O Judiciário Mais Caro do Mundo

21/05/2018 às 16:00
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O Poder Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo. Segundo dados consubstanciados por LUCIANO DA ROS, da UFRGS, em estudo intitulado O Custo da Justiça no Brasil, com exceção de El Salvador, com expressivos 1,35% do PIB, o Brasil possui o Judiciário mais dispendioso do mundo, com gastos (em 2014) na ordem de 68,4 bilhões (1,2 % do PIB), em comparação com os EUA (0,14% do PIB), a Itália (0,19% do PIB) e a Alemanha (0,32% do PIB). Portanto, nas Olimpíadas Judiciais, nosso País possui grandes chances de subir ao podium.

Sem correspondente em qualquer parte do planeta, o valor despendido com o Poder Judiciário guarda proximidade com o que foi gasto com as Forças Armadas no mesmo ano (74,4 bilhões ou 1,4% do PIB). Tal cenário se reproduz em relação ao efetivo empregado nas duas instituições. De acordo com o Relatório Justiça em Números/2015, o Judiciário possuía, em 2014, 278,7 mil servidores (efetivos, requisitados, cedidos de outros órgãos e comissionados sem vínculo efetivo), além dos 139,3 mil trabalhadores auxiliares (terceirizados, estagiários, conciliadores, juízes leigos), totalizando 418 mil pessoas. Isso sem computar o número de cargos (previstos) de juízes, na ordem de 22,5 mil. Por sua vez, o efetivo das Forças Armadas atingiu, em 2014, cerca de 330 mil servidores.

Mesmo ostentando esses números hiperbólicos, a prestação da tutela jurisdicional, no Brasil, é uma das mais morosas do mundo, refletindo a ineficiência do Estado como prestador de serviços públicos. Afinal, no Brasil, a criança educação ainda tenta se alfabetizar, a jovem saúde respira por aparelhos, a senhora segurança pública sente-se atemorizada, e o senhor serviço judiciário, após esperar por tantos anos por uma decisão judicial, faleceu sem receber o bem da vida.

Malgrado as tentativas de se combater o problema, o insucesso tem sido evidente, notadamente porque são atacadas as consequências, quando o foco deveria ser as causas. Apenas para ilustrar o que se afirma, apesar do estratosférico número de 105 milhões de ações em tramitação no País, os juízes, na verdade, possuem muitos processos cuja temática é repetida, restando aos magistrados o absurdo de decidir quase que uma a uma, algo que o novo Código de Processo Civil, através do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, busca, de uma forma muito tímida e burocrática, debelar.

Portanto, é preciso implantar, cada vez mais, instrumentos que viabilizem a reunião de processos em um único julgador, tais como o instituto da afinidade, em adição à conexão e à continência, e também ressuscitar figuras análogas à antiga avocatória, de modo a permitir que o STF, por exemplo, possa decidir de uma única vez questões que sejam comuns aos cidadãos brasileiros.

Com efeito, ações que possuam mesmo fato motivador do pedido e mesma causa de pedir devem ser julgadas através de um único ato decisório, medida que acarretará não apenas economia processual, mas uma verdadeira racionalização do trabalho, melhorando a eficiência operacional do Judiciário. Tal expediente impedirá que diversos magistrados julguem casos idênticos, o que não raro ocasiona interpretações variadas sobre o mesmo tema, problema que, cabe reconhecer, decorre do hábito que alguns juízes possuem de impor uma particular visão de justiça, em detrimento da correta hermenêutica na aplicação da lei, causando inflação interpretativa. Pelo contrário, a diversidade de soluções adotadas por diversos juízes para a mesma questão acaba por causar perplexidade no jurisdicionado, que não consegue entender como uma interpretação pode ser absolutamente contrária à outra, se o que se postula em juízo é exatamente o mesmo.

Na Justiça Federal, em particular, cumpre reconhecer que os custos públicos (custas e emolumentos) são absurdamente baixos, em contraposição aos elevados custos privados (honorários advocatícios), o que, entre outros fatores, funciona como incentivo à litigância de má-fé e ao abuso quanto ao exercício do direito de ação e ao manejo de recursos. É pertinente, pois, que se reflita não somente quanto ao gasto, mas também quanto à correta utilização da máquina judiciária. Não se trata de cercear o amplo acesso ao Judiciário, mas, ao reverso, organizar e disciplinar, pois é inadmissível que a coletividade pague pelo uso indevido de um serviço público, acarretando sérios problemas à prestação jurisdicional.

Cabe ponderar, ainda, que grande parte dos 105 milhões de ações possui um seleto grupo de empresas no polo passivo, refletindo uma prática contumaz de descumprimento do Direito. São milhões de processos versando sobre questões relativas, por exemplo, a direitos do consumidor, assolando o Judiciário de causas perfeitamente evitáveis, não fosse a lógica empregada por alguns segmentos empresariais, cuja tônica é postergar o pagamento daquilo que é devido ao autor da ação. A sociedade, sem alternativa, socorre-se do Judiciário, o que se dá a um custo altíssimo para a coletividade, isto é, o custo judicial. Ao contrário da falácia que se propala, ou seja, que é preciso estancar o número de demandas que chegam à Justiça, entendemos que o correto seria adotar estratégia que permitisse que a sociedade fosse ressarcida por aqueles que insistem em descumprir a norma. Assim, é necessário estabelecer mecanismos que possibilitem ainda mais a condenação de tais empresas ao ressarcimento do dano social (modalidade de danos morais coletivos) causado pela reiterada inobservância do Direito.

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Destarte, urge, inaugurarmos o Judiciário do Século XXI, o que demanda ações novas, em contraposição às antigas e ineficientes medidas de combate às consequências, tais como as ultrapassadas soluções dispendiosas, das quais o aumento do número de tribunais, juízes e servidores é o exemplo mais atual.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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