A multiparentalidade, a socioafetividade no Direito de Família e seu justo reconhecimento!

21/06/2018 às 18:30
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O Direito é realmente surpreendente e tem cada vez mais buscado atualizar-se conforme as inúmeras mudanças que acontecem no dia a dia em todos os âmbitos da vida, em especial quando o assunto recai sobre o Direito de Família e suas inovações.O casamento por exemplo já não é mais a única entidade familiar, temos já há algum tempo a união estável como sendo um casamento “informal”, mas geradora de direitos e deveres.

A separação judicial já deixou de ser requisita para a celebração posterior do divórcio, que pode ser feito em Cartório se observadas algumas condições, óbvio.A palavra “poder familiar” tem dado espaço para a expressão “autoridade parental” e no campo da sucessão o inventário envolvendo maiores e capazes e com consenso pode ser feito em Tabelionato de Notas.A expressão vênia conjugal deixou de lado as palavras outorga uxória e marital.

O Direito de Família trata de assuntos sobre casamento, união estável, divórcio, tutela, curatela, espécies de família, adoção, pensão alimentícia, poder familiar, guarda, alienação parental, Síndrome da alienação parental, dentre outros, que inevitavelmente compõem o cenário de muitos cidadãos que tem a intenção de regularizar sua vida pessoal e também emocional.A família é a base da sociedade e ela é o pilar para a boa formação do caráter das pessoas e de suas relações para com os outros.A pessoa que cresce em um lar estruturado tem melhores condições de transmitir amor,compreender,ter bons relacionamentos profissionais e emocionais e de dar grande valia a princípios norteadores para um caminho correto ou como muitos preferem dizer ‘’o caminho do bem”.

A filiação é um assunto abordado e que gera muitas polêmicas porque dele suscitam dúvidas e até então havia em certas questões a carência de reconhecimento de fatos que merecem muita importância e destaque.Nem sempre a consaguinidade “fala mais alto” e indubitavelmente o Direito não poderia “fechar os olhos” para essa situação.

Dialogar sobre pais é sempre interessante,principalmente nas aulas sobre Direito de Família porque temos a oportunidade de conhecer de forma mais próxima a história de vida de muitos alunos que inevitavelmente encontram um “lugarzinho” em cada tópico abordado pela disciplina em questão.O referido assunto aborda filhos advindos do coração,de laços de adoção,de filhos concebidos fora do casamento,de filhos que geram irmandade bilateral,unilateral,enfim são tantas situações comentadas e vivenciadas no cotidiano que conseguimos adequar a teoria com a prática e de forma esclarecedora,motivadora e muito agradável haja vista falar sobre família  é ter a possibilidade de abordá-la em todos os seus aspectos positivos e negativos.São tantas histórias que nos inspiram,alegram e nos motivam.

 O parentesco para a legislação civilista pode ser compreendido como toda e qualquer relação que gere efeito jurídico, mas que não deve ser confundido com a questão pertinente à consaguinidade, podendo o mesmo ser natural, civil ou ainda por afinidade.A adoção por exemplo gera parentesco civil, os cônjuges ou conviventes e seus faliliares possuem parentesco por afinidade e os laços de sangue geram o parentesco consanguíneo ou biológico.

E tem-se notado que muitas famílias vieram das pluriparentais e das monoparentais originárias e derivadas, simultaneamente são compostas por filhos que tem pais biológicos e socioafetivos também, não excetuando as mães, porém sendo mais comum em relação aos pais.

A filiação ganhou um tópico que honradamente reconheceu que pais e mães são aqueles que criam,que educam,que dedicam seu tempo a ensinar,brincar,ouvir,dialogar,dizer “não”,enfim,são aqueles que fazem-se presentes a todos os momentos porque o amor fala mais alto e não a questão consaguínea,afinal cuida-se não só por esse último fator,mas pelo amor,pelo verdadeiro amor,aquele que vem com os dias e as noites,as dormidas e as mal dormidas em virtude de febres, pesadelos,viroses,com as brincadeiras de casinha ou de carrinho,com o abraço apertado no dia do aniversário,da alegria nas noites de natal e nas viradas do ano,nas festas e reuniões escolares,na “chamada de atenção”quando a atitude não foi a melhor e com a paciência de apontar o  caminho certo.

Ser pai e mãe vai muito além de ter o mesmo sangue ou de ter apenas simplesmente gerado, contribuído para a concepção, ser pai e mãe significa pois, doar tudo de sí, dar a vida, fazer renúncias em prol do melhor para o filho, dedicar-se e crescer profissionalmente estando lado a lado com o filho, acompanhando-o em seu desenvolvimento, amparando-o e orientando- no que for preciso.Ser pai e mãe no verdadeiro sentido é ter vontade e lutar por crescer como pessoa e profissionalmente não por vaidades,mas visando oferecer boas condições de vida para o filho,para que nada lhe falte.

Ser genitor na acepção da palavra significa ter gerado ou ter de forma biológica contribuído para a gestação, mas ser pai e mãe é ser tudo, fazer de tudo para o filho sempre que possível! Filho (s) precisam de afeto e atenção sempre e não de vez em quando.

O direito de família já reconhece a multiparentalidade, ou seja, uma pessoa pode ter seu pai biológico e seu pai de coração, podemos exemplificar a relação entre padrasto e enteado (a), sendo que até a referida expressão tem caído em desuso, falando-se, pois, “bondrasto”, pai socioafetivo, pai de coração e ainda “pai postiço”.

O que a lei compreendeu foi que tanto o pai como a mãe biológicos como os socioafetivos e a multiparentalidade são merecedores de reconhecimento e respeito, sem excetuarmos que é direito de todos saber quem é o pai biológico, ter seu sobrenome, contato, convívio.

A figura do pai socioafetivo ou até tempos atrás “padrasto” tem sido cada vez mais comum e frequente na vida de muitas crianças e adolescentes que dizem ter “dois pais”,que os amam e que querem ter o mesmo sobrenome deles também.Dessa forma a legislação manifestou-se no sentido de que pode haver a acréscimo do sobrenome do pai ou mãe socioafetivo no documento daquele que almeja essa situação.Não se fala em hipótese alguma sobre não amar ou desconsiderar o pai ou a mãe biológicos,mas sim de reconhecer o amor daquele que também cria e ama independentemente do fator consanguíneo.

É certo que existem pais biológicos que são maravilhosos como tal, educam, criam, preocupam, são presentes e seria excelente sempre que todos pudessem ter seus “dois pais”, afinal receber amor é algo muitíssimo bom, mas também não podemos deixar de observar a ausência infelizmente de muitos pais biológicos e muito menos deixar de enaltecer aqueles que criam sozinhos e com muita dignidade seus filhos.

Há pais que assumiram o papel de pai e mãe e estão exercendo-o com tal esplendor ocasionando admiração por parte de toda a sociedade.

Não podemos também confundir a adoção com a multiparentalidade por serem institutos diferenciados, no primeiro alguém designado adotante pede em juízo para adotar uma pessoa e consequentemente terá o direito de alterar se quiser o prenome e o sobrenome do adotado que terá consequentemente alterada sua filiação.O filho adotivo tem igualdade de direitos assim como os filhos biológicos, vale ressaltar.A adoção extingue a filiação dos pais biológicos.A socioafetividade não extingue a filiação biológica,reconhece pois a advinda do amor e da criação.

A multiparentalidade significa dizer que alguém tem dois pais ou duas mães, é aquela relação que envolve os pais biológicos e os padrastos ou madrastas.O Direito não poderia deixar de reconhecer essa situação e muito menos abster-se de produzir efeitos jurídicos em relação a todos eles.

Atualmente a família tem seus alicerces fixados e inevitavelmente estruturados na relação de afetividade, solidariedade, não havendo a exclusão do vínculo biológico, mas sim amparando o socioafetivo: a multiparentalidade.

A socioafetividade nasce com a aproximação e vai se moldando ao longo do tempo, com a convivência, com o passar dos anos, na confiança que vai se estabelecendo entre as partes em questão e é interessante mencionar que ainda que haja o divórcio dos pais, a socioafetividade também não deve acabar.Estamos tratando de relação estável consolidada entre pessoas que se reconhecem como pai e filho ainda que não tenha havido a contribuição genética nessa situação.

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A socioafetividade estabelecida não exclui os direitos e deveres de nenhum dos genitores,como dever de cuidado,de pagar pensão alimentícia,dos direitos sucessórios e outros.

 O procedimento para o reconhecimento da multiparentalidade não é complicado como muitos acreditam:basta que a pessoa menor, acompanhada por seu pai e mãe ou ainda representante legal compareça até o cartório de registro civil,juntamente com o pai ou mãe sociafetivo para que haja legalmente o ato,sendo feito o acréscimo do sobrenome do socioafetivo ao nome do filho em questão.O reconhecimento deve ser voluntário e perante o Oficial do Registro,sendo irrevogável e caso haja a necessidade de desconsiderar,a via judicial deve ser invocada,deve haver diferença de 16 anos entre o pai ou mãe socioafetivo com o filho ou filha a ser reconhecido(a).As pessoas com idade igual ou superior a 18 anos,sendo maiores e capazes podem requerer o reconhecimento da socioafetividade,independentemente do estado civil.

O artigo 11 do provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça , em seus parágrafos 4º e 5º trata da anuência pessoal do filho maior de 12 anos de idade.

É vedado o reconhecimento de irmãos entre sí, da mesma forma no que pertine aos ascendentes, exemplo: uma avó não pode dizer que o neto é seu filho socioafetivo à luz do artigo, parágrafo 3º do provimento em questão.

Pode-se ainda em testamento, que é ato de disposição de última vontade, deixar manuscrito o reconhecimento da socioafetividade seja em um testamento público ou privado.

O provimento número 63 do Conselho Nacional de Justiça, de 17 de novembro de 2017 traz as regras atinentes à emissão de certidões de casamento, nascimento e óbito.

 Se houver suspeita de fraude, má-fé, o Oficial do Registro deverá recusar-se a celebrar o registro e encaminhar o fato ao juiz competente.

A condição da posse do estado de filho deve ser analisada de forma minuciosa pelo Oficial, que deve solicitar duas testemunhas que atestem conhecer o requerente e o filho e a relação afetiva entre eles, além dos documentos exigidos pelo provimento 63 do CNJ.

Como podemos aduzir o afeto não nasce com o fato de alguém ser apenas considerado genitor,nasce do genitor que é pai e mãe,do que é pai e mãe sem ter sido genitor.Realmente grande inovação para as relações familiares e em algumas leituras nessa área podemos ainda manifestar-nos no sentido de que a verdade real tem prevalecido sobre a verdade biológica,muitos filhos que sequer conhecem os pais tem buscado o reconhecimento da socioafetividade e não da verdade biológica e outros mesmo com o vínculo com o pai biológico fazem questão de homenagear,de agradecer e acima de tudo reconhecer a socioafetividade.

É comum verificarmos a socioafetividade mais em situações que envolvam pessoas na representação da figura paterna conforme já mencionado outrora.

Princípios como a dignidade humana e da afetividade são enaltecidos quando há a manutenção de vínculos chamados de “parentais” e a lei deve sempre fazer valer o direito daqueles que os tem e no caso da socioafetividade,por mérito,amor verdadeiro e dedicação.

Não é fácil criar,educar e também não é impossível haver amor nas várias formas de ser pai e mãe.O mérito da maternidade/paternidade é reconhecer que o filho(a)é o motivo pelo qual vivemos e por ele(ela)tudo fazemos,não deixando que os próprios interesses e vaidades prevaleçam sobre as necessidades do filho,que para vivermos é preciso que o filho esteja bem e com saúde.Pai e mãe são aqueles que criam!

 Gratidão é o sentimento que mais pode descrever o amor expresso por alguém que enxerga em outra pessoa a segurança,o afeto,a dedicação que só um verdadeiro pai ou mãe poderiam conceder ao(s) filho(s).

É o Direito acompanhando as transformações,modificando alguns conceitos que até então eram tradicionalíssimos como aquele que pai e mãe e filho é que formavam família.Hoje por família entendemos mães ou pais solteiros,divorciados ou viúvos que criam seus filhos,por avós que fazem esse papel em relação aos netos ófãos,por pais e mães biológicos e socioafetivos,por pais adotivos,por pais,por mães,independentemente de credo,de orientação sexual ou de estado civil.Todas são merecedoras de destaque,respeito e admiração!

Sobre a autora
Kelly Moura Oliveira Lisita

Advogada.Membro da Comissão de Direito das Famílias da OAB GO.Docente Universitára nas áreas de Direito Penal e Direito Civil.Tutora em EAD.Articulista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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