Com vistas a proteger a própria administração pública, mais especificamente a administração da justiça, no que diz respeito à boa-fé e a honestidade processual, o legislador criou o tipo penal em questão.
Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa. Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
O aludido traz consigo quatro planos a serem analisados: Conduta de inovar artificiosamente; Na constância de processo civil ou administrativo; Sobre o estado de lugar, de coisa ou de pessoa; com a finalidade de induzir a erro o juiz ou o perito (CUNHA, 2017, p. 928; GRECO, 2017, p. 1026).
Inicialmente faz-se necessário observar a que corresponde à conduta de "inovar artificiosamente", que se dá quando o agente altera, modifica, substitui e deforma (HUNGRIA, 1958 apud GRECO, 2017, p. 1026).
Ocorre que a inovação de estado de lugar, de coisa ou de pessoa deve ocorrer na constância de processo civil ou administrativo em andamento, com a ressalva trazida pelo parágrafo único do tipo, o qual prevê a majoração da pena ao dobro se praticada no âmbito de processo penal. Com efeito, é necessário apontar o posicionamento de Rogério Greco (2017), trazendo interpretação ampla ao tipo tecendo o seguinte comento:
Como norma, a perícia em matéria penal é realizada na fase policial, não se repetindo em Juízo. O Ministério Público, quase sempre, oferece a denúncia com base nas provas existentes no inquérito policial, sendo que aquelas de natureza técnica, a exemplo da prova pericial, raramente se repetem em juízo, salvo nas hipóteses em que haja dúvida sobre sua credibilidade etc. Por essa razão é que a expressão processo penal, ainda que não iniciado deve ser interpretada no sentido de se cuidar de inquérito policial (GRECO, 2017, p. 1029).
Destarte, situado o campo de incidência devemos nos debruçar a cerda dos elementos sobre os quais recai a inovação artificiosa:
A ação nuclear do tipo se consubstancia na expressão inovar artificiosamente, isto é, o agente, mediante fraude, modifica ou altera estado de lugar (derrubada de árvores), de coisa (retirar manchas de sangue impregnadas na roupa da vítima) ou de pessoa (mudar o aspecto físico exterior - não o psíquico, civil ou social - de pessoa mediante cirurgia estética), criando, com isso, nova situação capaz de induzir a erro o juiz ou o perito (utilização anormal e fraudulenta do processo) (CUNHA, 2017, p. 928).
No que diz respeito a voluntariedade do agente, tem-se o dolo aliado ao fim especial de agir, logo o animus daquele que comete o crime de falsidade processual deve ser dirigida a induzir a erro Juiz ou Perito em processo civil, administrativo e criminal. Afinal, através da ótica do Finalismo, o elemento psíquico deve corresponder às ações no meio. Logo, para ser configurada a prática do crime em tela não se dá tão somente, por exemplo, pela destruição de provas, mas sim, pela destruição consciente de provas.
No que tange, ao momento e consumação do delito não se exige que o juiz ou o perito seja efetivamente enganado, afinal se trata de crime formal. As divergências doutrinárias se verificam quanto à incidência ou não da forma tentada ao tipo, uma vez que, por se tratar de crime plurisubsistente é possível o fracionamento do mesmo. Nesta senda encontra-se o posicionamento de Hungria (1958), apud Cunha (2017), que colaciona a seguinte:
A ação de inovar admite fracionamento. Em execução ela, e interrompida por motivos alheios à vontade do agente, por que não se poderá dizer tentada a inovação? Suponha-se que o agente esteja lavando a veste da vítima e é detido quando prestes a fazer desaparecer a mancha no que apresentava. Parece-nos claro que tentou inovar artificiosamente.
Além disso, pelo direito a autodefesa a destruição de provas em processo criminal não é suficiente para fazer incidir tal tipo penal, pois:
Se o réu, (...) com a finalidade de se defender, inovar artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito, entendemos que o fato deverá fazer parte do seu direito à autodefesa, não podendo ser responsabilizado pela infração penal em exame. (GRECO, 2017, p. 1030)
Faz-se mister nos atermos ao caráter subsidiário do tipo em questão, pois, se o agente inova artificiosamente falsificando documento, a penalidade constante do art. 297 do Código Penal é aplicada. Afinal o delito mais grave absorve o menos grave, estamos diante do princípio da consunção.
Por fim, a atenção deve redobrada do operador do direito é necessária quando lidar com tal crime, pois, existem tipos que especializam a conduta trazendo preceito mais restrito ao dispositivo em estudo. Disto isso, se da prática da falsificação processual o agente modifica características de arma de fogo, de forma a dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz, incidirá o art. 16, da Lei n° 10.826/2003. Se da conduta do agente o mesmo tem por objetivo inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento, efetuando as condutas do tipo de fraude processual a fim de induzir a erro o agente policial, o perito ou o juiz incidirá o preceito secundário do art. 312 da Lei n° 9.503/1997.
Bibliografia
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2017.
CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal: Parte Especial, Salvador: Juspodivm 9ª edição, 2017.
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal: Parte Epecial, volume III, Niterói, Rio de Janeiro: Impetus 14ª edição, 2017.