Limites do juro no Novo Código Civil brasileiro

25/05/2018 às 08:38
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O trabalho pretende realizar um estudo histórico sobre a cobrança de juros, resgatando na história, o fenômeno da agiotagem, e, posteriormente descrever a legalidade da Lei de Usura.

Sumário

1. Introdução; 2. Breve Histórico da Usura; 2.1. A Aceitação Passiva do Juro na Sociedade Mercantil; 3. As Limitações da Cobrança de Juros sob a Legislação da Constituição Federal de 1988 e sobre o Novo Código Civil; 4. Considerações Finais; 5. Referências das Fontes Citadas.

Resumo

O presente artigo pretende realizar um estudo histórico sobre a cobrança de juros, resgatando na história, o fenômeno da agiotagem, e, posteriormente descrever a legalidade da Lei de Usura, descrevendo os avanços dos legisladores na interpretação das limitações para cobrança de juros no contexto brasileiro. Ao final com embase na Constituição de 1988 e no Novo Código Civil tecer considerações sobre o aparato legal de combate a abusividade da taxa de juros.

1.    Introdução

Na história da humanidade, a usura sempre foi tratada com uma forma desviante na conduta das pessoas enquanto condição de sociedade. Se preliminarmente, a ética daquele momento histórico, condenasse religiosamente a cobrança extorsiva do juros, com o desenvolvimento da sociedade mercantil moderna, esta prática passou a ser aceitada como atividade elementar sociedade capitalista.

No contexto contemporâneo, a inexistência de base constitucional autoaplicável, impoõe um disciplinamento legal dos juros remuneratórios, buscando um meio-termo entre a base legal e os aspectos econômicos, resultando em mudanças que atendem as necessidades dos agentes econômicos da sociedade.  De forma geral, o objetivo é descrever o percurso histórico de limitação dos juros e compreender os limites legais diante dos novos ditames econômicos.

2.  Breve Histórico da Usura

O nascimento de um novo sistema econômico, o capitalismo,  tem na difusão da economia monetária uma nova ética diante do padrão até então utilizado, que sua finalidade é a legitimação do lucro lícito que se distingue da usura ilícita.{C}[2]

Em textos oficiais mostra-se grande interesse em torno da prática da usura, onde estes atos eram jurídicos segundo Le Goff [3]:

Em dois tipos de documentos originários de gêneros antigos que, na virada do século XII para o século XIII, sofreram alteração essencial. Os primeiros são os que reúnem as sumas ou manuais dos confessores. Durante a Idade Média, as penitências devidas pelos pecadores segundo a natureza dos atos pecaminosos estavam consignadas nos penitenciais.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

A prática da usura era entendida como uma mistura de práticas entre o lícito e o ilícito nas operações denominadas juros, um conjunto de práticas financeiras proibidas. A usura é a cobrança de juros por alguém em operações nas quais não deveria haver juros. Conforme afirma Le Goff [4] “Usura e juro não são sinônimos, nem usura e lucro: a usura existe quando não há produção ou transformação material de bens concretos”.

A emergência da economia mercantil trouxe justificativas para  a conversão da usura como espécie de juros,  considerando cinco justificativas  para tal prática: a) as duas primeiras dão lastro para indenização e lucro cessante , ora por prejuízo por atraso ou por perda de empréstimo em investimento mais vantajoso;  b) a terceira, a usura pode ser considerada  um salário, o que salvou mercadores  e os mestres universitários,  dado que é um trabalho fatigante que merece salário; c) as duas últimas justificativas estão relacionadas  ao conceito da nova sociedade : o risco e o cálculo da incerteza  que reconhece o certo e o incerto no cálculo econômico, papel importante para a lógica capitalista. [5]

Os sentidos do capitalismo foram evocados nas diversas práticas, bem como  se definiram as novas relações  na   cobrança de juros,  iniciando os primeiros passos do capitalismo.

2.1.       A Aceitação Passiva do Juro na Sociedade Mercantil

Na sua forma primária, o capitalismo fez sua busca incessante do lucro através das relações de troca entre os indivíduos e por consequência, a remuneração do capital nascendo a necessidade de pagar lucros , juros , aluguéis e salários,  como renda para os fatores produtivos no fluxo circular da economia.

De fato, o fluxo circular pressupõe a justa remuneração e distribuição da renda entre as três classes descritas no sistema de economia política: os proprietários ,  os produtores e a classe estéril. No resultado final de um período, a classe proprietária é detentora do rendimento do produto, enquanto que a classe produtiva labora a partir da função alocativa dos fatores produtivos – terra, trabalho e capital, e, a classe estéril faz circular a produção entre os setores. Assim, todos  são remunerados, sendo, o juro uma forma de retribuição ou dedução da renda ou capital adiantado.

Para Pedro Frederico Caldas apud RICARTE (2017):

O conceito econômico do juro se completa com critérios objetivos e subjetivos que, respectivamente, consistiam na escassez de capital e renúncia à liquidez monetária, aliada à oferta e procura da moeda em investimentos. A partir dessa concepção Keynesiana, os juros passaram a ser instrumento de políticas de desenvolvimento econômico com manipulação da oferta monetária disponível.

Neste contexto, os elementos da prática da cobrança de juros,  emergentes  nas particularidades da sociedade mercantil,  devem ter constante necessidade de regulação, e, por conseguinte,  a prática da usura delimitada pela constante aplicação das atividades econômica.

3.    As Limitações da Cobrança de Juros sob a Legislação da Constituição Federal de 1988 e sobre o Novo Código Civil

Na atualidade, o problema da definição foi institucionalizado em todos os países, quando um governo tem seu banco central, que atua independente da política, e, com a preocupação em manter a inflação sobre controle, utiliza como principal ferramenta para influir na economia – a taxa de juros. 

Historicamente, o século XX teve como característica marcante a regulação do Estado na economia. Na conjuntura atual, com o advento da macroeconomia, as medidas estatais de estímulo ao investimento aponta para ação estatal que adquire papel relevante, influenciando decisivamente os agregados econômicos de um país.

Na premissa da nova Constituição Federal, o legislador constitucional lançou mão tanto de valores do ideário liberal quanto daqueles que derivam das aspirações por justiça social. Na atualidade, para a conjuntura brasileira, não causa surpresa a divulgação de que são praticadas altas taxas de juros pelo setor financeiro.Com a adoção do Plano Real, as autoridades monetárias brasileiras puderam e tem adotado taxas de juros altas como instrumento para alcançar os objetivos macroeconômicos, tais como: a) combater a inflação restringindo a demanda agregada, e, b) servir de instrumento para cobrir o déficit em conta corrente, atraindo capital externo. 

Na Constituição de 1988, o Art. 192, em seu Parágrafo 3º, consagra a questão da taxa de juros que define as relações mútuas e contratuais,

Art. 192. Parágrafo 3°. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

            O preceito constitucional apontado que propõe um limite não superior a doze por cento ao ano, é um tema controverso, onde não uma unanimidade doutrinária, com posições controversas sobre a auto aplicabilidade do referido artigo, que deveria ser remetido para regulação de uma lei complementar, conforme inúmeras disputas e questionamentos de inconstitucionalidade desde a promulgação da Carta Magna em 1988.

            Na interpretação doutrinária sobre a revogação do Parágrafo 3º do Art. 192 da CF/1988, pela Emenda Constitucional no.40 /2003,  as taxas de juros remuneratórios e moratórios não são objeto de controle jurisdicional , valendo o que estiver inserto nos contratos, e,  conforme diversos doutrinadores,  o Judiciário vem intervindo diante da inércia do Legislativo ,  fixando  a taxa de juros remuneratórios pela própria Instituição Financeira,  sendo facultado ao consumidor , a revisão em caso de abusividade.  Neste contexto, o Poder Judiciário pode rever os referidos juros remuneratórios, quando as instituições financeiras estejam usando uma taxa média discrepantes da média de mercado.  Em consonância contra a abusividade dos juros remuneratórios, o Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 (especialmente no art. 4º., III e art. 51) ,  e,  o Código Civil de 2002,  com a devida moderação da Lei da Usura, tratam de cláusulas contratuais abusivas,  da função social do contrato (art.421) e da boa-fé objetiva na conclusão/execução do contrato (art.422).[6]{C} 

            Conforme afirma Dallagnol{C}[7],

Os juros compensatórios ou remuneratórios são os juros que objetivam remunerar ou recompensar o mutuante pelo uso do capital, sejam contratualmente estabelecidos (convencionais) ou decorrentes de lei (legais). Estes juros têm natureza distinta da natureza dos juros moratórios, devidos a título de perdas e danos pela mora no cumprimento da obrigação, que também podem ser fixados em contrato (convencionais) ou decorrentes de lei (legais).

A mudança do horizonte de cálculo dos agentes econômicos é pautado pela expectativa da Taxa SELIC, que é publicada após a decisão do COPOM –Comitê de Política Monetária, do Banco Central do Brasil, implicando todas as relações econômicas, desempenhando um papel chave nos agregados macroeconômicos e suas variáveis, tais como: inflação, desemprego, câmbio, fluxo de capitais, estrutura do balanço de pagamentos, nível da dívida interna e externa.  Em termos microeconômicos, quando a alta da Taxa SELIC é imposta para sociedade brasileira, os agentes econômicos reorientam suas taxas para a produção e consumo alterando seus valores e formas de aplicação.

4.  Considerações Finais

Em momentos de crescimento econômico, com liberalização do intervencionismo estatal, a chamada Lei da Usura, é flexibilizada, deixando ao definido nas relações livres dos agentes econômicos, pactuados em contrato das partes demandantes e ofertantes de crédito.

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Na promulgação da Constituição de 1988, embora descrito no aparato constitucional limitador da cobrança da taxa de juros, e, considerando que, tal artigo não é auto aplicável,  os doutrinadores e magistrados , utilizando o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), e,  novo Código Civil de 2002, como bases legais complementares para evitar a abusividade na prática de cobrança de juros abusivos, considerando a classificação entre juros remuneratórios, compensatórios e moratórios.

Em síntese, a convergência entre as medidas macroeconômicas para equalização da taxa  serve como substrato para que os contratos  cumpram sua função social, assim como, garantem ao Poder Judiciário , um controle sobre os juros moratórios e remuneratórios, e,  combatam os abusos nas relações pactuadas entre as partes, principalmente, as relações com o setor bancário, no caso brasileiro.

5.  Referências das Fontes Citadas

ALENCAR, Martsung F.C.R.. Noções básicas sobre juros e o combate histórico à usura. Jus navengandi, Teresina, ano 11, n. 1000, mar. 2006. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/8158. Acesso em: 07 de abril, 2017.

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Limite dos juros remuneratórios no direito brasileiro infraconstitucional. Doutrina e jurisprudência. Uma solução para além do limite constitucional da taxa de juros. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3264>. Acesso em: 07 abr. 2017.

LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 142 p.

RICARTE, Olívia. A evolução histórico – política dos juros na sociedade liberal capitalista. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10658>. Acesso em abr 2017.


{C}[2]{C}  LE GOFF, J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. 2007. p . 12

{C}[3]{C} LE GOFF, J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. 2007. p . 13

{C}[4]{C} LE GOFF. J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. 2007. p.  22

{C}[5]{C} LE GOFF, J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. 2007. p . 93.

{C}[6] ALENCAR, Martsung F.C.R.. Noções básicas sobre juros e o combate histórico à usura. Jus navengandi, Teresina, ano 11, n. 1000, mar. 2006. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/8158. Acesso em: 07 de abril, 2017.

[7] DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Limite dos juros remuneratórios no direito brasileiro infraconstitucional. Doutrina e jurisprudência. Uma solução para além do limite constitucional da taxa de juros. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3264>. Acesso em: 07 abr. 2017.

Sobre o autor
Toni Rafael Jesse

Acadêmico e empreendedor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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