I - ESPÉCIES DE OBRIGAÇÕES
Fala-se em obrigações reais e obrigações pessoais. A situação jurídica creditória é oponível a um devedor, a situação jurídica real é oponível erga omnes. O direito de crédito, direito pessoal, realiza-se mediante a exigibilidade de um fato, a que o devedor é obrigado; o direito real efetiva-se mediante a imposição de uma abstenção a que todos se subordinam.
É certo que Teixeira de Freitas (Esboço, artigo 868 e nota respectiva) entendia que não havia uma obrigação real.
II - AS OBRIGAÇÕES PROPTER REM E POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
Entre os juristas medievais, notoriamente os canonistas, surgiu a ideia de uma obrigação chamada de obligatio propter rem, que não era bem uma obligatio, e nem um ius in re. Sua origem foi mais uma preocupação de simetria, ao criar-se a correspondência entre o ius ad rem e a obligatio ob rem, como ensinou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume II, 1976, pág. 43).
A partir dos pós-glosadores, com uma doutrina que por ali se desenvolve, reaparece entre os escritores que baseiam as suas obras no Código de Napoleão, tanto nos comentaristas quanto nos expositores sistemáticos, como Toullier, DeMolonbe, Aubry e Rau, dentre outros, o estudo de tal instituto.
No Brasil, Tito Fulgêncio reduziu a obrigações stricto sensu os casos de obrigações propter rem.
San Tiago Dantas (O conflito de vizinhança e sua composição, 2ª edição, pág. 249) aduziu que, no Braasil, o direito real pode impor ao proprietário do prédio, sobre que ele incide, o dever de fazer uma prestação positiva. Esse dever não é obrigação comum nem propter iuris; é dever de natureza real, eigido à coisa, que por ela se mede, com ela se transmite e acaba.
Disse San Tiago Dantas (obra citada):
“Menos radical é a nossa conclusão, não dizemos que seja de se abandonar a denominação técnica de “obrigação propter rem”, se com ela o que se quer é designar os “direitos reais inominados”, isto é, os direitos e deveres de natureza real que emanam do domínio ou dos iura in re aliena. Estão nesse caso os direitos de vizinhança, dos quais, sem exceção, podemos afirmar a realidade. São eles direitos acessórios do de propriedade, e não há dúvida que, considerados pelo seu lado positivo, se apresentam como uma extensão dos poderes do proprietário além dos limites do seu imóvel, para colher certas vantagens do prédio vizinho."
Os escritores mais modernos estendem não raro o caráter de obrigação propter rem a todos os direitos de vizinhança, certamente por não serem eles no Código Civil tratados como servidões, e e por ser, talvez por ser mais natural, acomodá-los na província das obrigações.
Aliás, Clóvis Beviláqua (Código civil comentado, III, art. 554, pág. 96), Correia Telles(Doutrinas das ações, § 90, pág. 167); Pontes de Miranda(Fontes e evolução do direito civil brasileiro, pág. 216) e ainda San Tiago Dantas(obra citada, pág. 243), este à luz do artigo 554 do Còdigo Civil de 1916, consideravam possessórias, na proteção de proprietários e possuidores, as ações adequadas para repelir os incômodos excessivos que lhe eram causados em seus direitos.
Ninguém negará que a obrigação propter rem seja um artifício técnico, ou antes, uma transação entre os dois tipos extremos do direito real e do pessoal, como alertou San Tiago Dantas(obra citada, pág. 244), com o fim de qualificar certas figuras ambíguas que tinham tanto de um como de outro. Mas o certo é que a questão das obrigações propter rem se reduz, em última análise, ao problema da atormentada diferenciação entre o direito real e o pessoal. Nega-se que os direitos rotulados daquele modo entrem na categoria dos direitos reais, porque não se admite que estes dependam, para ser satisfeitos, de uma prestação executada por outrem em benefício do titular.
É sabido que Rümelin (Arch. für civ. Praxis, 68, páginas 197, apud Fadda e Bensa). Depois de demonstrar que na diferenciação entre direito real e obrigação quase sempre comparamos e extremamos certos direitos reais e certas obrigações, Propõem-se então cotejar, de um lado a servidão altius non tollendi, e de outro a obrigação convencionalmente assumida com o mesmo objetivo, isto é, a obrigação de não construir mais alto. Para Fadda e Bensa (obra citada, IV, pág. 103), nada parecer obstar, em tese, a que o dever correspondente ao direito real conste de um facere.
Lecionou Caio Mário (obra citada) que situa-se a obrigação propter rem no plano de uma obrigação acessória mista. Ensinou que “quando a um direito real acede uma faculdade de reclamar prestação certa de uma pessoa determinada, surge para esta a chamada obrigação propter rem.”
Se se trata, puramente, de exigir prestação em espécie, com caráter autônomo, o direito é creditório, e a obrigação correlata ó é strictu sensu: se a relação traduz um dever geral negativo, é um ius in re, e a obrigação de cada um, no puro sentido de abster-se de molestar o sujeito, pode se chamar de obrigação real.
Mas, se há uma relação jurídico-real, em que se insere, adjeto à faculdade de não ser molestado, o direito a uma prestação específica, este pode dizer-se ad rem, e a obrigação correspondente é propter rem.
Como ensinou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 44), a obligatio propter rem somente encorpa-se quando é acessória a uma relação jurídico-real ou se objetiva numa prestação devida ao titular do direito real, nesta qualidade. A obrigação propter rem não seria pessoal. É uma obrigação de caráter misto, pelo fato de ter como a obligatio in personam objeto, consistente em uma prestação específica; e como a obligatio in re estar sempre incrustada no direito real.
A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito, como ensinou Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, volume 2 : teoria geral das obrigações. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 27).
III - O PROBLEMA DOS ENCARGOS CONDOMINIAIS
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 6.123/RJ, DJ de 11 de dezembro de 1990, relator Waldemar Zveiter, assim afirmou:
“ A doutrina ensina que o cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor as cominações previstas, todas exigíveis pela via executiva, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade do imóvel, eis que a lei lhe imprime poder de sequela, isto porque o adquirente do imóvel em sistema de condomínio responde pelos débitos da unidade requerida”.
A obrigação pelo pagamento de débitos de condomínio possui natureza propter rem.
De tal sorte o condomínio poderá propor a ação de cobrança de cotas condominiais contra aquele que possua liame jurídico com a unidade habitacional, sendo ele o proprietário, promissário comprador, adquirente, arrematante, ocupante do imóvel, etc., tendo em vista, exatamente, o intuito de fazer prevalecer o interesse da massa condominial, a fim de resgatar de maneira mais célere as despesas inadimplidas (AgInt no REsp 1.229.639/PR, Quarta Turma, DJe 20/10/2016).
No julgamento do REsp 1.345.331/RS, Segunda Seção, DJe de 20 de abril de 2015, o ministro Luis Felipe Salomão, no corpo de seu voto, ressaltou que as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo, a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.
Para Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro, volume II, teoria geral das obrigações, 13ª edição, pág. 27) as obrigações propter rem recaem sobre determinada pessoa por força de determinado direito real, isto é, só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa.
Será o caso das obrigações impostas aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a saúde, sossego e segurança dos vizinhos(CC, artigo 1.277).
As obrigações propter rem recaem sobre determinada pessoa por força de determinado direito real, isto é, só existem em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa.
As obrigações propter rem apresentam esse efeito especial. Como a própria denominação o indica, são obrigações cuja força vinculante se manifesta, tendo em vista a situação do devedor em face da sua situação jurídica de titular do domínio ou de uma relação possessória sobre uma determinada coisa, que é a base desse débito como ensinou Serpa Lopes(Curso de direito Civil, 1996, volume II, pág. 46 e 47).
Como noticiado no site do STJ, em 17 de maio de 2018, nos casos de inadimplência de taxas condominiais, a ação de cobrança pode ser proposta contra o proprietário ou contra o arrendatário do ponto comercial, sendo legítima a inclusão de ambos no polo passivo da demanda.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um condomínio para possibilitar o prosseguimento da ação de cobrança também contra o arrendatário do ponto comercial. O julgamento foi feito no REsp 1.704.498.
Segundo a ministra relatora do recurso, Nancy Andrighi, apesar de o arrendatário não ser o proprietário do ponto, ele exerce a posse direta sobre o imóvel, usufruindo, inclusive, dos serviços prestados pelo condomínio, “não sendo razoável que não possa ser demandado para o pagamento de despesas condominiais inadimplidas”.
O acórdão recorrido entendeu que somente o proprietário poderia ser demandado na ação de cobrança, mesmo havendo cláusula no contrato de arrendamento segundo a qual a responsabilidade pelas taxas condominiais seria do arrendatário.
A relatora lembrou que nesses casos prevalece o interesse coletivo em receber os recursos para pagamento das despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor de direito escolher o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ficando obviamente ressalvado o direito de regresso.
Observe-se, por fim, que não se trata de obrigação solidária, daquelas que são impostas pela lei ou ainda pela vontade das partes.