Não somos todos iguais perante a lei

16/05/2018 às 19:00
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Há uma espécie de consenso popular no Brasil quanto à distribuição da justiça entre os cidadãos ricos e os pobres: os primeiros, constantemente protegidos pelo manto sagrado da impunidade, e os segundos, permanentemente perseguidos pelo denominado “sistema social injusto”.

A verdade é que, em essência, tal pensamento não faz mais sentido - ou pelo menos deixou de ter o exagerado grau que o projetou no passado próximo, em razão da dinâmica da própria democracia brasileira, fundada nas mais amplas liberdades e, principalmente, na distorcida interpretação do princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos.

Se, para alguns, os ricos continuam impunes, e os pobres padecendo nas prisões, para outros tantos (e, certamente, para a maioria), o problema fundamental passou a ser, efetivamente, a absoluta impunidade diante da impossibilidade fática de aplicação da lei aos chamados menores infratores, muitos dos quais com até mais de 18 anos de vida natural, mas, ao mesmo tempo, com menos de 18 anos legais.

Ora, os demais cidadãos “nacionais”, trabalhadores honestos e pais de família e que se encontram residentes em territórios desassistidos pela pretensa segurança do Poder Público, são tratados com a rígida punibilidade que a Constituição e a legislação penal, material e processual lhes impõem. Este autêntico cidadão, por não viver na clandestinidade, ao se defender de uma violência praticada por um pretenso menor, será obrigado a responder por anos e anos perante o Poder Judiciário, com toda a rigidez da lei, até lograr provar a licitude de sua ação de legítima defesa.

 Paradoxalmente, esse cidadão não gozará de qualquer benesse do Estado, em sua intentona defensiva, mesmo se atingido pelo “menor” infrator, ou maior marginal, por força da legislação constitucional e infraconstitucional em vigor.

Não é nossa intenção sermos dramáticos, mas, de uma certa forma, neste nosso Brasil, restou ao cidadão de bem, seja pobre, classe média ou rico, simplesmente a escolha de não se defender. Uma opção certamente menos traumática, eficiente do ponto-de-vista econômico e menos arriscada sob a ótica legal, mas ao mesmo tempo fortemente incentivadora da criminalidade desses pretensos menores.

Isso não quer dizer, por outro lado, que as crianças, principalmente as mais humildes, como, também, os demais cidadãos, particularmente os menos afortunados, não devam ter do Estado a mais ampla proteção. Entretanto, claro está que não fará qualquer sentido a outorga - pura e simples - de tal direito de forma indistinta, sob o singelo argumento de que “todos são iguais perante a lei”, muito menos quando esta outorga ocorre em sinérgico prejuízo dos demais cidadãos.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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