Vistos.
Conforme enfatiza DINAMARCO, “processo justo é o processo que produz soluções justas”. (“Instituições de Direito Processual Civil”, v. I, p. prefácio, 5ª. Edição, Malheiros editores). Assim, há que se observar se o tipo de processo escolhido pelo autor, ou como no caso presente, a ele imposto (pois que este processo foi originariamente distribuído a uma Vara da Fazenda Pública, que declinou da competência por entender que o valor da causa, para fim de competência, é de ser aferido pelo valor da pretensão de cada autor, entendimento que se tornou definitivo depois que o egrégio Tribunal de Justiça o ratificou em recurso de agravo de instrumento) – se o tipo de processo e também de procedimento, pois, permite a análise, em toda a extensão e peculiaridade, da relação jurídico-material que forma o objeto da pretensão, porque do contrário a carência de ação é de ser declarada, sem a formação da coisa julgada material, de modo que se prestigie o princípio do direito “a um processo justo”.
Daí prever a regra do artigo 51, inciso II, da Lei federal de número 9.099/1995 (aplicada subsidiariamente aos processos da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública) que o processo será extinto, sem resolução do mérito, quando inadmissível o procedimento. Trata-se, pois, de uma regra que busca garantir o direito fundamental “a um processo justo”.
Os autores estão, neste processo, a controverter quanto à forma em que se lhes aplicou a contribuição previdenciária, incidente sobre a soma do que mensalmente receberam, e não sobre o valor dos proventos, e, separadamente, sobre o valor de pensão, pois que cumulam duas condições jurídicas (a de servidores públicos inativos e também de pensionistas). E como pretendem a restituição do valor cobrado a esse título desde 2003, embora com a ressalva da prescrição quinquenal sobre parcelas, por não disporem dos elementos de informação que lhes permitiriam quantificar o valor da pretensão, não a quantificaram, como se constata de folha 10, o que é sobremodo importante destacar.
Com efeito, não apenas por força de regra legal, mas devido a um aspecto de natureza lógica, nas ações de competência do Juizado Especial de Fazenda Pública, quando o provimento jurisdicional pretendido pelo autor for de natureza condenatória, o pedido há que ser líquido, porque o critério nuclear de definição da competência do Juizado é o do valor da causa, e o valor da causa, como enfatizava Liebman, é quantificado de acordo com o pedido. Daí se justificar que, sem o valor do pedido, o provimento jurisdicional condenatório não possa ser emitido em processos da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública.
Ao impor a obrigatoriedade de o pedido de natureza condenatória ser líquido, considerou o Legislador que, sem essa regra impositiva, a finalidade da criação do Juizado Especial de Fazenda Pública poderia restar frustrada, por permitir a utilização de um sistema processual mais abreviado e mais célere por quem, a rigor, não poderia utilizar-se desse sistema, já que o valor da sua pretensão superaria o do limite legal. Assim, para obviar ao limite de valor, bastaria que o autor não quantificasse o pedido, deixando-o para o fazer apenas na fase de cumprimento da sentença, quando a competência do Juizado Especial de Fazenda Pública já tiver sido fixada, caso em que a sua competência para a execução de seu próprio julgado prevaleceria. Daí que, consultada a finalidade de criação do Juizado Especial de Fazenda Pública, a perfeita adequação da regra legal que impõe ao autor formule pedido líquido, quando estiver a formular pedido de natureza condenatória.
Considere-se, pois, que os autores não limitam seu pedido à declaração de inexistência de uma relação jurídico-tributária, senão que querem obter a restituição de valores, o que qualifica o provimento jurisdicional que querem obter como de natureza condenatória.
Assim, como os autores não formularam pedido condenatório de natureza líquida, o provimento jurisdicional, caso a pretensão fosse declarada procedente, não poderia, por óbvio, ser líquido, ou seja, não se poderia quantificar o valor da condenação, e sem isso não se poderia determinar se o sistema processual da Lei federal de número 12.153/2009 permitiria ou não o exame da relação jurídico-processual em toda a sua extensão e peculiaridade.
Conclui-se, portanto, pelas razões expostas, que o procedimento adotado não é compatível com o exame da relação jurídico-material e da pretensão, o que conduz a que este processo deva ser extinto – e extinto sem resolução do mérito, o que atende ao direito a um processo justo, na medida em que os autores não terão contra si formada a coisa julgada material, possibilitando-lhes busquem um processo e um procedimento azados ao exame da relação jurídico-material em que fundamentam a sua pretensão. (Para a escolha desse procedimento e desse procedimento, ponderarão os autores, certamente, se é conveniente a formação do litisconsórcio, e principalmente se devem buscar antes obter os elementos de informação que lhes permitiam a quantificação do valor do pedido.)
Importante destacar que não se está aqui a decidir acerca da competência deste Juizado Especial da Fazenda Pública o exame da causa (e sobre essa questão, aliás, não se poderia mesmo decidir diante do v. Acórdão que fixou tal competência), senão que aqui se decide, pelas razões expostas, que o procedimento adotado não permite atender à regra legal que exige que o pedido de natureza condenatória seja líquido.
POSTO ISSO, aplicando a regra do artigo 51, inciso II, da Lei federal de número 9.099/1995, declaro a extinção deste processo, sem resolução do mérito.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelos autores de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 19 de junho de 2018.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO