A ineficácia do estatuto do desarmamento como fundamento para a liberação ao porte de arma

16/06/2018 às 01:10
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O presente artigo tem como escopo analisar os dados envolvendo o Estatuto do Desarmamento, buscando verificar se se mostrou (in)eficaz no período compreendido entre os anos de 2004 e 2016.

A INEFICÁCIA DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO COMO FUNDAMENTO PARA A LIBERAÇÃO AO PORTE DE ARMA

THE INEFFICACY OF THE STATUTE OF DISARMAMENT AS A BASE TO THE RIGHT TO BEAR A FIREARM

SCOFIELD, Bruno Lauar[1]

“As leis que proíbem o porte de armas desarmam apenas aqueles que não estão inclinados ou determinados a cometer crimes.” Thomas Jefferson[2].

Resumo

O presente artigo tem como escopo analisar os dados envolvendo o Estatuto do Desarmamento, buscando verificar se se mostrou (in)eficaz no período compreendido entre os anos de 2004 e 2016. Desse modo, partindo-se de uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo, inicialmente estudou-se as liberdades individuais e o instituto da segurança pública, na sequência, verificou-se a legislação em vigor sobre o Estatuto do Desarmamento, colacionando 34 anos de dados coletados por diversos institutos e, por fim, apresentou-se o projeto que objetiva sua total revogação (Projeto de Lei n. 3.722/2012). Conclui-se que a luz do seu caráter restritivo e da impossibilidade e incapacidade do Estado de atender todas as demandas no tocante ao poder de polícia preventivo, apresentando como alternativa à sua flexibilização, a total revogação do Estatuto do Desarmamento, especialmente no tocante à liberação do porte de arma de fogo, seria medida adequada, notadamente pela ineficácia de seu objetivo[3].

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto do Desarmamento. Porte de Arma de Fogo. Revogação. Projeto de Lei n. 3.722/2012. Liberdade Individual.

Abstract

The purpose of this article is to analyze the data concerning the Disarmament Statute, seeking verify if it proved to be (in) effective in the period between 2004 and 2016. Thus, starting from a bibliographic research, using the deductive method, the individual freedoms and the public security institute were initially studied, followed by a review of the existing legislation on the Disarmament Statute. Also, collating 34 years of data collected by various institutes and, finally, presented the project that aims at its total repeal (Law Project No. 3.722/2012). It is concluded that in light of its restrictive character and the impossibility and incapacity of the State to meet all the demands regarding preventive police power, presenting as an alternative to its relaxation, the total repeal of the Disarmament Statute, especially with regard to right to bear firearms, would be and by the ineffectiveness of its objective.

KEYWORDS: Disarmament Statute. Firearms. Revocation. Draft Law n. 3.722/2012. Individual Freedom

Introdução

            Relaciona-se a um esforço que objetiva revogar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) de modo a flexibilizar a posse e o porte de armas de fogo diante da impossibilidade do Estado de prover a segurança pública de todos a todo o momento e frente a necessidade de autopreservação inerente a todo ser humano, quando observados os números relacionados as mortes violentas provocadas por arma de fogo.

O Estatuto do Desarmamento surgiu diante necessidade do Estado de se buscar a redução da criminalidade, por meio da total restrição ao acesso às armas de fogo, aparentemente não levando em consideração outros aspectos sociais envolvidos no fenômeno criminal como falta de educação, saúde, trabalho, o livre acesso a sustâncias psicoativas e o crescente interesse das camadas mais pobres a bens de consumo e serviços impostos por sociedade capitalista ao qual se encontra distante da realidade de muitos criminosos.

Para tanto, a fim de verificar a efetividade do Estatuto do Desarmamento, restou necessário a análise de dados em diversas fontes de pesquisa bibliográfica para o cruzamento de informações, que corroborou com exposto por diversos autores que defendem a revogação do atual dispositivo de registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição.

O presente artigo abordará aspectos relacionados à liberdade individual dos cidadãos relacionando com a segurança pública, quando, na sequência, analisar-se-á a Lei n. 10.826/2003 para ao final vislumbrar se houve o cumprimento do objetivo ao qual se justificou para a criação da referida lei, detectando-se que, diante a ineficácia da finalidade da lei em relação à proteção da vida e do patrimônio dos indivíduos - fato que foi corroborado através da análise de dados sobre segurança pública - restou claro que a revogação da descrita lei e a liberação à utilização do porte de armas de fogo pela população seria a medida mais assertiva a fim de resguardar seu objetivo.

1 Liberdade Individual X Segurança Pública

Para compreender a dinâmica envolvida tanto na elaboração e aprovação da Lei n. 10.826 de 22 de dezembro de 2003, quando na Proposta de Lei n. 3.722 de 2012, e necessário uma abordagem conceitual relativamente às liberdades individuais e a segurança pública, conectando-as.

Para a Constituição Brasileira de 1988, todos são iguais (ou deveriam ser) perante a lei sem qualquer tipo de distinção, garantindo a estes dentre outras à liberdade, seja de consciência e crença, de associação, de privação ou restrição, de locomoção e principalmente as fundamentais, a saber, as de 1ª geração ligadas justamente aos valores de liberdade como os direitos civis e políticos.

Aristóteles (1987) compreendia a liberdade como a capacidade do homem em optar entre as diversas alternativas que a vida lhe oferece, isto é, o homem para ser livre precisa ser hábil a escolher entre as opções que lhe são oferecidas. Inclusive, esta eleição deve ser feita de maneira voluntária e racional.

Reputando com a conceituação de Aristóteles, Thomas Hobbes (1983) acreditava que a predileção entre as imensuráveis possibilidades não é incondicionada, tendo de ser observada a viabilidade de realizá-la e que conforme o significado da própria palavra, a sobrecarga de obstáculos externos, que por muitas vezes retiram parte da capacidade que cada pessoa tem de fazer o que quer, não podem tolher que se use o poder que lhe resta, conforme o que seu julgo e razão lhe ditarem.

Assim, conforme conta Martinelli (2016) sobre determinadas condutas ocorridas na primeira metade do século XX, enquanto o filósofo Hart[4] apresentava juízos liberais conforme as quais entendia que o Estado não poderia interferir na vida privada das pessoas se não houvesse qualquer atentado aos interesses públicos, o juiz Devlin[5], que era considerado moralista, defendia a tutela da moral como interesse para a estabilidade social.

E deste entusiasmado debate entre o juiz e o filósofo, Martinelli extrai que a liberdade deve ser sempre a regra em qualquer ordenamento jurídico, podendo ser suprimida ou balizada somente em situações excepcionais em que determinadas medidas se façam necessárias e que diante disso o Estado deve estimular por todos os meios para que a liberdade individual seja desfrutada por todos os cidadãos, da melhor forma, sem intervenções desnecessárias.

Em outras palavras, a liberdade é o preceito primário, ao qual todo indivíduo deva alcançar, porém, com observância aos limites subjacentes quanto a outro indivíduo dotado da mesma liberdade. Importando a observância destes conflitos a fim de se estabelecer uma vinculação entre as liberdades dos indivíduos.

Posto isto, podemos consubstanciar que a liberdade individual é a liberdade própria do indivíduo de proceder conforme lhe convier sem injuriar o direito de outrem ou da coletividade, mas com ausência total dos impedimentos externos diante as opções que lhe pareçam viáveis.

E formidável é que para o sistema das liberdades fundamentais constitucionais, o direito geral de liberdade não se esvazia, mas exatamente ao contrário, ele corrobora com outros conjuntos dos direitos de liberdade em espécie, que representam direitos fundamentais livres cada qual na sua respectiva esfera de proteção. (SARLET, 2017).

Acerca da segurança, o termo é utilizado em três especiais momentos da nossa Constituição, sendo o primeiro no Preâmbulo, o segundo ao tratar dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos é o terceiro quando dispõe sobre os Direitos Sociais como se vê respectivamente.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (GRIFO MEU)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (GRIFO MEU)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (GRIFO MEU)

Com relação a segurança pública, a própria Constituição trouxe em se bojo conforme observância do artigo 144 como sendo esta um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através das polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis e militares e corpos de bombeiros militares.

Posteriormente, em seus parágrafos, o artigo define o âmbito de atuação de cada um dos órgãos citados que o conduz a uma conclusão de que segurança pública, é o conjunto de ações e recursos utilizados no intuito de prevenir, reprimir e apurar ilícitos penais e de forma ostensiva, preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, que nos leva a um estado de normalidade que consente no usufruto de direitos e o cumprimento de deveres, instituindo sua alteração ilegítima uma violação de direitos básicos, que habitualmente vem seguida de violência, produzindo eventos de insegurança e criminalidade.[6]

Trata-se, portanto da prestação do dever da ordem pública e da incolumidade dos seus governados e do patrimônio destes pelo Estado, no processo de limitação de direitos individuas em prol do interesse público no exercício do poder de polícia. (FERNANDES, 2011)

Como a convivência harmônica vem reclamar a preservação (e manutenção) dos direitos e garantias fundamentais (individuais), é imperioso existir uma atividade de constante de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. (BULOS, 2014)

Com análise do referido artigo 144 da Constituição, então é possível sintetizar que seu rol é taxativo quando ao dever de preservação da ordem púbica, porém, não afasta o direito e responsabilidade de todos os cidadãos para a com a mesma, que guarnece amparo no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 que instituiu o Código de Processo Penal quando este aduz em art. 301 que qualquer do povo poderá prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Imperativo perceber que o art. 301 do CPP, trata não só da liberdade de escolha do indivíduo em tomar-se de ação contra outro cidadão dotado da mesma liberdade para agir em desconformidade com a lei, mas também quando este por iniciativa própria age com total liberdade para garantir a segurança - que deveria ser dever do Estado - sua e daqueles que o norteiam.

O britânico A. V. Dicey (1982) em 1915 já dizia que para que houvesse um avanço da justiça pública, todo cidadão com uma justificativa plausível, estaria sempre obrigado a usar de força para colocar fim a uma situação em que a paz foi quebrada, se utilizando da força necessária para isto.

Assim conduz-se ao entendimento de que pessoas que defendem a si mesmas beneficiam indiretamente outros cidadãos, isto é, as pessoas que promovem sua autodefesa em suas residências, por exemplo, fazem com que oportunistas evitem aquela área, por não saber quem pode estar armado, fazendo o chamado “efeito de terceiros” ou “benefícios externos”. (LOTT, 2010)

Um estudo nacional americano em 2002 indicou que em cerca de 95% dos casos em que pessoas usaram armas defensivamente, tiveram simplesmente que empunha-las para interromper ou evitar um ataque. (LOTT, 2010)

Ronald Bell[7] ao argumentar sobre a emenda que pretendia alterar o projeto de Lei da Preservação ao Crime no Reino Unido, já dizia que a sociedade (Estado) deveria se empenhar na defesa de seus membros, porém, não obstante, a sociedade não poderia estar em todos os lugares e a tempo, ocasião em que o cidadão deve defender-se e aos que o acompanham. (MALCOLM, 2016)

Deste modo, resta fulgente que o Estado por não possuir meios e métodos de resguardar a segurança dos cidadãos em todo lugar e a todo o momento, falha em suas atividades sociais relativo ao poder de polícia preventiva, pertencendo ao indivíduo dotado de liberdade constitucional a prerrogativa de exercê-la, em prol da sua própria segurança.

E sendo o Estado o conjunto das instituições que controlam e administram uma nação, atrelado aos princípios constitucionais de segurança e liberdade elencados no preâmbulo e no art. 5º caput de sua Carta Magna, possui a comprometimento de fazê-lo e na impossibilidade, não impedir o exercício destes direitos ao cidadão que de tal modo ansiar por exercê-lo.

2 Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003: O Debate

A Lei n. 10.826/03 começou a ser moldada após a apresentação do Projeto de Lei do Senado n. 292 de 05/05/1999, de autoria do Senador Gerson Camata, e que com apenas 6 artigos objetivava proibir em todo o território nacional, o fabrico, o depósito, o porte, o uso e o transito de armas de fogo, exceto nas circunstâncias que o Estado-Maior das Forças Armadas permitisse, sob a justificativa de redução da violência a um grau controlado.

A onda de violência que vem se avolumando em nosso país, fartamente noticiada, tem como uma de suas principais causas a facilidade de obtenção e uso de armas de fogo. O Estado não pode se eximir de seu dever de manter a segurança pública, reduzindo este perigo a um grau controlável. Conforme o projeto que ora apresento, o uso de armas de fogo passa a ser objeto de estrito controle estatal, sendo permitida apenas em circunstancias excepcionais.[8]

Após 4 anos de debates, foi então em 24/07/2003 apresentado o Projeto de Lei n. 1555/2003, que após 5 (cinco) meses e alguns substitutivos, resultou na revogação da Lei 9.437/97 que instituía o Sistema Nacional de Armas - SINARM, e estabelecia condições para o registro e para o porte de arma de fogo, advindo assim o chamado Estatuto do Desarmamento - Lei n. 10.826 que entrou em vigência no dia 22 de dezembro de 2003, data de sua publicação.

A Lei do Desarmamento ampliava as competências do SINARM, impondo a este o cadastro de autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal; cadastro de armeiros, bem como a concessão de licença para exercer a atividade de produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições; a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de micro estriamento de projétil disparado; passando a exigir que fossem informados às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.

Quanto ao registro para posse de arma de fogo a lei se mostrou mais dura que sua antecessora, exigindo a comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais; a apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; além da comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, rol este que foi amparado posteriormente pelo Decreto n. 5.123/2004 que regulamentou a Lei 10.826/2003.

A concepção acerca da posse de arma de fogo é extraída do artigo 16 do já citado Decreto n. 5.123/2004 que autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.

O porte de arma de fogo que anteriormente era condicionado à autorização da autoridade competente, tornou-se proibido, com exceção dos casos previstos em legislação própria e para os casos que a própria lei se mostrou permissiva como as dos incisos do art. 6º do Estatuto do Desarmamento, trazendo regras rígidas quando sua obtenção e manutenção,

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O porte que antes carecia somente de uma autorização com eficácia temporal limitada, e era satisfeita com a comprovação de idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para seu manuseio, restou proibida ao cidadão que não se enquadrava no rol elencado pelo art. 6º, com exceção dos residentes em áreas rurais, que comprovassem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, que neste caso poderiam ter o porte de arma de fogo na categoria "caçador”, conforme previsto no parágrafo 5º do mesmo dispositivo – alterado posteriormente pela Lei n. 11.706/2008 para incluir a idade mínima de 25 (vinte e cinco) anos.

E mesmo àqueles relacionados no inciso do art. 6º, ainda assim dependiam de autorização expressa da Polícia Federal quando demonstrado sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física, atende-se às exigências previstas no art. 4º da Lei e apresentassem documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.

A lei tratou ainda de agravar os crimes cometidos e suas respectivas penas como exemplo a posse irregular e o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, assim como a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, ou mesmo a omissão de cautela que é quando o detentor da arma de fogo deixa de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere da mesma, além do disparo de arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime.

Neste aspecto Quintela (2015) evidencia que a lei causou diversos incômodos aos seus cidadãos. Tornou-se certo que aquele cidadão que possua uma arma por meio da posse ou porte, e não obtendo a revalidação do registro, passasse imediatamente a uma situação de total ilegalidade tipificada no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. Cabendo lembrar que até a transferência de arma de fogo deve seguir todos os trâmites como se compra de nova fosse.

Considerando que o Estatuto do Desarmamento dispõe ser de 30 dias o prazo para concessão ou recusa de autorização de compra de arma de fogo, então, - sabendo que este prazo não é cumprido - em caso de recusa de renovação do Certificado de Registro, o proprietário deveria dispor a outro sua arma por meio da transferência - caso não opte pelo via judicial -, e este novo proprietário, terá de reunir toda a documentação exigida e aguardar o prazo para concessão ou recusa. Analisando pela concessão, o cidadão que precisou vender sua arma pela recusa da renovação, ficaria - se cumprido os prazos - numa janela de incerteza e ilegalidade de no mínimo 60 dias, situação que piora em caso de recusa ao comprador.

De autor desconhecido a ideia de que “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”, se amolda neste contexto de debate da lei, uma vez que o problema não está nas armas e sim no ser humano, e restringir o seu acesso, não fará com que criminosos desistam do crime e busquem fontes de renda lícitas. Sobre o tema, o músico e ativista político Ted Nugent já dizia que “se armas matam, as minhas estão com defeito”.

2.1 O Referendo de 2005

O referendo é uma consulta popular, convocada posteriormente ao ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa e tem previsão legal no inciso II do artigo 14 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo regulamentado pela Lei 9.709 de 18 de novembro de 1998.

O Referendo de 2005 já era tema de debate no plenário do Senado e surgiu em documentos oficiais, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), quando da leitura do Parecer 549/2001, onde o Senador Roberto Requião em seu voto acerca de um substitutivo apresentado pelo então Relator Renan Calheiros, informava que a mídia havia noticiado que o relator manifestava intenção modifica-lo, ao menos na parte que previa o referendo popular.

A expressão Referendo passou a figurar em definitivo no texto da lei após a apresentação da Emenda n. 5 (Substitutivo) ao PLS 292/99 pelo relator Senador César Borges que restou aprovada após o Parecer n. 875/2003[9], onde sofreu posterior alteração quanto a sua posição na lei, passando a figurar no art. 35 e não mais no art. 28.

Sendo sua realização promulgada pelo Senado Federal no decreto legislativo n° 780/2005, tinha como escopo a votação da seguinte pergunta: O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?

Em 23 de outubro de 2005, um total de 95.375.824 milhões de pessoas – quase 80% dos aptos a votar – foram as urnas, e 63,94% destes eleitores votaram pela NÃO proibição do comércio de armas de fogo no Brasil.

Um estudo realizado com o apoio de organizações desarmamentista como o Viva Rio, concluíra que 25,6% das armas apreendidas entre 1951 e 2003 eram armas legalmente registradas que foram subtraídas de seus proprietários (Fernandes, 2005), ou seja, somente ¼ das armas usadas em delitos eram legalmente registradas, o que significa dizer que ¾ das armas utilizadas em crimes continuariam nas mãos de criminosos. Supondo que o SIM pela proibição do comércio de arma de fogo no Brasil tivesse logrado êxito e caso 100% das armas legais fossem tiradas de circulação, num universo de 1.000 armas, ainda teríamos 744 armas em ação e sem qualquer tipo de controle.

2.2 As Alterações

Desde a sua entrada em vigor em 22 de dezembro de 2003 até a presente data, o Estatuto do Desarmamento[10], sofreu 105 (cento e cinco) alterações em seu texto, sendo alterado deste total, 9 (nove) artigos, 4 (quatro) incisos, 22 (vinte e dois) parágrafos e 3 (três) anexos, o que nos leva a concluir de que mais de algum artigo e/ou inciso e/ou parágrafo e/ou anexo, sofreu uma ou mais alteração nestes quase 15 anos.

As maiores alterações ocorreram entre 2003 e 2008, sendo um total de 93, enquanto, somente 12 alterações ocorreram entre 2012 e 2014, conforme se pode extrair na tabela abaixo.

Tabela 2.2.1 – Alterações na lei 10.826/2003

Tipo

Ano

Aprovada(1)

Revogada(2)

Efetividade(3)

Medida Provisória

157

2003

1

1

0

Lei

10.867

2004

3

2

1

Lei

10.884

2004

5

2

3

Lei

11.118

2005

4

4

0

Lei

11.191

2005

3

3

0

Medida Provisória

379

2007

12

12

0

Medida Provisória

390

2007

12

5

7

Medida Provisória

394

2007

2

2

0

Lei

11.501

2007

1

0

1

Lei

13.500

2007

1

1

0

Medida Provisória

417

2008

14

14

0

Lei

11.706

2008

35

0

35

Lei

12.694

2012

7

0

7

Lei

12.993

2014

5

0

5

(1). Refere-se a quantidade de artigos e/ou incisos e/ou parágrafos e/ou anexos alterados/incluídos pela referida Lei ou Medida Provisória.

(2). Refere-se a quantidade de artigos e/ou incisos e/ou parágrafos e/ou anexos da Lei ou Medida Provisória que os instituiu, que foi revogado.

(3). Demonstra a efetividade da lei na até 05/06/18.

Desta é possível perceber que a lei que mais alterou, revogou ou incluiu dispositivos, foi a Lei 11.706 de 19 de junho de 2008 e que trouxe grandes mudanças, além da possibilidade da regularização das armas de fogo de calibre permito em posse do cidadão.

As alterações mais substanciais foram:

1. A alteração do §2º do art. 4º: A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. Anteriormente a lei falava em arma adquirida.

2. A inclusão do Inciso IV do art. 6º, que permitiu que os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço pudessem portar suas armas.

3. A inclusão do § 1º do art. 25 como segue: As armas de fogo encaminhadas ao Comando do Exército que receberem parecer favorável à doação, obedecidos o padrão e a dotação de cada Força Armada ou órgão de segurança pública [...]. Ou seja, passou a permitir que as armas apreendidas pudessem ser doadas aos órgãos de segurança.

4. A alteração do art. 32 que extinguiu a punibilidade de uma eventual posse irregular da arma de fogo em caso de entrega espontânea.

5. A alteração do art. 30, incluindo a possibilidade da dispensa do pagamento de taxas e das exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º, para os possuidores de armas de fogo de uso permitido que não possuísse registro desta ou este estivesse vencido.

Outra importante lei relacionada ao Estatuto do Desarmamento (ED) foi a Lei 11.922 de 13 de abril de 2009, que mesmo não alterando o referido estatuto, concedeu prorrogação de 1 (um) anos ao prazo estipulado no art. 30, então alterado pela lei n. 11.706/2008, quanto da regularização das armas de fogo de calibre permitido.

3 Dados de sua (In)eficácia

            No Brasil, existem muitas fontes de dados sobre mortalidade, que vão desde atestados de óbitos, livros de autópsias, inquéritos e outros, além dos anuários e relatórios que foram aqui utilizadas derivadas do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e dos Anuários Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ambas compiladas e fornecidas pelo Atlas da Violência – que é uma parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e o FBSP – e o Mapa da Violência – mantida pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

            O que se tem claro é que nenhuma das fontes é fidedigna no tocante à qualidade e/ou quantidade das informações prestadas, isso por que, muitos dados não são precisos, como por exemplo, as mortes sem assistência médica, que impede o apontamento correto das causas e/ou lesões que levaram a essa morte, além das deficiências no preenchimento adequado da certidão de óbito, etc. (Waiselfisz, 2016).

Mesmo com a supressão se algumas informações, as que os institutos acima citados expõem são extraordinariamente elevadas.

Para se ter uma ideia, ao analisar os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016 (p. 12 e 13) que mostra que em 2016 houveram 61.283 mortes violentas intencionais (MVI)[11], sendo que somente os crimes violentos letais intencionais (CVLI)[12], somaram 57.549 mortes, expondo um aumento de 3,54% se comparado a 2015 quando houve 55.492 mortes e um aumento de 33,37% se comparado com os dados do anuário de 2005 (p. 7) quando houve 43.083.

Já o Mapa da Violência de 2016 (p. 13) traz dados que vão desde 1980 até os preliminares de 2014 e incluem em sua contagem acidentes, suicídios, homicídios e causas indeterminadas no uso de armas de fogo (AF).

É relevante destacar, que com base nestes dados, em 34 anos pode-se observar uma absurdidade crescente nas mortes por AF, totalizando 415%, ou seja, enquanto em 1980 computaram-se 8.710 mortes, em 2014, preliminarmente computaram-se 44.861 mortes.

É possível pensar que estes altos números, poderiam ser minimizados quando realizada uma análise sob o aspecto destas mortes versus o crescimento populacional, ou seja, qual seria a proporção de mortes, perante o aumento populacional.

A tabela a seguir apresenta informações quanto a específicos anos sejam eles por sua relevância ou pelo acesso a informação – conforme nota explicativa – concernente à quantidade de habitantes em um determinado ano e a quantidade de mortes ocorridas por armas de aogo naquele ano.

Tabela 3.1 – Mortes com AF por 100 mil habitantes

Ano(1)

1992

2003

2004

2005

2006

2014

Habitantes(2)

149.236.984

176.871.437

181.581.024

184.184.264

186.770.562

202.758.031

Mortes por Ano(3)

21.086

39.325

37.113

36.060

37.360

44.861

Mortes por 100mil hab.(4)

14,1

22,2

20,4

19,5

20,0

22,1

(1). Critério para escolha dos anos: 1992 - primeiro ano em que foi apurada a estimativa de população pelo IBGE; 2003 - ano de vigência da Lei n. 10.826/03; 2004 - primeiro ano após de vigência da Lei n. 10.826/03; 2005/2006 – dois posteriores anos de menor taxa de mortes após a edição da Lei n. 10.826/03 e 2014 - último ano de dados no Mapa da Violência 2016.

(2). Estimativa populacional do IBGE publicada no D.O.U.

(3). Refere-se ao total de mortes por arma de fogo nos referidos anos. Mapa da Violência 2016 (p.13).

(4). Quantidade pessoas mortas com armas de fogopor 100mil habitantes

Com essa análise, é importante perceber que a quantidade de pessoas mortas por armas de fogo em 2003 e 2014 se manteve praticamente estável - exceto por uma pequena redução em 2004 e 2005 -, sendo esse um comportamento estranho e alheio à vontade da norma em vigor, tendo em vista que mais pessoas passaram a ter menos acesso a posse e praticamente nenhum acesso ao porte de arma de fogo.

A taxa que em 1992 já era demasiadamente alta evidenciando um sério problema de segurança pública elevou-se em 64% no ano de 2014.

Somente pela quantidade de cidadãos mortos por armas de fogo entre 1992 e 2014 seria inquestionável que houvera um aumento considerável (112,75%), mas esse aumento se mostra inesperado dada a edição da Lei 10.826/03, não somente pela quantidade vidas perdidas como também pela manutenção da quantidade de mortes.

Esperava-se que restringindo o porte e criando barreiras  para aquisição e posse de arma de fogo - que serão objeto de análise no capítulo seguinte -, os índices de criminalidade por este meio seriam reduzidos conforme se esperava quando se debateu o assunto a época de sua elaboração.

Ademais tal resultado precisaria ser muito inferior. Segundo o relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), de 2004 a 2014, a Campanha Nacional do Desarmamento tirou de circulação 649.250 armas.[13]

É conveniente frisar que não se pode atribuir estes elevados índices de mortes dolosas, somente ao acesso as armas, mas também às condições desfavoráveis dos direitos sociais atinentes a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a previdência social, a assistência aos desamparados, etc.

Porém, não se pode negar que os resultados apurados são inversamente proporcionais aos esperados, levando a exame que mesmos os fatores sociais desfavoráveis citados que existem hoje são melhores do que nos anos anteriores a vigência do Estatuto do Desarmamento.

Ainda, reconheceu-se pela primeira vez, por um amplo e profundo estudo sobre os homicídios realizado pela própria Organização das Nações Unidas – ONU, por meio do Global Study on Homicide (2011) reforçado pelo mesmo relatório realizado em 2014, que não se pode estabelecer relação direta em o acesso as armas de fogo de forma legal aos cidadãos e os índices de homicídios. (Rebelo, 2016)

Neste viés, percebe-se que o estatuto não modificou o perfil criminal brasileiro, de modo que não gerou resultados positivos relacionados aos crimes violentos cometidos com armas de fogo, tão quanto conseguiu relacionar a quantidade de armas em posse de cidadãos à quantidade de crime numa localidade, a saber, que de acordo com o Indicador de Desenvolvimento Sustentável realizado em 2010 pelo IBGE, o nordeste era o estado com menor número de armas legais, porém, apresentava a maior taxa de homicídios (29,6 por 100mil hab.), enquanto o sul possuía a maior quantidade de armas legais do país e apresentava a menor taxa de homicídios (21,4 por 100mil hab.). (Quintela, 2015).

Salienta-se que são escassos ou inexistentes os dados pertinentes a ações bem sucedidas de cidadãos que possuem armas legalmente que afugentaram seus agressores sem mesmo efetuar um disparo, ou mesmo efetuando sem atingir, visto que estes casos não são relatados as polícias e por consequência não aparecem nas estatísticas.

Porém, de acordo com um levantamento de registro de reações armas noticiadas na imprensa e realizado no Brasil, em 215 ataques criminosos (não confundir com pessoas atacadas) onde houve reação da vítima, apenas 15 pessoas morreram (6,97%[14]) e 25 ficaram feriadas, enquanto que 191 criminosos foram presos e outros 171 vieram a falecer, obtendo uma diferença de 91% em relação as vítimas. (Quintela, 2015, p. 87)

4 O Projeto de Lei n. 3.722/2012

O projeto de lei do Deputado Federal Rogério Peninha Mendonça visa disciplinar as normas sobre aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições, cominando penalidades e dando providências correlatas.[15]

Como justificativa da proposta, o Deputado se amparou na negativa da população diante o Referendo de 2005 e no fato de que não se pode comprovar que as restrições impostas ao acesso as armas de fogo pelos meios legais e/ou com a entrega das armas em função da campanha do desarmamento, promoveu uma real redução nos crimes praticados com armas de fogo.

Embora o projeto modifique profundamente a legislação atual, o controle ainda é previsto.

Pela proposta ora posta em discussão, permite-se o acesso do cidadão brasileiro aos mecanismos eficazes para sua autodefesa, conforme vontade por ele expressamente manifestada, e, ao mesmo tempo, se possibilita ao Estado controlar com eficácia, a fabricação, a comercialização e a circulação de tais artefatos, podendo identificar e punir com rapidez qualquer eventual utilização irregular que deles se faça.[16]

Deste modo, a proposta mantém critérios bem definidos para aquisição e manutenção das armas de fogo por meios de controles estaduais e federais, porém, permite o maior acesso a estas tanto pela posse quanto pelo porte. (Duarte, 2017)

Estes critérios para a aquisição de armas de fogo de calibre permitido foram bem delimitados nos arts. 10 e 74.

O artigo 10 manteve a comprovação de idoneidade, a apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa, além da comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, porém, a lei foi omissa no que concerne a declaração de efetiva necessidade. Entendida como de extremo subjetivismo, a declaração de efetiva necessidade possui caráter discricionário[17] por parte da autoridade competente. (Quintela, 2015)

Sob esse mesmo viés, o Decreto 5.123 de 1º de julho de 2004 que regulamenta a Lei 10.826/2003, reforça em seu inciso I do art. 12 a obrigatoriedade da declaração, e o parágrafo 1º do citado artigo determina que a declaração deva explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça.

Bene Barbosa e Flávio Quintela (2015) entendem que:

[...] Com esse texto o decreto abre as portas para qualquer tipo de regulamento adicional, ex oficio, já que condiciona a aprovação do pedido de registro aos regulamentos emitidos pelo MJ, que podem ser modificados através de processo administrativo simples. Além disso, ao transformar a declaração de efetiva necessidade constante no inciso I numa demonstração de efetiva necessidade, mediante um artifício redacional ria-se uma exigência manifestadamente ilegal, em face do princípio da hierarquia das leis.

Logo, o entendimento é que se a declaração de efetiva necessidade for condicionada a um regulamento adicional, a aquisição de arma de fogo seria condicionada à vontade deste, e não ao comprimento dos requisitos objetivos igualmente exigidos.

De forma a dar maior celeridade a tramitação dos pedidos de registro, sejam no âmbito do SIGMA quanto do SINARM, a proposta fixa o prazo máximo de 60 (sessenta) dias para o desembaraço da documentação pleiteada, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal. (Duarte, 2017)

Ainda está previsto no art. 74, a normativa que trata da redução da idade para aquisição da arma de fogo que retorna a idade mínima de 21 (vinte e um) anos, conforme assim já havia sido, na revogada Lei n. 9.437/97.

Outro ponto extremamente importante trazido pelo projeto de lei se refere ao crime de ofensa com simulacro ou arma de brinquedo, capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes com pena de detenção de um a três anos.

A Lei do Desarmamento já veda em seu art. 26 a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, excetuando as destinadas à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, porém, o Projeto de Lei cria uma nova tipificação penal, atendendo aos anseios da população que viam seus agressores ficarem isentos das penas atribuídas ao porte ilegal de arma de fogo, por estas não serem efetivamente armas de fogo e sim meros objetos.

Propõe o Projeto de Lei que a validade do Certificado de Registro de Arma de Fogo de uso permitido, seja igualmente ao atual, garantindo o direito de o proprietário manter ou portar a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência, propriedade rural ou dependência destas, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa, válido em todo o território nacional, porém, com validade permanente, modificando o disposto no parágrafo 2º do art. 5º da Lei 10.826/2003 que requer período não inferior a 3 (três) anos e a comprovação dos iguais requisitos exigidos no momento da aquisição.

Trouxe ainda o Projeto de Lei, outras normas para armas de fogo e munição no Brasil, eliminando a regra proibitiva ao porte e garantindo o direito à defesa, baseado critérios bem definidos, flexibilizando-as para que as pessoas bem-intencionadas possam ter acesso legal a instrumentos mais eficazes à legítima defesa.

5 Conclusão

            Ao final das abordagens, pode-se inferir alguns pontos relevantes, tanto sob a ótica da ineficácia do Estado como detentor do poder de polícia quanto da ineficácia do próprio Estatuto do Desarmamento.

Preliminarmente cabe reforçar que não se pode somente atribuir aos elevados índices de mortes dolosas ao acesso às armas de fogo, devendo ser observado o meio social em que os criminosos estão inseridos.

Como mencionado, o Estado falha contundentemente em sua atuação relativa ao poder de polícia no que diz respeito à prevenção de crimes dolosos contra a vida, isso por não dispor de equipamentos tecnológicos e humano, não consegue abarcar toda a demanda existente e assim as taxas de criminalidade ascendem anualmente.

Em decorrência desses fatos, para o Estado tornou-se evidente que a melhor opção seria a de uma política desarmamentista - como houve em 2003 -, na tentativa de coibir a violência instaurada no país. Com o passar dos anos, mostrou-se em vão e ineficiente ao que se propunha, visto haverem consideráveis aumentos nos índices de criminalidade com armas de fogo.

Parte desse aumento se deu em razão de que pessoas mal intencionadas não passam pelo processo burocrático para obtenção de arma de fogo legal, restando a elas o comércio ilegal e o fabrico de suas armas em processos artesanais, enquanto as bem intencionadas passaram a não mais apresentar resistência aos atos violentos, seja em virtude da entrega voluntária de suas armas a Campanha do Desarmamento ou da dificuldade de obtenção do Certificado de Registro por nova aquisição ou renovação.

Assim sendo, resta claro que a mudança na legislação se faz necessária, a fim de proporcionar maior autonomia ao cidadão na defesa da sua vida e patrimônio. O Projeto de Lei n. 3.722/2012 propõe que se permita àqueles que atendendo requisitos mínimos, possam obter o registro, a posse e o porte de arma de fogo e ampliam as possibilidades de seu uso.

Dá-se maior importância ao porte, em virtude de que parte dos crimes são cometidos fora do domicílio do cidadão ou na chegada deste. De que tão somente bastaria à posse de arma de fogo - atualmente permitida exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho - se esta mesma arma não produzirá nenhum efeito quando o cidadão está na fora de seu domicílio ou adentrando nele.

Referências

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[1] Discente do 10º semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Bacharel em Turismo pela Universidade do Vale do Rio Doce - UNIVALE, [email protected], http://lattes.cnpq.br/2988889966068384.  

[2] Thomas Jefferson foi o terceiro presidente dos Estados Unidos (1801-1809), é o principal autor da Declaração de Independência (1776) dos Estados Unidos da América.

[3] A aprovação do presente artigo não significará o endosso da Professora Orientadora, da Banca Examinadora e da Universidade do Oeste de Santa Catarina à ideologia que o fundamenta ou que nele é exposta.

[4] Herbert Lionel Adolphus Hart foi um filósofo do direito e uma das principais pessoas no estudo da moral e da filosofia política.

[5] Patrick Arthur Devlin foi um juiz britânico que atuou como o Senhor da Lei, que era o juiz nomeado sob a Lei de Jurisdição de Apelação de 1876 para a Câmara dos Lordes do Reino Unido, a fim de exercer suas funções judiciais, que incluía atuar como o mais alto tribunal de recurso para a maioria dos assuntos domésticos.

[6] SESP/MT. Grupo Estadual de Combate aos Crimes de Homofobia. [S.l.: s.n]. Disponível em: <https://goo.gl/pMhc5N>. Acesso em: 29 mai. 2018.

[7] Sir Ronald McMillan Bell foi um advogado e membro da ala conservadora do Parlamento no Reino Unido, além de conselheiro da Rainha.

[8] BRASIL. Diário do Senado Federal n. 069, Brasília: [s.n], 1999, p.10039

[9] BRASIL. Diário do Senado Federal. Ano LVIII. n. 109, Seção 1, 24 jul. 2003. Brasília: [s.n], 2003, p. 19529 à 19601.

[10] Os parágrafos únicos dos arts. 15 e 16 e o art. 21 foram questionados pela ADIn 3112 de 13/01/2004 do Relator Ministro Ricardo Lewandowski.

[11] A categoria Mortes Violentas Intencionais (MVI) corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora. Sendo assim, a categoria MVI representa o total de vítimas de mortes violentas com intencionalidade definida de determinado território. Inclui-se o número de policiais mortos no total de homicídios dolosos.

[12] Inclui os homicídios dolosos, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, excluindo policiais civis e militares mortos em situação de confronto e as mortes decorrentes de intervenção policial (em serviço e fora de serviço).

[13] BRASIL. Ministério da Justiça. Campanha do Desarmamento já recolheu quase 650 mil armas. Brasília: [s.n], 2014. Disponível em: <https://goo.gl/8vAGyw>. Acesso em 2 jun. 2018.

[14] Índice bem abaixo da média nacional, porém essas mortes entram no computo total de crimes cometidos com armas de fogo.

[15] BRASIL. Diário do Senado Federal n. 060, Brasília: [s.n], 2012, p.13075

[16] BRASIL. Diário do Senado Federal n. 060, Brasília: [s.n], 2012, p.13090

[17] [...] ato pelo qual a Administração Pública, de modo explícito ou implícito, pratica atos administrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. (Quintela, 2015, pag. 165).

Sobre o autor
Bruno Lauar Scofield

Formado em Turismo pela Universidade do Vale do Rio Doce em 2005 e Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina em 2018.

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