PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE COMETIDOS POR GOVERNADOR
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Registra-se que, no Brasil, o impeachment foi consagrado na Constituição de 1824.
Cabia â Câmara dos Deputados decretar e sustentar a acusação dos ministros e conselheiros de Estado, como se lê do artigo 38 e Lei de 15 de outubro de 1827, artigos 17 e 18 e ao Senado, julgá-los, artigo 47, item 2º; artigo 20 da Lei de 15 de outubro de 1827.
Ficavam os acusados sujeitos a penas funcionais(perda do cargo com inabilitação para exercer outro), bem assim, as penas corporais(prisão e morte), de acordo com a Lei de 15 de outubro de 1827(artigo 1º e 2º).
Era o processo de natureza mista, político-criminal como na Inglaterra e França, com a diferença que apenas se aplicava aos ministros e conselheiros do Estado, artigos 133 e 143.
A iniciativa do processo era de qualquer cidadão, dos membros da Câmara dos Deputados, do Senado, como lecionava PIMENTA BUENO.
A Constituição de 1891 adotou o sistema norte-americano de responsabilidade. Pela primeira Constituição republicana, o processo e julgamento dos crimes comuns do Presidente da República e dos ministros de Estado é do Supremo Tribunal Federal e ao Senado, os de responsabilidade. O decreto da Câmara sobre a procedência da acusação importava a suspensão do Presidente da República ou do ministro no exercício de suas funções, artigo 53, parágrafo único. Restringiu o impeachment, contrariamente a Constituição norte-americana, ao Presidente da República, ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal(artigo 52, § 2º, art. 53 e art. 57, § 2º).
A Constituição de 1934 estatuiu que a pena a impor seria de perda do cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, consagrando a doutrina de Epitácio Pessoa, Pedro Lessa e Aníbal Freire no sentido de que o impeachment é um processo misto, tanto que a renúncia não impede o prosseguimento ou, mesmo, o início do processo.
É certo que desde 1918, no exame do caso do general Caetano de Faria contra a Assembléia Legislativa de Mato Grosso, o Supremo Tribunal Federal adotou a tese de Epitácio Pessoa no sentido de que estamos diante de um processo misto(político-penal).
Tal sistema é distinto do modelo norte-americano, das orientações de Cooley, Story, Black. No sistema que adotamos, que é o do impeachment europeu, são impostas penas administrativas, civis e criminais, na linha de Duguit, Esmein, como bem reportado por Paulino Jacques(Direito constitucional). No Brasil, é sabido que Paulo Brossard(Impeachment) entende que o instituto tem feições políticas.
Assim se a causa do processo não deixa de ser puramente política, o meio – o processo e julgamento – e o fim – a pena – são tipicamente criminais, uma vez que o Presidente da República sofre a imposição de uma perda(perda do cargo, com a incapacidade para exercer outro, ou sem ela).
A Lei 1.079, de 10 de abril de 1950, definiu os diferentes delitos de crimes de responsabilidade do Presidente da República, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-geral da República, governadores e secretários de Estado. Nos artigos 2º, 15, 42, parágrafo único, do artigo 76, consagrou a chamada doutrina segundo a qual a renúncia do acusado impede o início do processo.
A Constituição de 1967 manteve o instituto na linha da Constituição anterior.
A lei estabelecerá as normas de processo e julgamento. Constituição Federal, art. 85, par. único. Essas normas estão na Lei n. 1.079, de 1.950, que foi recepcionada, em grande parte, pela Constituição Federal de 1988 (MS n. 21.564-DF).
A Constituição do Rio Grande do Norte prevê, no artigo 65, que são crimes de responsabilidade do Governador os definidos em lei federal, que estabelece as normas de processo e julgamento. Tal norma citada é a Lei nº 1.079 que está em vigência.
A teor do parágrafo primeiro do artigo 65 da Constituição Estadual, admitida a acusação contra o Governador do Estado, por dois terços da Assembleia Legislativa, é ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça(nesse ponto a norma é inconstitucional), nos crimes comuns, ou perante tribunal especial, nos crimes de responsabilidade, e, quando conexos com aqueles, os Secretários de Estado.
O Tribunal Especial a que se refere a Constituição Estadual é composto de cinco Deputados Eleitos pela Assembleia Legislativa e cinco Desembargadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que o preside.
Nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Tribunal Especial, o Governador ficará suspenso de suas funções.
Nessa linha de pensar, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 305/QO, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18 de dezembro de 1992, acentuou que o artigo 86, parágrafo quarto, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, exclui-o, durante a vigência de seu mandato – e por atos estranhos a seu exercício -, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. Sendo assim a cláusula de exclusão inscrita no preceito constitucional, inscrito no artigo 84, parágrafo quarto, da Constituição Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticados em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aqueles praticados durante a vigência do mandato, desde que estranhas ao oficio presidencial. Será hipótese de imunidade processual temporária.
Ficou acentuado que a norma constitucional consubstanciada no artigo 86, § 4º reclama e impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese restrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.
Como conclusão se tem que a Constituição, no artigo 86, § 4º, não consagrou o principio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O Chefe de Estado, nos delitos penais praticados ¨in officio¨ou cometidos ¨propter officium¨, poderá ainda que vigente o mandato presidencial, sofrer a ¨persecutio criminis¨, desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos Deputados.
Tal se dá em decorrência do principio republicano, na possibilidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que venha a praticar no exercício das funções.