A crise do Judiciário e o Sistema Multiportas de solução de conflitos

11/05/2018 às 13:00

Resumo:


  • O Sistema Multiportas é um mecanismo que oferece várias formas de resolução de conflitos, permitindo acordos entre as partes de forma autônoma ou com a intervenção de um terceiro.

  • O acesso à justiça é um direito fundamental, previsto na Constituição de 1988, e o Sistema Multiportas surge como uma alternativa para lidar com a sobrecarga do Judiciário brasileiro.

  • O Sistema Multiportas inclui meios como mediação, conciliação, arbitragem e negociação, proporcionando diferentes portas de acesso à justiça para resolver litígios de forma mais ágil e eficiente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O Sistema Multiportas é um mecanismo de aplicação de meios alternativos de resolução de conflitos a partir do qual, as partes em litígio têm à sua disposição variadas formas de estabelecerem acordos autonomamente, ou com a intervenção direta e decisiva de um terceiro. Nesse trabalho pretende-se demonstrar a importância desse meio para o poder judiciário brasileiro, considerando suas dificuldades em prestar a justiça conforme determina a Constituição Republicana de 1988.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Acesso à Justiça. Sistema Multiportas. Meios Autocompositivos de Solução de Conflitos. Constituição Federal de 1988.


O amplo acesso à justiça é uma ideia dos sistemas jurídicos mais modernos e que vem se fortalecendo após a segunda guerra mundial, onde os direitos individuais e coletivos foram totalmente desrespeitados e as pessoas de determinadas nacionalidades e religiões foram aviltadas em todos os seus direitos, inclusive no direito à vida. Passado o holocausto em comento, os Estados trataram de incluir em suas Cartas Magnas, proteção aos direitos humanos, bem como, garantia de respeito a esses direitos.

No Brasil, de acordo com Bastos (1999), a Constituição de 1946 foi a primeira a prescrever o amplo acesso à justiça, mas somente com a Constituição Cidadã de 1988 esse acesso, que veio expressamente previsto no artigo 5º, incisos XXXV e LIV, abrange tanto a apreciação de lesão a direito em via repressiva, quanto a proteção em via preventiva, ou seja, diante de qualquer ameaça a direito.

Para Enrico Liebman (2005, p. 150) apud Fernanda Tartuce (2017, p. 118), “o acesso à justiça é direito genérico, indeterminado e inconsumível”. Na mesma seara, Bedaque nos ensina que:

Acesso à justiça, ou mais propriamente, acesso à ordem jurídica justa, significa proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente previsto para alcançar esse resultado. Ninguém pode ser privado do devido processo legal, ou, melhor, do devido processo constitucional. É o processo modelado em conformidade com garantias fundamentais, suficientes para torna-lo équo, correto, justo. (BEDAQUE, 2003, p.71)

Portanto, o acesso à justiça não se limita apenas à possibilidade de ingressar em juízo, mas também, à proteção de qualquer direito, sem restrição econômica, cultural, política etc., ou de qualquer procedimento burocrático, como o esgotamento da via administrativa, uma vez que a Constituição de 1988 afastou a jurisdição condicionada, que era um verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso à justiça.

Se o amplo acesso à justiça trouxe infindáveis benefícios aos cidadãos, por outro lado, desencadeou uma busca desenfreada por justiça, acarretando um sério problema ao Judiciário, que viu-se impossibilitado de resolver, em um tempo razoável, todas as demandas a ele imputadas.

Embora algumas medidas tenham sido implementadas pela própria CF/88 para garantir os direitos ora discutidos, como a criação dos Juizados Especiais, a ampliação da Defensoria Pública, a ampliação do rol de legitimados para ações do controle concentrado, a reforma do Judiciário com a Emenda Constitucional 45 e a possibilidade de resolução prévia dos conflitos, como as Comissões de Conciliação, que visam evitar grande número de demandas ao Judiciário, dentre outras, isso não resolveu o problema, pois o Judiciário continuou com intensa dificuldade de administrar o sistema de justiça, que conta com um número cada vez maior de causas em trâmite.

Somente o advento da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, é que amenizou esse problema criado, ao dispor que o Estado criasse medidas variadas de política nacional para implementação do Sistema Multiportas para solução dos litígios, realizadas por diferentes meios como: mutirões, dia nacional da conciliação, semana da conciliação etc. Da mesma forma, o artigo 3º do Código de Processo Civil - CPC/2015, reproduz o disposto na citada resolução e vai além, orientando que “todos devem estimular a autocomposição; juízes, advogados etc.” (grifo nosso).

Embora seja necessária a compreensão de que às vezes não é possível a conciliação e de que os profissionais envolvidos não podem obrigar as partes em conflito a estabeleceram um acordo, como também, que a atividade judicante é incompatível com a medição, as bases do CPC estão fincadas no estimulo à autocomposição, como norma fundamental.

O texto do citado código, no artigo 139, dispõe que o juiz pode promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais, ou através dos centros judiciários de solução consensual de conflitos, previstos no seu artigo 165. Os Estados, então, tardiamente, começaram a criar os Centros Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs).

Portanto, a autocomposição surgiu na conjuntura de uma crise, gerando grandes expectativas de ser uma das portas, juntamente com a arbitragem e jurisdição, para resolução dos conflitos.

Como nos ensina Cândido Rangel Dinamarco, (2003, p. 197), pacificar com justiça é “o mais elevado escopo social das atividades jurídicas do estado”, uma vez que este positiva seu poderao tratar as insatisfações verificadas na sociedade. Nesse sentido, a Carta de Outubro de 1988, em seu preâmbulo, menciona a justiça, a harmonia social e a solução pacífica dos conflitos como diretrizes do nosso sistema. Essa previsão sintetiza, sumariamente, os grandes fins da Constituição, funcionando como fonte interpretativa e rumo para a atividade política governamental.

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E foi assim pensando, que o novo CPC trouxe essa transformação paradigmática para a implementação da solução de conflitos: o Sistema Multiportas. A Justiça Multiportas traz um rearranjo processual e meios alternativos para a resolução dos litígios. Os meios extraprocessuais que contribuem para a desjudicialização são a mediação, a conciliação, a arbitragem e a negociação. Assim, a Justiça passa a apresentar muitas alternativas de acesso, diversas portas, diversas justiças, para uma só finalidade, a resolução dos conflitos com mais celeridade.

O Sistema Multiportas é um modelo alternativo para solução de conflitos que prevê a integração de diversas formas de resolução dos litígios, sendo judiciais ou extrajudiciais. Por meio dele, o Estado conduz os litigantes para a melhor opção de resolver o conflito, a melhor porta, dentre as já citadas. Assim, para cada tipo de conflito, deve ser adotada a via adequada à sua abordagem a partir da consideração de fatores como as intenções das partes, o perfil da controvérsia e as possibilidades inerentes a cada meio.

Esse Sistema tem como principal qualidade, seu procedimento inicial que é a realização de uma triagem para se verificar qual a melhor alternativa para o litigio instalado. Os meios autocompositivos de resolução de conflito se diferenciam em seus procedimentos, bem como em relação aos envolvidos, como se descreve a seguir:

  1. A Mediação é uma intervenção construtiva de um terceiro imparcial junto às partes em litígio, administrando a busca de solução pelas próprias partes. O mediador facilita o diálogo para que os litigantes construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema, visando o consenso, a realização do acordo. Essa “porta” será utilizada quando houver, entre as partes, múltiplos vínculos anteriores ao conflito.
  2. A Conciliação também é realizada por um terceiro imparcial, mas seu foco é o acordo e com ele a extinção do processo. Aqui, o terceiro incentiva, facilita, apresenta proposições com o fim de auxiliar as partes a chegarem ao acordo. Esse meio é mais indicado para relações circunstanciais.
  3. A negociação é o mecanismo de solução de conflitos com vistas à obtenção da autocomposição caracterizada pela conversa direta entre os envolvidos sem qualquer intervenção de um terceiro auxiliar ou facilitador.

A possibilidade de se resolver um conflito por outros meios que não os judiciais traz mais benefícios do que problemas. E o mais importante deles consiste na adequação que os mecanismos podem proporcionar à solução da controvérsia, resultando, acima de tudo, na satisfação do jurisdicionado e na restauração da convivência social entre os envolvidos no conflito, a redução dos recursos, a facilitação da execução, dentre outros, além da possibilidade de diminuição de demandas judiciais com o advento de uma cultura de pacificação a ser fomentada na sociedade, atingindo não apenas o cidadão, mas também, o próprio Estado.

Portanto, os operadores do direito devem se desarmar e abraçar essa nova realidade jurídica.


REFERÊNCIAS

Âmbito Jurídico - http://www.ambito-juridico.com.br/ revista_artigos_leitura&artigo_ id=18246&revista_caderno=21. Acesso em 16 de abril, 2018.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: RT, 2003.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4 ed.  Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2018.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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