SONORIZAÇÃO EM QUARTOS DE HOTÉIS E MOTÉIS – UM BREVE APONTAMENTO

14/05/2018 às 21:32
Leia nesta página:

Artigo que tem como objetivo demonstrar o entendimento assentado do C. STJ a respeito dos direitos de execução pública musical mediante sonorização ambiental nos quartos de hotel e motel.

SONORIZAÇÃO EM QUARTOS DE HOTÉIS E MOTÉIS – UM BREVE APONTAMENTO

                                    É inquestionável que o usuário de uma obra artística deve obter a prévia e expressa autorização do seu titular, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.

                                    E assim ocorre na adaptação de uma obra literária em audiovisual; na inserção de uma obra musical em uma obra cinematográfica ou publicitária; na tradução de uma obra musical, e na execução pública musical que ocorre nos aposentos de hotéis e motéis.

                                    A Lei Autoral de nº 9.610/98 é autoexplicativa:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

(...)

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (grifo e destaque nosso)

                                    Repita-se: inquestionável.

                                    Pois bem. Ainda que inquestionável (com o perdão da repetição), com a devida vênia, se verifica em algumas sentenças, e em acórdãos de Tribunais Estaduais, a não aplicação da regra da prévia e expressa autorização e a inversão do ônus probatório com relação aos direitos autorais de execução pública musical, em especial sob a ótica das empresas de televisão, sem contar que, de acordo com o princípio da independência das modalidades (artigo 31[1]) se tratam de meios de utilização independentes[2]

                                    E explico.

                                    A já citada lei de regência, sem seu artigo 86 traz o seguinte texto:

Art. 86. Os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3o do art. 68 desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem. (grifamos e destacamos).

                                    Basta uma leitura célere para verificar que os direitos autorais de execução pública musical devem ser pagos, ou pelos hotéis e motéis ou pelas emissoras de televisão.

                                    Assim, sendo imperiosa a prévia e expressa autorização para o uso da obra musical, e com a alternatividade prevista no artigo 86 da Lei, em uma ação judicial onde o hotel/motel alega que as televisões já pagam os direitos autorais de execução pública musical, e como sucedâneo do ônus da prova, deve ser apresentada a devida quitação do direito.

                                    Ora, via de regra independentemente do direito invocado, o ônus probatório permanece inalterado, devendo o réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Ainda mais, quando se trata de um direito onde a autorização deve ser prévia a utilização. Então, ao alegar ter a prévia autorização (consubstanciada na alegação de que as Tv´s já pagam), deve apresenta-la em juízo.

                                    Óbvio? Não.

                                    Algumas decisões judiciais, mesmo sem a prova da prévia e expressa autorização mediante a apresentação da quitação dos direitos autorais cobrados na ação, presumem que a televisão já tenha pago os direitos autorais perseguidos, decidindo com a devida vênia de acordo com as suas convicções e não de acordo com o princípio da persuasão racional que se baseia no alegado e provado pelo autor e pelo réu.

                                    Assim, visando a interpretação conforme, o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu:

AGRAVO  REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. ECAD. TAXA. COBRANÇA.  QUARTO  DE  HOTEL.  TV  POR ASSINATURA. DISPONIBILIZAÇÃO. INCIDÊNCIA. 1.   A   Segunda  Seção  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  firmou compreensão  segundo  a  qual  é assegurado ao Escritório Central de Arrecadação  e  Distribuição  - ECAD o direito de arrecadar direitos autorais   decorrentes   da  disponibilização  de  rádio  e  TV  por assinatura  em quartos de hotéis, exceto se houver contrato prevendo o  pagamento da taxa pela empresa prestadora dos serviços, o que não se verifica no caso em exame. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1567914/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 27/06/2016)

                                    Concluindo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que são devidos os direitos autorais de execução pública musical mediante sonorização ambiental nos aposentos de hotéis e motéis, diante do respeito ao ônus probatório como demonstrado na ementa acima, assim como diante de outros diversos fundamentos, tais como: por se tratar de outra modalidade de utilização[3], por se tratar de local de frequência coletiva, não revogada a Lei Autoral por uma lei avessa a sua matéria[4], e por se tratar de incremento a atividade hoteleira, não podendo servir de enriquecimento indevido[5], sendo aplicável a tutela prevista no artigo 105 da Lei Autoral[6], afastando e inibindo o ilícito[7].

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Luciano Oliveira Delgado – advogado, sócio do escritório, COZER DIAS, PIRES DE ALMEIDA E OLIVEIRA DELGADO ADVOGADOS ASSOCIADOS.

                                                                       

                                   


[1] As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais.

[2] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 802.891 - RJ (2015/0272995-4)

[3] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.639.215 - RS (2016/0209616-4).

[4]RECURSO ESPECIAL Nº 1.696.083 - SP (2017/0222999-7), AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.129.443 - PR (2017/0160800-0) ;

[5] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.020.098 - PR (2016/0306408-4);

[6]  A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.

[7] RECURSO ESPECIAL Nº 1.635.234 - RS (2016/0284176-3), RECURSO ESPECIAL Nº 1.693.089 - RS (2017/0093641-4), RECURSO ESPECIAL Nº 1.638.989 - RS (2015/0082000-9), RECURSO ESPECIAL Nº 1.502.992 - RS (2014/0304693-8).

Sobre o autor
Luciano Oliveira Delgado

Pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP), com extensão em Propriedade Intelectual (CEU/SP); Direito de Energia (ESA/SP); Curso Geral de Propriedade Intelectual (OMPI), Direitos Autorais(FGV/RJ), Curso Básico de Propriedade Intelectual (Agência USPInovação/INPI), Curso Intermediário de Propriedade Intelectual (INOVAUnicamp/INPI).Diretor Acadêmico Adjunto do IASSA (Instituto dos Advogados de Sorocaba, Salto de Pirapora e Araçoiaba da Serra).Assessor Técnico da Secretaria da Administração da Prefeitura Municipal de Sorocaba-SP (2012/2014); Procurador-Geral Autárquico do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016); Conselheiro Fiscal da Empresa Pública Municipal “Urbes Trânsito e Transportes” (2015/2016); Conselheiro Fiscal da Empresa Pública “Parque Tecnológico de Sorocaba” (2015/2016); Membro da Comissão de Loteamento do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016); Membro da Comissão de Sindicâncias e PADs do SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (2015/2016); Palestrante e autor de diversos artigos publicados em revistas especializadas. Autor colaborador do livro “Direitos Trabalhistas e Previdenciários dos Trabalhadores no Ensino Privado” com o capítulo: “Direito Autoral e de Imagem do Professor” sob a coordenação do Eminente Ministro do TST José Luciano de Castilho Pereira e publicado pela LTr. Autor colaborador do livro “Estudos de Combate a Pirataria, em homenagem ao Desembargador Luiz Fernando Gama Pellegrini”. Sob a coordenação do Professor Eduardo Salles Pimenta e publicado pela Editora Letras Jurídicas, com o capítulo: “Ótica Legal Acerca da Pirataria Musical”. Autor colaborador do livro “Direito Autoral Atual”. Sob a coordenação do Professor José Carlos da Costa Netto e publicado pela Editora Elsevier, com o capítulo “A Efetividade da Tutela do Art. 105 da Lei de nº 9.610/1998”. Área de atuação: Direito Civil, Propriedade Industrial, Direito Autoral e Conexos, Direito Contratual, Direito do Entretenimento, Direito Administrativo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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