SONORIZAÇÃO EM QUARTOS DE HOTÉIS E MOTÉIS – UM BREVE APONTAMENTO
É inquestionável que o usuário de uma obra artística deve obter a prévia e expressa autorização do seu titular, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.
E assim ocorre na adaptação de uma obra literária em audiovisual; na inserção de uma obra musical em uma obra cinematográfica ou publicitária; na tradução de uma obra musical, e na execução pública musical que ocorre nos aposentos de hotéis e motéis.
A Lei Autoral de nº 9.610/98 é autoexplicativa:
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
(...)
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (grifo e destaque nosso)
Repita-se: inquestionável.
Pois bem. Ainda que inquestionável (com o perdão da repetição), com a devida vênia, se verifica em algumas sentenças, e em acórdãos de Tribunais Estaduais, a não aplicação da regra da prévia e expressa autorização e a inversão do ônus probatório com relação aos direitos autorais de execução pública musical, em especial sob a ótica das empresas de televisão, sem contar que, de acordo com o princípio da independência das modalidades (artigo 31[1]) se tratam de meios de utilização independentes[2]
E explico.
A já citada lei de regência, sem seu artigo 86 traz o seguinte texto:
Art. 86. Os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3o do art. 68 desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem. (grifamos e destacamos).
Basta uma leitura célere para verificar que os direitos autorais de execução pública musical devem ser pagos, ou pelos hotéis e motéis ou pelas emissoras de televisão.
Assim, sendo imperiosa a prévia e expressa autorização para o uso da obra musical, e com a alternatividade prevista no artigo 86 da Lei, em uma ação judicial onde o hotel/motel alega que as televisões já pagam os direitos autorais de execução pública musical, e como sucedâneo do ônus da prova, deve ser apresentada a devida quitação do direito.
Ora, via de regra independentemente do direito invocado, o ônus probatório permanece inalterado, devendo o réu provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Ainda mais, quando se trata de um direito onde a autorização deve ser prévia a utilização. Então, ao alegar ter a prévia autorização (consubstanciada na alegação de que as Tv´s já pagam), deve apresenta-la em juízo.
Óbvio? Não.
Algumas decisões judiciais, mesmo sem a prova da prévia e expressa autorização mediante a apresentação da quitação dos direitos autorais cobrados na ação, presumem que a televisão já tenha pago os direitos autorais perseguidos, decidindo com a devida vênia de acordo com as suas convicções e não de acordo com o princípio da persuasão racional que se baseia no alegado e provado pelo autor e pelo réu.
Assim, visando a interpretação conforme, o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO AUTORAL. ECAD. TAXA. COBRANÇA. QUARTO DE HOTEL. TV POR ASSINATURA. DISPONIBILIZAÇÃO. INCIDÊNCIA. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual é assegurado ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD o direito de arrecadar direitos autorais decorrentes da disponibilização de rádio e TV por assinatura em quartos de hotéis, exceto se houver contrato prevendo o pagamento da taxa pela empresa prestadora dos serviços, o que não se verifica no caso em exame. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1567914/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 27/06/2016)
Concluindo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que são devidos os direitos autorais de execução pública musical mediante sonorização ambiental nos aposentos de hotéis e motéis, diante do respeito ao ônus probatório como demonstrado na ementa acima, assim como diante de outros diversos fundamentos, tais como: por se tratar de outra modalidade de utilização[3], por se tratar de local de frequência coletiva, não revogada a Lei Autoral por uma lei avessa a sua matéria[4], e por se tratar de incremento a atividade hoteleira, não podendo servir de enriquecimento indevido[5], sendo aplicável a tutela prevista no artigo 105 da Lei Autoral[6], afastando e inibindo o ilícito[7].
Luciano Oliveira Delgado – advogado, sócio do escritório, COZER DIAS, PIRES DE ALMEIDA E OLIVEIRA DELGADO ADVOGADOS ASSOCIADOS.
[1] As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais.
[2] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 802.891 - RJ (2015/0272995-4)
[3] AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.639.215 - RS (2016/0209616-4).
[4]RECURSO ESPECIAL Nº 1.696.083 - SP (2017/0222999-7), AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.129.443 - PR (2017/0160800-0) ;
[5] AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.020.098 - PR (2016/0306408-4);
[6] A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.
[7] RECURSO ESPECIAL Nº 1.635.234 - RS (2016/0284176-3), RECURSO ESPECIAL Nº 1.693.089 - RS (2017/0093641-4), RECURSO ESPECIAL Nº 1.638.989 - RS (2015/0082000-9), RECURSO ESPECIAL Nº 1.502.992 - RS (2014/0304693-8).