o microfone, com o que podem cooptar incautos ouvintes ou parlamentares que votam sem conhecer a matéria. Aliás, a retomada do tema visa a isso!

A presença de convidados que, em razão da própria formação de seus respectivos Estados (de baixo para cima, ao contrário do Estado brasileiro, que nasceu de cima para baixo), são adeptos da unificação, evidencia, obviamente, que não será um debate, mas uma discussão dirigida para endossar a aspiração classista, absolutamente desnecessária.

Por certo, um festival de banalidades, visto que não está sendo considerado, fundamentalmente, o fato de que estão sendo misturadas realidades culturais diferentes, com adição de complexo de vira-latas e espírito de imitação, pragas que sempre limitaram nosso crescimento como Estado. Os delegados necessitam de representantes que mostrem o real valor, a importância da profissão, e não de pessoal que confunde a necessidade de interação de ações policiais com a dispensabilidade da integração de instituições.  

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Enfim, ratificando, o dinheiro público não deveria ser gasto com dispensáveis seminários, que visam a sustentar interesses classistas, menores que interesses sociais, mas, sim, com elaboração de políticas públicas para redução da insegurança, com ênfase para a criminalidade violenta, cuja causa maior é a meio-cidadania. Que, insiste-se, poderia ser mitigada com o engajamento efetivo de educadores e assistentes sociais, se tivessem restabelecida a dignidade da profissão.

Sobre o autor
Amauri Meireles

coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, policiólogo, ex-professor da Academia da Polícia Militar de Minas Gerais

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