Não temos qualquer razão para sermos otimistas, há muito já não alimentamos qualquer esperança quanto ao desembarque da humanidade em um futuro promissor, nos recusamos categoricamente a acreditar no advento da primavera dos povos ou mesmo na intervenção Divina para resgatar a humanidade desse beco sem saída no qual se embrenhou.
Efetivamente, só se perfilhássemos do séquito dos inveterados otimistas, a exemplo daquele personagem do conto o "Cândido" de Voltaire, continuaríamos a acreditar que algo de bom nos espera mais adiante, no tempo do futuro.
O inverno da nossa desesperança tem muito ver com o espantoso escárnio, como o cinismo escancarado, com a ausência de boa fé da grande maioria dos salteadores da representação popular, daqueles que se dizem representantes do povo, daqueles que conseguem assentos nos Parlamentos mediante a mais descarada demagogia, da nefanda prática compra de votos, seja através da prestação de favores, seja através da entrega de dinheiro em espécie, do estelionato eleitoral que certames para as Casas Legislativas.
De fato, o episódio em que se deu a aprovação do Projeto da Terceirização na Câmara dos Deputados, quando desavergonhadamente uma maioria artificial dizia está defendo os direitos dos trabalhadores e a expansão do emprego, quando na verdade estavam defendendo interesses do grande capital, isso exatamente quando se completavam dois anos que no Bangladesh, 1.138 trabalhadores terceirizados, a serviço das redes varejistas de vestuário e calçados, Benetton, Auchan, Carrefour , Mango, Adiddas, Wal-Mart, Disney , Sears dentre outras, vieram a óbito, ou melhor foram assassinados no interior de um estabelecimento fabril de uma ofertante de trabalho terceirizado, os quais laboravam em condições degradantes. Tal episódio demonstra escancaradamente que as eleições são de fato um enorme estelionato eleitoral. Afinal qual daqueles parlamentares que votou no aludido projeto quando das eleições anunciou para os seus eleitores que o faria? Quais suas verdadeiras intenções quanto aos direitos dos trabalhadores? Por que de não se submeter a tal Lei das Terceirizações ao crivo de um referendum, para se obter a sua legitimação?
Há exatamente dois anos atrás, no dia 24 de abril de 2013, 1.138 trabalhadores terceirizados por grandes corporações mundiais, do continente europeu e dos Estados Unidos, foram mortos no Bangladesh. Outros 2.000 ficaram feridos, em um episódio que revelou as condições de segurança deploráveis e os baixos salários a que se sujeitavam esses terceirizados, explorados, sangrados e ressangrados, com a finalidade de redução de custos e ampliação dos lucros de grandes empresas mundiais. Repita-se, há exatamente dois anos antes da votação do projeto da terceirização no Brasil acontecia um dos maiores crimes das terceirizações na esfera mundial.
Quando da desgraça que se abateu sobre os trabalhadores do Bangladesh, os quais premidos pela miséria se sujeitavam a trabalho em condições degradantes, a grande maioria das corporações empresariais que se aproveitam dos "benefícios" da terceirização se recusaram a reconhecer a suas responsabilidades no genocídio. A empresa de vestuário francesa, Auchan, por exemplo, sob a alegação de que fora vítima de "dissimulação" de um distribuidor, se recusou a participar do fundo de indenização das vítimas articulado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho. O Carrefour, por sua vez, negou qualquer ligação com as empresas terceirizadoras de mão de obra que operavam no prédio de Dacca, que desabou.
Esclareça-se que o genocídio dos trabalhadores do Bangladesh não causou grande comoção mundial, não se ouviu eloqüentes discursos nos Parlamentos, pastores que no Brasil se confundem com parlamentares não subiram aos púlpitos para clamarem a Deus diante de tamanha perversidade. Não se assistiu nas televisões os noticiosos falarem de passeatas satanizando o episódio de barbárie e terrorismo que abateu milhares de vidas e vitimou centenas de famílias de famélicos de um país periférico.
É relevante no episódio do Bangladesh, o fato da inexistência de uma legislação protetiva dos direitos dos trabalhadores. Na esteira desse vácuo legal é que as empresas da indústria têxtil, com o avanço da globalização comercial, têm transferido os seus parques industriais para esses países onde podem arrebanharem mão de obra semi-escrava.
No Brasil não se pode diz que inexista uma legislação protetiva dos trabalhadores, muito pelo contrário. Desde a década de 1940 que o primeiro Governo Vargas, que embora sendo uma Ditadura de características fascistas, nos legou uma das legislações que até a presente data é uma das mais avançadas do mundo. Não obstante a existência da legislação, no Brasil, sob a égide da CLT, se tem assistido um crescendo de operações de fiscalização que resultam em resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravos em fazendas, no corte de cana, em estabelecimento do comércio e em oficinas de costura que produziam roupas vendidas por grandes redes.
Aqui no Brasil, onde vige uma legislação protetiva das mais avançadas do mundo, os fiscais do Ministério do Trabalho, quase que diuturnamente, têm surpreendido situações em que se observam péssimas condições de trabalho, jornadas extenuantes e pagamentos irrisórios, além de, muitas vezes, estarem presentes alguns dos elementos mais primitivos da exploração humana, como a servidão por dívida e o trabalho forçado, a que são submetidos trabalhadores terceirizados no campo e nas fábricas. Saliente-se que alguns desses fiscais são assassinados quando no exercício da profissão e os empresários mandantes dos crimes, como no famoso caso das plantações de feijão de Unaí, no Estado de Minas Gerais, se livram soltos, se elegem prefeitos, deputados e senadores, permanecendo impunes.
Inegavelmente, se trata de um escárnio, de uma total ausência de pudor a aceleração da votação do Projeto de Lei que regulamenta a terceirização exatamente na semana em que se comemorou o nefando episodio do Bangladesh. Também, o fato da votação do malfadado projeto evidencia categoricamente que os processos eleitorais, se tratam na verdade do mais cabal estelionato, da mais aberrante defraudação das vontades populares, onde se mascara ou falseia que a maioria faz o papel de tolos e que o que de fato predomina é dos interesses das classes dominantes e do capital.
É assim desde sempre, e se assim não fosse, ao menos nesse caso emblemático da votação da Lei das Terceirizações, antes mesmo da aprovação do projeto, como anteparo a seus possíveis efeitos nefastos, a exemplo do que seu deu em Bangladesh e também ocorre aqui no nosso quintal, sob a desfaçatez do vácuo legislativo, a Câmara dos Deputados já teria regulamentado a Lei que trata do trabalho nas condições análogas à escravidão, que já foi aprovada, mas que não é regulamentada porque contraria interesses dos mesmos que agora pretendem a aprovação da Lei das terceirizações. A Lei do Trabalho Escravo, que prever, inclusive, supressão de empresas e desapropriações nos casos de flagrantes de tal crime hediondo, está à espera de regulamentação por que os mesmos que clamam pelas terceirizações pretendem continuar na sua faina de arrebanhar novos escravos ou semi-escravos, sem quaisquer possibilidades de punição.
Escancara-se, portanto, que uma vez que, ante as possibilidades de precarização das condições de trabalho, a aprovação do projeto torna imprescindível a regulamentação da Lei do Trabalho Escravo, daquela lei que trata do trabalhador reduzido a condições análogas à escravidão, visto que no Brasil semelhantemente a Bangladesh, por detrás da suposta bondade é da boa-fé, sem benefícios à dúvida o que se esconde é ânsia desmesurada e desavergonhada pelo lucro sem qualquer contrapartida.