COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR CRIMES AMBIENTAIS COMETIDOS NO RIO SÃO FRANCISCO QUANDO O DELITO ATINGE A VÁRIOS ESTADOS
Rogério Tadeu Romano
Os danos ocasionados ao meio ambiente nem sempre são o resultado de uma ação localizada em um único período de tempo. As lesões ambientais são frequentemente caracterizadas pela cumulatividade e pela continuidade, pois muitos dos danos ambientais ocorrem em razão de uma sucessão de atos que são integrantes de uma cadeia complexa. Dessa forma, para se considerar a gravidade da conduta, não deve ser analisado apenas cada ato isoladamente, pois, devido ao potencial de provocar um conjunto de danos, a cumulatividade de atos pode resultar em uma lesão de maior monta do que a soma de cada um individualmente.
Discute-se aqui a legitimidade do Ministério Público Federal e a competência da Justiça Federal para instruir e julgar delitos de pesca proibida(fauna), cometidos contra bens nacionais, como o Rio São Francisco, quando os danos envolvem a vários Estados da Federação.
Cabe à Justiça Federal o julgamento de crime ambiental praticado no Rio Amazonas, pois se cuida de Rio interestadual e internacional, afetando, assim, os interesses da união.
(STJ. 6ª Turma. RMS 26.721/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/04/2012).
Se o crime for praticado em parte de um rio interestadual, mas sem possibilidade de gerar reflexos regionais ou nacionais, a competência será da Justiça Estadual.
É o que se lê:
(...) 3. Assim sendo, para atrair a competência da Justiça Federal, o dano decorrente de pesca proibida em rio interestadual deveria gerar reflexos em âmbito regional ou nacional, afetando trecho do rio que se alongasse por mais de um Estado da Federação, como ocorreria se ficasse demonstrado que a atividade pesqueira ilegal teria o condão de repercutir negativamente sobre parte significativa da população de peixes ao longo do rio, por exemplo, impedindo ou prejudicando seu período de reprodução sazonal.
4. Situação em que os danos ambientais afetaram apenas a parte do rio próxima ao Município em que a infração foi verificada, visto que a denúncia informa que apenas dois espécimes, dentre os 85 Kg (oitenta e cinco quilos) de peixes capturados, tinham tamanho inferior ao mínimo permitido e os apetrechos de pesca apresentavam irregularidades como falta de plaquetas de identificação, prejuízos que não chegam a atingir a esfera de interesses da União. (....)
STJ. 3ª Seção. CC 146.373/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/05/2016.
Da mesma forma que o Rio Amazonas, a Mata Atlântica, como bioma, é bem nacional, onde há interesse de vários Estados da Federação em sua preservação.
Houve um julgamento em que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) havia concluído pela incompetência da Justiça Federal por considerar que, embora a Mata Atlântica seja patrimônio nacional (artigo 225, parágrafo 4º, da Constituição Federal), ela não é bem da União, o que atrairia a competência da Justiça estadual – e, em consequência, afastaria a legitimidade do MPF.
Contra a decisão, o MPF interpôs recurso especial. Nas alegações, destacou a responsabilidade da União pela identificação, proteção e fiscalização dos biomas nacionais por meio de seus órgãos competentes, como o Ibama – situações determinantes da competência federal.
A decisão foi nos autos do Recurso Especial 1.479.316 – SE, Relator Ministro Humberto Martins.
Na ementa da decisão tem-se:
1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento. 2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet Federal. 3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito. Recurso especial provido
Na decisão tem-se o entendimento de que, em se tratando de proteção ambiental, não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Daí porque impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federativos, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento.
Foi lembrada a lição do Ministro Herman Benjamin, no julgamento do REsp 1.057.878/RS, onde se disse: "Em matéria de Ação Civil Pública Ambiental, a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta (mar, terreno de marinha ou Unidade de Conservação de propriedade da União, p. ex) é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do parquet federal. Não é porque a degradação ambiental se deu em imóvel privado ou afeta res communis ominium que se afasta, ipso facto, o interesse do MPF" .
Destacou-se que a dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta seria apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do parquet federal.
Consoante o site do STF, de 28 de abril de 2009, Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam ser de competência da Justiça Federal julgar questão que envolve suposto crime ambiental cometido pela Usina Serra Grande S.A. Por unanimidade, o Recurso Extraordinário (RE 454740) interposto pela empresa contra o Ministério Público do estado de Alagoas, foi provido.
A Turma assentou a existência de fato que revela prejuízo de bem da União. Assim, entendeu que o Ministério Público Federal é competente para ajuizar ação penal, remetendo o processo ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região para julgá-la.
O Tribunal de Justiça do estado de Alagoas negou provimento a pedido formulado em apelação criminal por entender que, em se tratando de dano ao meio ambiente, não há interesse direto da União, sendo competente a Justiça estadual para o julgamento da causa.
O ministro Marco Aurélio, relator do recurso, observou a decisão do TJ-AL que reconheceu a competência da Justiça estadual para julgar a matéria. “O que se nota dos presentes autos é a poluição produzida pela apelante no Rio Canhoto, que atravessa dois estados federativos, Pernambuco e Alagoas”, disse, ressaltando que, conforme o processo, em São José da Lage (AL) a poluição causou, comprovadamente, danos ao meio ambiente.
O relator lembrou que a decisão do Tribunal de Justiça não levou em consideração o artigo 20, inciso III, da Constituição Federal, justificando que a área atingida corresponde somente ao estado de Alagoas, tendo sido prejudicado, dessa forma, o meio ambiente correspondente e a população local. Assim, não haveria interesse público federal, “o qual apenas se direta e especificamente demonstrado ensejaria a competência da Justiça Federal”.
Também constaria da decisão do TJ que a poluição atingiu também açude, córregos e riacho, situados exclusivamente em território alagoano e, portanto, considerados os bens pertencentes a este estado federado.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio considerou que deve prevalecer a circunstância de o dano haver ocorrido em rio que, com base no artigo 20, inciso III, da CF, “consubstancia bem da União". Esse preceito e a premissa fática, constando acórdão impugnado mediante extraordinário, atraem a incidência do inciso IV, do artigo 109, da Constituição.