Acordo de leniência na Lei Anticorrupção

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A Lei Anticorrupção instituiu graves sanções às pessoas jurídicas que infringirem seus mandamentos, mas também proporcionou às empresas a oportunidade de terem as punições amenizadas, através do instituto do acordo de leniência.

INTRODUÇÃO

Celebrado entre a União e pessoas físicas ou jurídicas que tenham cometido infração em detrimento do poder publico ou do poder econômico, o acordo de leniência garante àquele que colaborar com as investigações uma contrapartida consistente em benefícios processuais e pecuniários, sendo um importante mecanismo de combate às organizações criminosas.

Tendo como modelo a norma norte americana chamada de Leniency Program, de 1978,  que tratou da repressão a atos ilícitos anticoncorrenciais, e o Amnesty Program, de 1993, o acordo de leniência foi introduzido na legislação brasileira através da Lei 10.149/2000, que alterou a Lei 8.884/94, conhecida como Lei do CADE, tratando inicialmente apenas as questões antitruste e que hoje está em vigor regulada pela Lei nº 12.529/2011, nova Lei do CADE, especificamente em seu artigo 86.

A nova Lei do CADE se aplica exclusivamente no âmbito dos crimes contra a ordem econômica, porém foi a inspiração para a regulamentação do instituto do Acordo de Leniência na Lei nº 12.846/2013, Lei anticorrupção, que apresenta algumas peculiaridades que a distingue da legislação anterior e que serão agora analisadas de forma superficial.


O ACORDO NA LEI ANTICORRUPÇÃO

O acordo de leniência na Lei Anticorrupção tem como foco atingir e destruir os esquemas de desvirtuamento moral e legal que assolam o país. Com algumas inovações em relação à lei antitruste que trata de relações exclusivamente privadas e tem por escopo a desarticulação das atividades anticoncorrenciais e a restauração da credibilidade moral do mercado, o acordo de leniência da Lei Anticorrupção tem claramente sua ideia emprestada daquela se distinguindo no contexto de sua aplicação.

A lei anticorrupção, portanto, tem sua aplicação direcionada para os atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, estendendo-se também aos ilícitos administrativos previstos pela lei 8666/93.

Por tipificar condutas que envolvam pessoas jurídicas e agentes públicos, a lei anticorrupção não admite a elaboração de acordo com pessoas físicas, sob pena de invalidade e não produção dos efeitos legais autorizados na norma em comento.

Guilherme de Souza Nucci [1]:

Semelhança com a delação premiada, (...) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar os comparsas. É o dedurismo oficializado que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento continuo do crime organizado. É um mal necessário. Pois trata-se de uma forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao estado resultados positivos no combate a criminalidade.

Inclusive, uma das críticas ao instituto é por suas implicações ético-morais já que incentiva a traição, independentemente do pano de fundo. Porém, tal critica não sai do campo moral, sendo irrelevante no cenário fático atual.

Inicialmente, para que um pacto de leniência tenha efetivo valor probatório, é indispensável a admissão do pactuante quanto a sua participação no ilícito, caso contrário, terá peso equiparado ao de uma testemunha, sem produzir os efeitos benéficos previstos.

Já como pressuposto objetivo, exige a LAC que a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito sem, contanto, fazer qualquer previsão específica quanto a esse momento e sua limitação temporal.

Não seria razoável considerar a inexistência de restrições temporais para a celebração de um acordo de leniência já que incentivaria o acusado a tentar se escusar das responsabilidades até o último minuto, desgastando demais o órgão acusador e desvirtuando a finalidade da lei. Dessa forma, há corrente doutrinária que considera como limítrofe o encerramento da fase instrutória do procedimento administrativo, vez que, nessa situação, todos os esforços já haverão sido despendidos.

Complementando as variáveis do primeiro requisito, a pessoa juridica deverá assumir os custos de sua colaboração, se fazendo presente sempre que solicitada até o encerramento do processo.

O segundo requisito objetivo determina que a pessoa jurídica deve cessar completamente seu envolvimento na infração investigada, a partir da data da propositura do acordo. Caso fique comprovado que não foi cessada a participação, será considerado descumprido o acordo e a pactuante sofrerá as consequências.

Terceiro e último requisito é a cooperação plena e permanente com as investigações e o processo administrativo. As informações e provas trazidas não precisam necessariamente ser inéditas para atingir o objetivo esperado, bastando, conforme Salomi, que as informações apresentadas sejam aptas a abrir novas possibilidades de investigação.

Dessa forma a cooperação deve ser continua e regular, de modo que o acordo merecerá ser sustado caso os representantes da pessoa decidam não mais continuar apoiando ou se esconderem os demais envolvidos nas infrações, sendo essa identificação uma das formas de medir a efetividade do acordo para que produza seus efeitos benéficos. Destaca-se que a identificação não é requisito, porem a colaboração na identificação sim, e caso essa seja dolosamente omitida, estará quebrando a confiança necessária.

Quanto aos efeitos do acordo de leniência efetivo, a LAC destaca a isenção da pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II art 6, qual seja, a publicação extraordinária da decisão condenatória, e no inciso IV do art 19, que determina a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, empréstimos de órgãos públicos ou entidades e instituições financeiras publicas pelo prazo de 1 a 5 anos. Alem dessas, e a mais importante, a redução em até 2/3 do valor da multa aplicável.

Por outro lado, um efeito financeiro desfavorável ao pactuante será a obrigação da reparação do dano integral já que o acordo de leniência não influencia nessa obrigação. Excepcionalmente no caso de impossibilidade de reparação integral dos danos pelo ato de corrupção deverá a autoridade, ao menos, estabelecer condições para que o infrator amenize tais efeitos, ainda que de maneira parcial e diferida.

Outro efeito também não alcançado é a aplicação das sanções na esfera judicial que podem ser ainda mais graves que aquelas aplicáveis no âmbito administrativo.

Ponto destoante da legislação antitruste é que a LAC não previu a regra da “menor pena” na qual o delator teria o beneficio de não ser condenado a sanção superior aos demais coautores da infração, que garantiria que a multa base a ele aplicada fosse inferior ou no máximo igual as multas aplicadas aos demais.

Atenta à nova formatação das grandes empresas, a LAC em seu art 16, § 5º previu a possibilidade de extensão dos efeitos do acordo de leniência quando pessoa jurídica integrar um grupo econômico, de fato ou de direito, e essas outras empresas do grupo firmarem conjuntamente o termo. Trata-se portanto de uma exceção à regra que prevê que apenas a primeira pessoa jurídica poderá beneficiar-se.

No caso de indeferimento da proposta de delação, deverá a autoridade devolver todos os documentos apresentados, sendo vedado o uso de copias ou de informações obtidas nesse interim para fins de responsabilização futura. Nada impede no entanto que seja reiniciada a negociação, desde que os novos elementos ofertados sejam interessantes para a solução da questão.

Ressalte-se que a rejeição da proposta por parte da autoridade ou mesmo a desistência da tratante não importará em confissão de qualquer dos atos ilícitos a ele possivelmente imputado.

Uma vez acordado, o descumprimento dos termos levará ao cancelamento dos benefícios concedidos bem como no impedimento da celebração de novo acordo pelo prazo de 3 anos contados do conhecimento pela administração publica. Na hipótese de descumprimento pontual do acordo, constando a Administração que não houve efetivo prejuízo e nem a real intenção da parte de ludibriar a investigação, não deverão ser excluídos os benefícios, apenas reduzidos.    

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O art. 11 da Portaria Interministerial do CGU/AGU nº 2.278/16 determina:

No caso de descumprimento do acordo de leniência:

I - a pessoa jurídica perderá os benefícios pactuados e ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos, contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento;

II - haverá o vencimento antecipado das parcelas não pagas e serão executados:

a) o valor integral da multa, descontando-se as frações eventualmente já pagas; e

b) os valores pertinentes aos danos e ao enriquecimento ilícito;

III - será instaurado ou retomado o PAR referente aos atos e fatos incluídos no acordo, conforme o caso.

Assim, o descumprimento não se confunde com a rejeição da proposta, de modo que não serão afastados os efeitos da confissão e não haverá proteção dos documentos apresentados pelo delator.

Finalizando, uma breve pincelada sobre a questão da competência para a celebração, que gerou muitas críticas quando o caput do artigo 16 outorgou a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública a competência para celebrar o respectivo acordo.

A distribuição da competência entre diversos órgão e entidades, além da falta de especialização na condução do procedimento, representa uma maior proximidade entre os sujeitos responsáveis pela apuração de eventuais irregularidades e aqueles que estão sob investigação, principalmente nesse contexto de Lava Jato em que se vê a cúpula da administração pública envolvida nos maiores casos de corrupção, situação essa que inclusive deu impulso para a edição da lei em comento.

Carvalhosa [2], de forma sensata, analisa:

“Não se pode imaginar que o prefeito, governador, ministros, secretários de estado, presidentes de câmara e do senado, o presidente dos Tribunais, os diretores dos entes possam arrogar-se dessa competência de entabular e firmar pacto de leniência e muito menos a competência de instaurar e julgar os devidos processos penais-administrativos instituídos na presente lei.”

Ainda que desconsidere a questão da corrupção, a ausência de especialização do órgão pode gerar divergências de entendimentos e uma grande insegurança jurídica, não só na questão da elaboração do acordo, mas também na avaliação de sua efetividade e de seu descumprimento, total ou parcial.

O professor Carvalhosa propõe como solução desconsiderar parcialmente o caput do art. 16 e abranger a legitimidade da Controladoria Geral da União (CGU) para firmar os pactos de leniência também nos planos estadual e municipal, nos espaços legislativo e executivo.

A Portaria Interministerial do CGU/AGU nº 2.278/16 define, na esfera federal, os procedimentos para celebração do acordo de leniência, definindo que a proposta de acordo deverá ser dirigida à Secretaria Executiva do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União – CGU.

Finalizando, importante destacar que a LAC é uma regra geral, que poderá e deverá ser regulamentada de forma mais detalhada em cada nível de governo, principalmente no que concerne aos ritos procedimentais que norteiam a aplicação do instituto em comento.


REFERÊNCIAS:

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007

[2] CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

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Sobre o autor
Leonardo Henrique de Carvalho Ventura

Advogado. Especialista em Direito Ambiental e em Gestão Ambiental Municipal. Especialização em Direito Corporativo e Compliance. Extensão em Compliance na Lei Anticorrupção.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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