5. O PROCESSO E JULGAMENTO POR CRIME DE RESPONSABILIDADE
A notícia do crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República deve chegar à Câmara dos Deputados, momento em que o Presidente da Casa realizará uma análise prévia dos fatos e provas. Pode o Presidente da Câmara dos Deputados dar prosseguimento ao processo, enviando a notícia do crime para a Comissão de Constituição e Justiça – CCJ da Casa, ou arquivá-la.
Um aspecto importante aqui é ao início do processo, que tem gênese em uma denúncia que deve ser dirigida à Câmara dos Deputados e que pode ser elaborada por qualquer cidadão, sendo este o entendimento de vário doutrinadores: “A acusação pode ser articulada por qualquer brasileiro perante a Câmara dos Deputados.” (SILVA, 2009, p. 551); “(1) um cidadão (qualquer nacional no exercício de seus direitos políticos) apresenta a acusação (denúncia) contra o Presidente da República na CD;”. (MASSON, 2015, p. 846); “A acusação poderá ser formalizada por qualquer cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos.” (LENZA, 2016, p. 1140); “A acusação por crime de responsabilidade pode ser formulada por qualquer cidadão.” (MENDES, 2014, p. 861).
No entanto, diante da possibilidade da fragilidade da denúncia, entende Gilmar Ferreira Mendes que:
Se a matéria for considerada objeto de deliberação, será designada uma comissão especial para apreciá-la.
No exame de denúncia popular oferecida contra o Presidente José Sarney, a Mesa da Câmara dos Deputados “... houve por bem melhor examiná-la, para verificar se preenchia os requisitos legais para ser recebida. Exaustivamente examinada pela assessoria técnica da Câmara, concluiu que os fatos narrados na denúncia não configuram crime de responsabilidade...”. Da decisão denegatória de recebimento da denúncia impetrou-se mandado de segurança contra o Presidente da Câmara dos Deputados, tendo o STF assentado que a competência daquele “não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e denunciados, mas se pode estender [...] a rejeição imediata da acusação patentemente inepta.” (MENDES, 2014, p. 861-862).
Também este é o entendimento de Nathalia Masson:
(2) uma comissão especial é criada na Casa Legislativa para avaliar a acusação e elaborar um parecer;
(3) este parecer é submetido à votação aberta (nominal) na CD, na qual os Deputados Federais decidirão se a denúncia é, ou não, adequada;
(4) exige-se a maioria de 2/3 dos membros da CD para que a autorização seja concedida;
(5) caso a CD entenda pela inadequação da denúncia ela será arquivada;
(6) por ocasião do exame da denúncia popular oferecida contra o Presidente José Sarney, a Mesa da Câmara dos Depurados “[...] houve por bem melhor examiná-la, para verificar se preenchia os requisitos legais para ser recebida. Exaustivamente examinada pela assessoria técnica da Câmara, concluiu que os fatos narrados na denúncia não configuram crime de responsabilidade [...]”. Contra a decisão que denegou o recebimento da denúncia impetrou-se mandado de segurança contra o Presidente da Câmara dos Deputados, tendo o STF firmado que a competência daquele “não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciadores e denunciados, mas se pode estender, [...] a rejeição imediata da acusação patentemente inepta”. (MASSON, 2015, p. 847).
Portanto, a CCJ analisará a constitucionalidade da acusação e, sendo constitucional, o plenário da Casa julgará por maioria de três quintos dos votos se autoriza ou não o prosseguimento da denúncia, realizando o juízo de admissibilidade do processo. Ao acusado deve ser garantido o devido processo legal, com os princípios da ampla defesa e contraditório.
Autorizado o processo pela Câmara dos Deputados, o Senado Federal será notificado do fato, estando autorizado a iniciar o julgamento do Presidente da República. O processo, assim, é bifásico.
Tal procedimento é bifásico, composto por uma fase preambular, denominada juízo de admissibilidade do processo, na Câmara dos Deputados (Tribunal de Pronúncia — art. 80 da Lei n. 1.079/50), e por uma fase final, em que ocorrerão o processo propriamente dito e o julgamento, no Senado Federal (Tribunal de Julgamento). (LENZA, 2016, p. 1140).
Do mesmo modo manifesta-se Gilmar Ferreira Mendes:
O processo de crime de responsabilidade divide-se em duas fases: a) juízo de admissibilidade, que correrá perante a Câmara dos Deputados; b) processo e julgamento, a cargo do Senado Federal. (MENDES, 2014, p. 861).
E ainda José Afonso da Silva:
O processo dos crimes de responsabilidade e dos comuns cometidos pelo Presidente da República divide-se em duas partes: juízo de admissibilidade do processo e processo e julgamento. (SILVA, 2009, p. 551).
Aqui, também, se tem a primeira grande alteração trazida pela ADPF 378. A doutrina e no julgamento anterior do então Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, o Senado Federal estava obrigado a iniciar o processo contra o Presidente da República, devendo ser formada comissão processante para fazer as vezes de órgão de acusação. É o que entende Pedro Lenza:
Posteriormente, havendo autorização da Câmara dos Deputados, o Senado Federal deverá instaurar o processo sob a presidência do Presidente do STF, submetendo o Presidente da República a julgamento (no Senado Federal), assegurando-lhe as garantias do contraditório e ampla defesa, podendo, ao final, absolvê-lo ou condená-lo pela prática do crime de responsabilidade. (LENZA, 2016, p. 1141).
E da mesma forma Nathalia Masson:
(7) caso a CD decida pela adequação da acusação, a autorização terá sido dada, sendo válido informar que a mesma:
(i) em se tratando de crime de responsabilidade, vinculará o Senado Federal – que estará, agora, obrigado a instaurar o processo contra o Presidente;
(ii) em se tratando de crime comum, não vinculará o STF, que ainda fará novo juízo de admissibilidade, para decidir se recebe, ou não, a denúncia ou a queixa-crime; (MASSON, 2015, p. 847).
E José Afonso da Silva:
Recebida a autorização da Câmara para instaurar o processo, o Senado Federal se transformará em tribunal de juízo político, sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Senado decidir se instaura ou não o processo. Quando o texto do art. 86 diz que, admitida a acusação por dois terços da Câmara, será o Presidente submetido a julgamento perante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade, mão deixa a este possibilidade de emitir juízo de conveniência de instaurar ou não o processo, pois que esse juízo de admissibilidade refoge à sua competência e já fora feito por quem cabia. (SILVA, 2009, p. 551).
Aqui, também, se tem a primeira grande alteração trazida pela ADPF 378. A doutrina e no julgamento anterior do então Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, o Senado Federal estava obrigado a iniciar o processo contra o Presidente da República, devendo ser formada comissão processante para fazer as vezes de órgão de acusação. É o que entende Afonso da Silva:
Recebida a autorização da Câmara para instaurar o processo, o Senado Federal se transformará em tribunal de juízo político, sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao Senado decidir se instaura ou não o processo. Quando o texto do art. 86 diz que, admitida a acusação por dois terços da Câmara, será o Presidente submetido a julgamento perante o Senado Federal nos crimes de responsabilidade, mão deixa a este possibilidade de emitir juízo de conveniência de instaurar ou não o processo, pois que esse juízo de admissibilidade refoge à sua competência e já fora feito por quem cabia. (SILVA, 2009, p. 551).
Na ADPF 378, entendeu o STF que o Senado Federal deveria realizar um novo juízo de admissibilidade do processo, o que de fato ocorreu no julgamento da Presidente Dilma Vana Rousseff, a qual teve oportunidade para se defender, com a garantia do devido processo legal. O Senado Federal, em decisão, autorizou o início do processo por três quintos dos votos.
Autorizado o processo, o Presidente da República é afastado de suas funções por prazo de até cento e oitenta dias. Caso o processo termine em prazo inferior e o Presidente seja absolvido, retorna às suas funções. Caso o processo se prolongue por mais de cento e oitenta dias, o Presidente retorna ao cargo após o centésimo, octogésimo dia. Caso o Presidente seja condenado, a perda do cargo pode ser decretada.
Iniciado o processo, será realizada a instrução processual, ouvindo-se testemunhas e produzindo-se todas as provas admitidas em Direito, respeitando-se as regras processuais penais. O processo é presidido pelo Presidente do STF que evitará inversões processuais, nulidades, com a garantia da ampla defesa e contraditório.
Encerrada a instrução processual, as partes apresentarão suas alegações finais, primeiro a acusação, marcando o Presidente do STF o dia de julgamento.
A condenação depende do voto de dois terços dos senadores, conforme artigo 51 da CF/88 e a votação, na Câmara dos Deputados, no entendimento de Gilmar Ferreira Mendes, deve ser nominal:
Assim, não mais subsiste dúvida de que a votação quanto à admissibilidade ou não da denúncia, perante a Câmara dos Deputados, há de fazer-se de forma nominal (ostensiva). (MENDES, 2014, p. 862).
Aqui, outra inovação trazida no julgamento do impeachment da Presidente Dilma Rousseff ocorreu. Após a condenação de Dilma Rousseff por dois terços de votos, a defesa provocou o então Presidente do Supremo Tribunal Federal e presidente do processo de impeachment no momento, Enrique Ricardo Lewandowsk, a manifestar-se sobre a aplicação da pena, defendendo a tese de que as penas de perda do mandato e inabilitação por oito anos poderiam ser aplicadas separadamente.
Ocorre que a doutrina e no processo de cassação do Fernando Collor, chamais se cogitou acerca desta possibilidade, sendo ela sempre afastada, principalmente em razão da redação clara e precisa do texto constitucional, em seu artigo 52, parágrafo único.
Art. 52. [...] Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
O primeiro argumento a ser levantado é o da intepretação gramatical. Na expressão “[...] perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”, a preposição “com” exige uma articulação necessária das duas locuções por ela conectadas, quais sejam, perda do cargo mais a inabilitação por oito anos.
Outro argumento válido e definitivo contra o fatiamento das penas são as consequências esdrúxulas potencialmente resultantes. Na primeira delas ocorreria a condenação por crime de responsabilidade, mas nenhuma das penas seria aplicada, posto não se obter a maioria qualificada de três quintos de votos seja para a perda do mandato ou inabilitação por oito anos.
Tal situação seria absurda pois teríamos uma condenação mas, sem qualquer excludente de punibilidade presente, deixar-se-ia de aplicar pena ao condenado.
Em uma segunda situação teríamos a condenação por crime de responsabilidade com a aplicação tão somente da inabilitação por oito anos para o exercício de qualquer função pública. Porém, inabilitado para o exercício de qualquer função pública, a perda do cargo de Presidente da República seria consequência lógica. Mas, caso a perda seja aplicada, estar-se-ia ignorando a decisão do Senado Federal. Percebe-se, aqui, que se está diante de um paradoxo ou looping infinito.
A única possibilidade razoável de decisão foi a aplicada no caso concreto no julgamento da então Presidente Dilma Rousseff, ou seja, a aplicação tão somente da perda do cargo, sem inabilitação por oito anos.
6. CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que o texto constitucional não evidencia em detalhes o procedimento para o julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, o que restou à lei infraconstitucional estabelecer, o que faz a Lei 1079/1950.
A Lei n. 1079/1950 possui uma boa qualidade jurídica, o que até dispensaria a criação de uma nova norma sobre o assunto, mas foi criada sob a vigência da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, o que faz com que precise ser recepcionada pela nova ordem constitucional.
A recepção de norma infraconstitucional anterior pela nova constituição somente ocorre naquilo que houver compatibilidade, e, ainda, o que for recepcionado, pois a recepção pode ser parcial, precisar ser reinterpretado, segundo os princípios e regras da nova constituição.
Assim, inevitável a reinterpretação da Lei 1079/1950 pelo Supremo Tribunal Federal, o que ocorreu com o julgamento da ADPF n. 378, que, desta forma, merece uma acurada revisão, que é o que se pretende com este projeto de pesquisa.
Também, o refazimento do juízo de admissibilidade do processo no Senado Federal não tem previsão normativa, e, revestido de garantia ao devido processo legal representa tão somente subterfúgio para procrastinar o andamento do julgamento, tornando-se mais uma possibilidade de evitar-se a aplicação da lei ao administrador irresponsável.
E, por fim, o fatiamento das penas foi um triste episódio promovido pelo Presidente do STF, representando a negação ao princípio da República que impõe igualdade entre os cidadãos e reponsabilidade aos governantes, bem como a exaltação da impunidade aos maus administradores.
7. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 out. 1988. São Paulo: Saraiva, 2016.
______. Lei n. 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1079.htm>. Acesso em: 12 jul. 2017.
______. Supremo Tribunal Federal. Ministro Edson Fachin, no julgamento da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 378 – Distrito Federal. Publicado em 08 mar. 2016, Ata n. 25/2016, no Diário da Justiça n. 43. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=308870644&tipoApp=.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017.
______. Vade Mecum, 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
GALLO, C. A. P. Crimes de Responsabilidade: do impeachment. Rio de Janeiro: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1992.
LENZA, P. Direito Constitucional esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MASSON, N. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.