Vistos.
Discute-se nesta ação se a base de cálculo do ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, quando incidente sobre bem adquirido em hasta pública, deve corresponder ao do preço da arrematação, ou se o Fisco pode discordar desse valor, atribuindo ao imóvel um valor superior, se o preço de mercado é superior ao do arrematado.
Com efeito, o autor, (...), qualificado a folha 1, adquiriu, em hasta pública, o imóvel localizado na rua (...), nesta Capital, e sustenta, pois, que a base de cálculo do ITBI, incidente sobre a aquisição desse imóvel, deve corresponder ao valor da arrematação, objetivando, pois, seja a ré, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, condenada a restituir-lhe o que recebeu a maior.
Citada, a ré contestou para, invocando a aplicação do artigo 38 do Código Tributário nacional, afirmar deva prevalecer o valor real de mercado do imóvel adquirido, à base de cálculo do ITBI.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Improcedente é o pedido – mas com ressalva.
Embora se reconheça como válida a argumentação do autor de que o valor do ITBI deve a princípio corresponder ao da arrematação, não se retira do Fisco o poder de impugnar esse valor, se entende que é outro, de maior montante, o real valor do imóvel judicialmente arrematado. Nesse caso, instala-se um conflito entre contribuinte e Fisco, para o desimplicar do qual poderá ser necessária a produção de provas, inclusive a pericial, que a Lei que prevê a incidência do ITBI no âmbito do Município de São Paulo autoriza seja produzida, se o contribuinte discorda da base de cálculo exigida pelo Fisco.
Base de cálculo, cabe observar, na esteira da argumentação desenvolvida pela MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, que é e pode ser diversa daquela fixada para o IPTU - Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, segundo dispuser a Lei, como ocorre no caso do município de São Paulo, que para o conceito de "valor venal", estabelece o valor real de mercado, aferido segundo avaliação técnica adequada. De resto, o artigo 148 do Código Tributário nacional concede ao Fisco o poder de impugnar o valor adotado pelo contribuinte, quando encontra razões suficientes a permitir fazê-lo.
A propósito, perscrutando com sua habitual profundidade a base de cálculo do ITBI, pontifica o brilhante tributarista ALFREDO AUGUSTO BECKER as possibilidades de que dispõe o Fisco para validamente fixar a base de cálculo desse tipo de imposto, de modo que reste configurado o gênero tributo, que assim poderá abarcar em sua base de cálculo o valor do direito transmitido, permitindo-se o arbitramento do valor do direito transmitido (cf. Teoria Geral do Direito Tributário, p. 397, Saraiva, 1963). E nesse compasso, segundo o Código Tributário Nacional em seu artigo 38, a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal dos bens ou direitos transmitidos, segundo arbitramento que a Lei pode conferir ao contribuinte, embora remanescendo em mãos do Fisco o direito de arbitrar outro valor, se aquele declarado pelo contribuinte se mostrar inferior ao valor real de mercado, pois que isso o artigo 148 do CTN autoriza.
Mas, a Lei pode ainda assegurar ao Fisco o direito de arbitrar desde logo o valor venal do bem, segundo critérios radicados na localização e outras circunstâncias, a partir das quais lhe seja possível, com razoável precisão, quantificar o valor real de mercado, que pode, outrossim, ser coincidente com o valor venal adotado para o IPTU, e normalmente assim se dá, por coerência, mas que poderá, sem óbice, ser-lhe superior.
Com efeito, sobre serem diversas as bases de cálculo do ITBI e do IPTU (a base de cálculo do IPTU, com efeito, é o estado de fato jurídico, ou seja, a propriedade), não há impedimento legal a que o Fisco considere o real valor de mercado para a tributação pelo ITBI, segundo critérios de arbitramento de que dispuser, adotando eventualmente para o IPTU um valor menor. Evidentemente que mais coerente seria a identidade de valores, pois que para ambos se pode considerar o valor venal; mas a incoerência nesse caso não está censurada pela Lei, de modo que não há impedimento legal a que o Fisco considere para a base de cálculo do ITBI o valor que arbitra segundo critérios que entender adequados, chegando eventualmente a um valor superior ao adotado para o IPTU.
Conclui-se, portanto, que o autor não possui o direito subjetivo que invoca, visto que não pode exigir prevaleça sem mais, na base de cálculo do ITBI, o valor da arrematação judicial, pois que a Lei confere ao Fisco o direito de impugnar esse valor, se entende que o valor arrematado é inferior àquele que corresponde ao real valor de mercado.
A produção de avaliação técnica, em regular processo, administrativo ou judicial, é que definirá qual o real valor de mercado para efeito de tributação, se assim o autor se dispuser a levar a cabo, ao discordar da base de cálculo que lhe impôs o Fisco. Mas será necessário produzir-se uma prova pericial cuja modalidade não é a do exame técnico, de modo que a controvérsia, ser for instalada pelo autor em uma nova ação, deverá observar a competência. Essa é a ressalva, explicitando-se por ela que não se formará a coisa julgada material acerca dessa questão (a dizer, sobre se o preço real de mercado é aquele que o Fisco está a apontar), mas apenas quanto a poder o Fisco do Município de São Paulo exigir o pagamento do ITBI em uma base de cálculo que não corresponde ao do preço da arrematação, tratando-se aí de uma matéria exclusivamente jurídica.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 13 de junho de 2018.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO