SUMÁRIO: Resumo; 1. Intróito; 2. O princípio da presunção de inocência; 3. Cumprimento de pena em segunda instância; 4. A prisão de Lula em segunda instância para cumprimento de pena; 5. Considerações Finais; Referências.
RESUMO: O presente texto tem o condão de especificar e trazer as deficiências e mazelas do caso que parou o Judiciário do Brasil e levou pela primeira vez na história deste país um ex presidente a prisão através de atropelos de todo o tamanho e voraz ao que elenca a Constituição Federal em se tratando do princípio da presunção de inocência.
1. INTRÓITO
Antes de adentrarmos ao caso em tela específico, gostaria de informar ao leitor, que no presente trabalho não há espaço para defesa de ideologia político-partidária, pois não comungo com as idéias do partido do ex-presidente Lula, bem como tenho meu posicionamento quanto a sua condenação no crime de lavagem de dinheiro, mas não será levado a cabo neste artigo, tendo em vista não ser objeto a se trabalhar no mesmo e não pretendemos desfocar o tema em questão, motivo qual como jurista, tenho o dever de buscar enfocar ao presente caso o direito, a lei, e não questões pessoais, pois um trabalho científico deve ser elaborado imparcialmente.
O presente trabalho num primeiro momento tratará do princípio da presunção de inocência com fulcro na Constituição Federal de 1988, então vigente no nosso Estado (denominação internacionalmente e constitucionalmente usada), e conseqüentemente sobre o que é o transito em julgado de uma sentença penal condenatória, após discutirá sobre o cumprimento de pena em segunda instância, para sim, chegar ao objetivo específico deste trabalho, ou seja, a prisão de Lula para cumprimento de pena em segunda instância.
Através de pesquisas bibliográficas, e de material publicado pela imprensa, bem como de pronunciamentos, chegaremos ao nosso posicionamento e parecer final, sem que a matéria possa se esgotar.
2. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O que é inocente? É aquele que nada fez em se tratando de alguma prática delituosa, conforme se observa no cotidiano do homem médio; que não está vinculado a determinado crime.
Para o dicionário Dicio, inocente é ”característica, estado do que é inocente; falta de culpa. Atributo da pessoa que não consegue cometer ato ilícito; condição de quem não é culpado (crime).”[1]
Destarte, inocente é aquela pessoa que a título de culpa em sentido lato (dolo ou culpa em sentido estrito), não praticou, seja em autoria, co-autoria, ou participação, nenhum fato típico, antijurídico e culpável (possibilidade para aplicação de pena), e assim, a ele não se pode culminar nenhuma aplicação ou execução de sanção penal condenatória, até que se prove o contrário e não possa o caso ser discutido em mais nenhuma esfera jurídica.
Como corolário do direito a liberdade, que foi uma das principais bandeiras levantadas em desfavor do Ancien Regime, contra os abusos e atrocidades cometidas aos direitos humanos neste período absolutista, é a presunção de inocência um direito humano fundamental de primeira dimensão, que veio a ser positivado primeiramente, após a Revolução Francesa em 1786, no ano de 1789 na Declaração de Direitos do Homem e Cidadão, cujo seu art. 9º, assim a elencava, in verbis
Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.[2]
Posteriormente, em se tratando de seara internacional, pois o direito humano é algo que vai além de nossas terras, tem aplicabilidade ampla, diferente dos direitos fundamentais previstos na nossa Constituição, que tem aplicabilidade apenas interna, dentro do nosso Estado, veio o princípio da presunção de inocência consagrado direito humano, a ser recepcionado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, esta proclamada em Paris no Palais de Chaillot, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em seu art.11 item 1 senão vejamos
Artigo 11 - 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.[3]
Este instituto constitucional, também foi recepcionado pelo Pacto de San José da Costa Rica em 1969, através da Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art. 8º, item 2 em sua primeira parte, que assim se encontra explícito “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”[4]
Faz curial saber que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em seu art. 14.2, assim expressa a presunção de inocência, “Qualquer pessoa acusada de uma infração penal é de direito presumidamente inocente até que sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida”.
Assim, fica demonstrado que o princípio em tela abordado se faz presente nos diplomas jurídico-político mais importante na esfera mundial, bem como atualmente, também vem sendo adotado pela maioria dos Estados.
No nosso Estado, a Constituição Federal promulgada em 1988 veio a recepcionar este Human rights como direito e garantia fundamental em seu art. 5º, inc. LVII, mas o recepcionou acrescido da necessidade de se ter o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme assim se encontra estampado “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O princípio da presunção de inocência como visto acima, além de ser um direito humano e fundamental, é uma garantia, que impede ao Estado de adentrar na esfera individual de cada cidadão, para limitar e segregar o seu direito de liberdade, até que a sentença penal que o condena venha a transitar em julgado, ou seja, que não caiba nenhum recurso ou tenha esgotado todas as esferas jurídicas em apreciação de recurso legalmente cabível ao caso, daí sim, passa o cidadão acusado de algum delito, a ser culpado e neste diapasão, a ter que adentrar ao sistema prisional para cumprir pena.
Nesta senda José Nabuco Filho conceitua a presunção de inocência
Que alguém somente seja considerado culpado pela prática de uma infração penal após um processo onde tenha ocorrido um debate dialético. Donde a acusação demonstra a culpa do acusado e a defesa demonstra a fragilidades dos argumentos da acusação.[5]
Apenas na hipótese supra, conforme elenca a Constituição Federal Tupiniquim, é permitido o cidadão ser preso para cumprimento de pena, ou seja, após transitar em julgado a sentença penal que o condena, pois prisão cautelar, que são aquelas previstas no art. 312 do CPP é distinta de pena e não pode ser com ela confundida.[6]
Aury Lopes Júnior define a presunção de inocência como
É um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável,pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.[7]
O Código de Processo Penal, também destaca o princípio da presunção de inocência em seu art. 283, que assim se encontra explícito in verbis
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.[8]
Já a Lei de Execuções Penais, não menciona o princípio em estudo, mas trata do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, para o início do cumprimento de pena, senão vejamos
Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.[9]
Conforme os argumentos acima só poderão ensejar casos de prisão, aqueles previstos em lei como flagrante delito, prisões preventivas, prisões temporárias, prisões domiciliares, ou seja, as consideradas prisões cautelares, isto antes da sentença penal, conforme estejam presentes os requisitos que tratam os arts. 301, 311, 312, 317 todos do CPP.
Em suma, um cidadão só poderá cumprir uma pena e ser considerado culpado, conforme retrata a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. LVII, e demais sistemas normativos infraconstitucionais, somente após a decisão penal que o condena por algum crime, produzir o fenômeno da coisa julgada, antes disso, é ele presumidamente inocente.
3. CUMPRIMENTO DE PENA EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Com o julgamento do HC 126.292, que atacava decisão do TJSP, por maioria dos votos (7x4) o plenário entendeu que a prisão para cumprimento de pena pode ser aplicada na segunda instância, após exaurir-se os recursos nesta esfera do Judiciário, destoando daquilo que vinha decidindo a Corte, e que no ano de 2008, no HC 84.078 tinha decidido que era condicionado o cumprimento da pena, ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo ressalvada a possibilidade de prisão preventiva.
Elencou o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus supracitado, que a possibilidade do inicio da execução penal em segunda instância, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Assim, foi negado o writ supracitado, que teve como paciente Márcio Rodrigues Dantas.[10]
Segundo o falecido Ministro do STF que foi relator do HC 126.292, Teori Zavascki “a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena”.[11]
Após pouco mais de dois anos, a Colenda Corte Suprema brasileira, voltou a apreciar um Habeas Corpus, em se tratando do mesmo tema jurídico, mas neste caso, era o HC 152.752 que tinha como paciente o ex presidente da República Federativa do Brasil, Luis Inácio “Lula” da Silva, cujo objetivo era evitar a prisão do mesmo, para iniciar o cumprimento de pena, após o TRF-4ª Região ter confirmado sentença penal condenatória contra o ex-presidente.
Veio então, a Corte Suprema por maioria (6x5) a negar o Habeas Corpus e decidir que a prisão para cumprimento de pena, para iniciar sua execução, pode ser aplicada após esgotar os recursos perante o duplo grau, mantendo o que foi decidido no HC 126.292.
Ex positis, conforme celeuma doutrinário criado, existem juristas que opinaram favorável a tal decisão, bem como aqueles que são contrário a tal possibilidade, pois a mesma afronta em demasia não só dispositivos legais, mas principalmente o art. 5º, inc. LVII da CF/88, que é uma clausula pétrea prevista no art. 60, §4º, IV também da CF/88.
Vislumbra-se que, não existe dispositivo legal que permita o início do cumprimento de pena após esgotados os recursos em segundo grau de jurisdição, mas apenas uma interpretação jurisprudencial do STF, ou seja, um ato judicial, que imparcialmente mirando, fere demasiadamente a Constituição Federal em seu art. 5º, LVII e art. 1º, III, a qual foi atribuído um super poder punitivo ao Estado, antes mesmo de o acusado ser considerado culpado e ter o trânsito em julgado da sentença que o condenou.
4. A PRISÃO DE LULA EM SEGUNDA INSTÂNCIA PARA CUMPRIMENTO DE PENA
Conforme os argumentos no tópico anterior, a prisão do ex presidente Lula, só veio a ser decretado para o início de sua execução penal, da sanção que lhe foi imposta pelo juiz Sérgio Moro em primeiro grau e majorada pelo TRF-4ª Região em segundo grau, após o julgamento do HC 152.752, a qual por (6x5) foi ratificada a jurisprudência daquela Corte Suprema já adotada em 2016 pelo então saudoso Ministro Teori Zavascki.
Neste julgamento chamou atenção a mudança de posicionamento do Ministro Gilmar Mendes que passou a levantar a tese que tal decisão violaria a presunção de inocência e a coisa julgada, bem como, a Ministra Rosa Weber, trouxe a tona em seu voto, que entendia ser violadora tal decisão de permitir o início do cumprimento de pena após esgotamento de recursos no segundo grau, mas pelo princípio da colegialidade, votava a favor de tal decisão contrária a sua convicção, ou seja, ousamos em dizer que ocorreu uma frouxura, saída pela tangente por parte da Ministra, que temeu por algum motivo, em votar conforme suas convicções e entendimento do direito, e com isso, culminou num disparo letal a Constituição da República Federativa do Brasil, em mais precisamente no seu art. 5º, inc. LVII.
Isto posto, entendemos o clamor público pedindo por justiça, no caso de prender o ex-presidente Lula pela prática de delitos de colarinho branco previsto na Lei nº 9.613/97, Lei nº 12.683/12, bem como no art. 317 do Código Penal, mas que isto não sirva de instigação para fazer justiça de qualquer jeito, a todo custo, como o fez a Justiça Federal de Curitiba através do Juiz Sergio Moro, bem como o TRF-4ª Região, e conseqüentemente o STF, pois preceitos basilares da Constituição Tupiniquim foi rasgado, direitos e garantias fundamentais elencadas no texto magno foi violado, direitos fundamentais de status negativo que é a liberdade na visão de Jellinek citado por Robert Alexy[12], a qual se impõe limites ao poder punitivo do Estado, foi trucidado, ou seja, regrediu-se ao absolutismo monárquico, deram um tiro fatal na Constituição Federal do Brasil para o ex-presidente ser preso e iniciar sua pena antes do esgotamento de todas as instâncias recursais, a qual se encerraria no próprio Supremo Tribunal Federal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após tecermos os comentários acima, em se tratando do recente julgado do HC 152.752 que culminou na prisão do ex presidente Lula para iniciar a execução penal da sanção que sofreu, vislumbro tal ato do Supremo Tribunal Federal como ilegal, pois não há lei que o regulamente, bem como, inconstitucional, porque fere demasiadamente o princípio da presunção de inocência estampado no art. 5º, inc. LVII da CF/88, que é um direito humano e fundamental, bem como uma garantia individual limitadora de qualquer exacerbação do jus puniendi estatal, mas que, por maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal tais direitos foram rasgados, jogados ao léu, desrespeitados, e assim, retroagiram para a Idade Média e deram um tiro na Constituição do Brasil.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 258
BRASIL. Código de Processo Penal. http://www.planalto.gov.br acesso em 01.05.2018
______. Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) http://www.planalto.gov.br. Acesso em 01.05.2018
LOPES Jr., Aury. Prisões cautelares. 4.ed., São Paulo: Saraiva, 2013
NABUCO FILHO, José. Importância da presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica. São Paulo, vol. 1, n. 54, Out. 2010, p. 94-95
https://www.dicio.com.br/inocencia/ acesso em 01.05.2018
http://www.direitoshumanos.usp.br acesso em 01.05.2018
https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm acesso em 01.05.2018
https://www.cidh.oas.org acesso em 01.05.2018
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570 acesso em 01.05.2018
https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/305977377/pena-pode-ser-cumprida-apos-decisao-de-segunda-instancia-decide-stf acesso em 01.05.2018
Notas
[1] https://www.dicio.com.br/inocencia/ acesso em 01.05.2018
[2] http://www.direitoshumanos.usp.br acesso em 01.05.2018
[3] https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm acesso em 01.05.2018
[4] https://www.cidh.oas.org acesso em 01.05.2018
[5] NABUCO FILHO, José. Importância da presunção de inocência. Revista Jurídica Visão Jurídica. São Paulo, vol. 1, n. 54, Out. 2010, p. 94-95
[6] Segundo informou o Ex-Ministro Carlos Ayres Brito em entrevista a Globo News ao repórter Roberto D’avila exibido em 21.04.2018 “pena é pena, prisão é prisão, são coisas diferentes, a prisão pode ocorrer antes da investigação criminal, durante a investigação, no processo, durante a sentença, mas cumprimento de pena, somente após o exaurimento das instâncias passíveis de recursos.
[7] LOPES Jr., Aury. Prisões cautelares. 4.ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23
[8] BRASIL. Código de Processo Penal. http://www.planalto.gov.br acesso em 01.05.2018
[9] BRASIL. Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) http://www.planalto.gov.br. Acesso em 01.05.2018
[10] Julgamento em 17.02.2016, sendo o acórdão publicado no DJE em 17.05.2016. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570 acesso em 01.05.2018
[11] https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/305977377/pena-pode-ser-cumprida-apos-decisao-de-segunda-instancia-decide-stf acesso em 01.05.2018
[12] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 258