As características da norma jurídica à luz de Cóssio

06/07/2018 às 17:10
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O artigo discute sobre as ideias de Carlos Cóssio.

AS CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA À LUZ DE CÓSSIO

Rogério Tadeu Romano

Carlos Cóssio, catedrático de Filosofia do Direito, na Universidade de Buenos Aires, fundador e impulsionador da “escola egológica do direito, assim explica o que entende por egologia do ponto de vista jurídico: “Egologia(de ego, eu, e de logos, conhecimento) significa o conhecimento do eu. Para ele, a teoria egológica do direito ´”é a ciência jurídica, precipuamente normativa, porque conhece mediante normas, não porque conhece normas, nem porque as subministra; porém, porque conhece mediante normas a conduta humana em sua interferência intersubjetiva.” Essa teoria procura harmonizar as lições de Husserl (fenomenologia), de Heidegger (existencialismo) e de Kelsen (positivismo). 

Partindo da distinção entre ideal jurídico, sociologia jurídica e ciência do direito – “três territórios independentes e inequiparáveis” – concluiu Carlos Cóssio, não obstante, que “o direito não existe só, limpo e puro, sendo direito de fechada e nada mais; porém, que existe especificado em alguma daquelas quatro maneiras(faculdade, prestação, dano e sanção) que são essências específicas relativamente à essência genérica do direito... o ser do direito não está na norma; nela só está o modo de ser; a norma desempenha um papel fundado, mas constitutivo. Para saber o que é direito e o que não o é, não precisamos recorrer a nenhuma norma jurídica. Ao jurista basta encontrar-se com uma conduta em interferência intersubjetiva para ter a certeza apodítica de que se encontrou com o objeto próprio de seu interesse teórico(Teoría de la Verdad Juridica, 1954, pág. 138). É considerado uma réplica a Kelsen que reduziu o direito à norma, minimizando a conduta, enquanto a teoria egológica é “a única concepção jurídica que sabe o que fazer com as normas e o que fazer com a conduta, sem fazer perder a sua normatividade às primeiras, nem fazer perder a sua efetividade à segunda. Ambas se ubicam com unidade na mesmidade da conduta, desde que se viu que a conduta se integra com o conhecimento de si mesmo e que é normativa a natureza desse como pensamento.

A essência da norma jurídica, que é o gênero, consiste em ser um juízo: da norma jurídica, espécie de daquele, é ainda um juízo, mas um juízo disjuntivo.

Este juízo, segundo Arnaldo Vasconcelos(Teoria da Norma Jurídica, 5ª edição, pág. 149) assim se expressa:

- Dado H, deve ser P, ou

Dado ñp, deve ser S.

Daí surgem três características das normas jurídicas: a bilateralidade, a disjunção e a sanção.

BILATERALIDADE

O direito é relação jurídica.

Direitos e obrigações são termos recíprocos, de implicação mútua.

DISJUNÇÃO

A norma se expressa na forma de um juízo composto de duas partes. Numa delas, enuncia-se a prestação como resultado desejado; na outra, a sanção que será a decorrência da não realização daquele objetivo.

Na teoria egológica de Carlos Cóssio, as duas partes enunciativas da norma se integram mediante a disjuntiva ou, compondo uma estrutura única e indissociável. Dado H, deve ser P, ou dado ñP, deve ser S.

Desta forma a norma jurídica apresenta estrutura disjuntiva simplesmente porque apenas desse modo poderá traduzir as possibilidades contempladas nos momentos distintos da endonoma( a prestação) e da perinorma(a sanção). A situação coexistencial(H) e a não-prestação(ñP) constituem pressupostos de fato que colocam, de maneira alternativa, as possibilidades da prestação(P) e da sanção(S). Essas possibilidades se expressam pelo verbo dever ser, porquanto só assim se poderá figurar a liberdade que se efetiva na conduta.

As possibilidades contempladas nas distintas partes da norma se dirigem, a primeira, ao devedor, e a segunda, ao credor. Em razão da intersubjetividade do Direito, a liberdade, que se distingue, é a de ambas as partes da relação jurídica.

No seu juízo disjuntivo, Cóssio disse que norma e direito não se identificam, sendo este a conduta humana em sua interferência intersubjetiva. Assim se diz que é uma conduta compartida, e aquela, o modo de pensamento capaz de pensar referida norma.

A teoria egológica atribui à norma a finalidade de enunciar, como devendo-ser, uma conduta, ou melhor, de representar uma conduta em seu dever-ser. Cóssio(La teoria egológica del Derecho y el Concepto Jurídico de liberdad, pág. 741) demonstrou, através de argumentos de ordem diversa, que a tese imperativista não é a correta interpretação do Direito.

Para Cóssio uma norma é estritamente uma significação.

No plano vivencial ou noético – o das intuições puras – tem-se que o juízo e a norma são formalizáveis, reduzíveis a formas. Para o juízo teríamos a forma simbólica “ S é P e, para a norma, “Dado S deve ser P”.

Questão aberta para a teoria egológica da norma está para se saber se na estrutura disjuntiva dela há lugar para a sanção premial. Estaria na endonorma ou na perinorma?

Bem resumiu Arnaldo Vasconcelos(obra citada, pág. 89) que o prêmio, decorrente que é de uma conduta lícita, não poderia estar senão na endonorma, a saber, no enunciado da prestação. A norma contempla uma disjunção, uma alternativa. Assim o prêmio não poderia ser resultante de não-prestação ou ilícito.

SANÇÃO

A sanção integra o conceito de Direito e tem lugar na estrutura da norma jurídica.

A sanção é uma consequência de uma atitude perante o Direito. Em face de sua existência jurídica, há três condutas possíveis: a) a normal, ou o cumprimento voluntário do preceito normativo; b) a anormal, ou sua inobservância; e c) a sobrenormal, ou a adesão a um mais, que ultrapassa o ordinariamente estabelecido para todos. No primeiro caso, a possibilidade de sancionamento fica de todo afastada, por ser haver consumado de modo regular o dever-ser da prestação. Nos outros casos, ou não houve realização alguma, ou ela foi além do comumente exigido.

Não paga a obrigação, dentro da linha de Cóssio(teoria egológica), falamos em perinorma. Tem-se assim nessa teoria da norma com seus elementos: disjunção, sanção e bilateralidade. 

Assim se decompõe o fenômeno jurídico em várias fases, que representam outros tantos momentos de sua realização. O tempo da situação coexistencial, o tempo da prestação, o tempo da não-prestação e o tempo da sanção. Os momentos do ser(situação coexistencial e não-prestação) situam-se em correlação com os momentos do dever-ser(prestação e sanção) que são alternativos e excludentes.

Para García Máynez(Introduccion al Estudio  del derecho, páginas 302 e 303), o cumprimento forçado, a indenização e o castigo constituem, apenas, formas simples de sanções jurídicas. Ao seu lado, existem as mistas ou complexas, que resultam de combinações daquelas, a saber: cumprimento mais indenização; cumprimento mais castigo; cumprimento mais indenização mais castigo; e indenização mais castigo.

Na concepção de Carlos Cóssio(La teoria egológica del derecho y si concepto juridico de liberdad, pág. 229) com base nas premissas de que a conduta jurídica é perceptível, é justificável e é projetável, a teoria egológica atribui à norma a simples finalidade de enunciar, como devendo ser uma conduta, de representar uma conduta em seu dever-ser. O conceito de imperatividade, apesar de tradicional e largamente difundido, não consegue realizar tal propósito. Cossio demonstrou, através de argumentos diversos, que a tese imperativista não passa de falsa interpretação do problema normativo. 

Destaco a teoria egológica no estudo da norma jurídica. 

Na obra "Ideologia e Direito", Cóssio desenvolve a ideia de que o Direito não é apenas a norma, como preceitua Kelsen, mas possui um elemento basilar, que é a conduta humana. Apesar de não se desfazer completamente dos enunciados Kelsenianos, Cóssio critica o predecessor por valorizar sobremaneira a infração. Para Cossio, Kelsen usa uma lógica ontológica (do ser), ao passo em que propõe uma deontologia (lógica do dever-ser).

Ao colocar a conduta humana no proscênio da sua teoria, dá início a um pensamento chamado de "sociologia jurídica".

Repita-se que Cóssio dizia que para saber o que é direito e o que é ou  não é, não necessitamos recorrer a nenhuma norma jurídica. Ao jurista basta encontrar-se com uma conduta em interferência intersubjetiva para ter a certeza apodítica de que se encontrou com o objeto próprio de seu interesse teorético (Teoria de la verdad juridica, 1954, pág. 138). É a réplica a Kelsen que reduziu o direito à norma, minimizando a conduta, enquanto a teoria egológica é a única concepção jurídica que sabe o que fazer com as normas e o que fazer com a conduta, sem saber perder a sua normatividade às primeiras, nem fazer perder a sua efetividade à segunda. Ambas se ubicam na mesmidade da conduta, desde que se viu que a conduta se integra com o conhecimento de si mesmo e que é normativa a natureza deste como pensamento. Cóssio reduz a teoria pura do direito à lógica jurídica formal, ao passo que este converte a teoria a teoria egológica de Cóssio em "ensaio de uma teoria fenomenologica do direito". 

Para Cóssio uma norma é uma significação. 

A conduta em sua liberdade, que se fenominaliza na vida do homem, não pode ser objeto de conhecimento conceptual. 

O pensamento cossiano fez escola na Argentina, representado por Enrique Aftalión, Fernando García Olano, José Vilanova, para quem “o direito não é norma, mas conduta normatizada. Em outros termos, as normas não são um complexo de significações transcendentes com relação às condutas humanas, mas estão dentro dessas condutas, a que configuram ou conformam com sua significação jurídica. O direito, como objeto real a estudar, não é a regulação da conduta, mas a conduta regulada. É errôneo identificar o direito com a lei ou mesmo sobrepor esta àquele; a lei não é toda a experiência jurídica – posto que esta seja conduta –, mas apenas parte dela; é o ingrediente conceitual ou esquema interpretativo, com que se há de conceituar, interpretar e compreender o sentido valioso de dita experiência.

O Direito não é norma em si, mas conduta normatizada, nem regulação da conduta, mas conduta, mas “a conduta normatizada”. Ora, a lei não exaure a experiência jurídica, que se manifesta de outros modos, servindo apenas de “ingrediente conceitual”, que revelará o verdadeiro “valor” da mesma experiência.

No resultado da análise da norma há um verdadeiro juízo disjuntivo: 

- Dado H, deve ser P, ou 

dado ñP, deve ser S. 

A primeira e a segunda partes da estrutura normativa, que se enlaçam mediante a disjunção ou, são denominadas, respectivamente, como uma endonorma e uma perinorma. A endonorma é o juízo hipotético da conduta lícita e a perinorma, o da conduta ilícita. Os dois juízos hipotéticos compõem o todo homogêneo que é o juízo disjuntivo. 

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Fala-se ainda em sanção premial. 

O prêmio estaria inserido na endonorma, no enunciado da prestação. O prêmio dentro de um juízo disjuntivo não poderia ser inserido  como resultado de uma não-prestação, ilícito. 

A sanção premial se caracteriza pelo estímulo aos agentes econômicos a assumirem atitudes ambientalmente corretas, mediante práticas sustentáveis em busca do bem estar da sociedade, caracterizadas como incentivos fiscais, extrafiscalidade, ou pagamento por serviços ambientais. Estes estímulos, se bem aplicados, geram benefícios não somente à empresa, ou ao meio ambiente local, mas a toda a população atingida e às gerações futuras.

Mario Alberto Copello(La Sanción y el Premio en el Derecho, n. 70) contestou tese inicialmente desenvolvida por Angelo de Mattia, de que a pena e o prêmio consustanciam espécies do gênero comum chamado sanção. Colocou-se para Copello, a alternativa que ele naõ chega nem a considerar de modo expresso, mas que subsiste em todo seu raciocínio e determina rigidamente sua formulação doutrinária. A opção é esta: admitir a sanção premial e conter a estrutura normativa egológica, ou aceitá-la e ter de afastar a coação como elemento essencial do Direito, com o que incapacitaria o juizo disjuntivo para exprimir a possibilidade da conduta normativa. Com efeito, a sanção premial e coação representam noções contraditorias e inconciliáveis. Realmente, como imaginar que uma recompensa possa ser imposta forçosamente a alguém? Contesta-se, pois, a chamada sanção premial. 

Veja-se o caso da discussão dos chamados incentivos fiscais. 

Ressalta aí a atuação da Administração no sentido de proporcionar beneficios diretos à sociedade. 

Empolgando a tese de que os prêmios vieram a adquirir "o status de técnica de controle social do Estado contemporâneo", Àlvaro Melo FIho(Teoria e Prática dos Incentivos Fiscais/Introdução ao Direito Premial, pág. 50) situa sua dissertação de mestrado neste contexto aqui trazido. 

Com a reprovação taxativa de Copello, a essencialidade retributiva do Direito está predicada, entre muitos, por Llambas de Azevedo, que propugnou sobre a tese do direito premial. Como ensinou Arnaldo Vasconcelos(obra citada, pág. 89), Copello ao conceituar a prestação como prêmio termina por adotar o mesmo ponto de vista do jurisfilósofo uruguaio. Se a prestação é prêmio, não há como fugir à conclusão de que a essência do Direito implica retribuição.

Mas, repita-se, que, na estrutura normativa do egologismo inexiste espaço para a sanção premial, entendida essa, corretamente, como consequência do comportamento sobrenormal -  mais acima do nível médio(normal), prescrito a todos. Impede-o o fantasma da coação.

As ideias inovadoras de Cóssio encontraram respaldo no Brasil, com o então jovem jurista Antônio Luiz Machado Neto. Com o advento dos regimes militares, tanto no Brasil quanto na Argentina, ambos foram tratados como persona non grata dos respectivos governos.

Machado Neto, professor baiano, foi o recepcionista do pensamento filosófico-jurídico do mestre argentino. Apesar de vinculado à concepção jusfilosófica de Miguel Reale, com a sua "tridimensionalidade", Machado Neto se mostrou vulnerável ao jus-egologismo de Cóssio, que apresenta pontos de contato com a concepção realeana, por intermédio do fenomenologismo husserliano e do normativismo Kelseniano. Em 1960, reconhecia e proclamava que "se a posição egológica pôde esquivar-se a todas as contradições do normativismo, põde, ainda mais, resolver certas questões que até aqui tinham sido a "pedra no sapato do jurista". Tais são as questões das mudanças de jurisprudência, do desuso da lei e da sentença contra legem. Por menos que o normativismo possa convenientemente explicar essas questões, esses fatos, eles são constantes da experiência jurídica, que uma teoria da ciência do direito possa explicar, dar razão. É isso que consegue explicar o egologismo, quando considera a ciência do direito como ciência dos objetos reais, por ter por objeto a conduta em interferência intersubjetiva(Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, 1960, 1º volume, pág. 201). Em 1963, o professor baiano ratificou o juízo anterior, nestes termos que são considerados categóricos: "Desejando interpretar juridicamente uma conduta, o intérprete há de referi-la à norma jurídica, a conduta funcionando, aqui, como substrato - um substrato egológico, porque um momento da vida humana, do ego individual - e a norma como o sentido juridico da faculdade, prestação, ilícito ou sanção, que a conduta exibirá. Ao dizermos que o sentido está em a norma, não se suponha que está nos textos legais, ou em outra qualquer instância normativa ou fonte de direito, e, pois, apartada da realidade do fato de conduta que se pretende conceituar, pois, sendo a norma o juízo que pensa a conduta por ser humana é racional - razão vital - a conduta se integra de sua própria representação - a norma. Porque o direito é conduta compartida, o sentido jurídico de um especial fato de conduta é co-posto pelo agente, pelo legislador, pela comunidade e pelo intérprete(Introdução à Teoria Geral do Direito, 2º volume, pág. 52). Machado Neto não hesitou em asseverar que "a teoria egológica constitui, muito mais do que o intucionismo de de Joaquim Dualde, uma verdadeira revolução na lógica jurídica, especialmente neste ponto da lógica jurídica transcendental, que é a hermenêutica jurídica. Entendia-se que a interpretação era a norma. Por sua vez, como bem acentuou Paulino Jacques(Curso de Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, pág. 256), " a teoria egológica vem colocar a questão em seu exato entendimento, ao descobrir que a interpretação jurídica não é da norma, mas sim da conduta, através da norma, mediante a norma".

Em Portugal, a doutrina foi objeto de estudos por Cabral de Moncada(Derecho positivo y Ciencia del Derecho) e ainda por José Brandão(Vigencia y temporalidad del Derecho). Este último observou que "o chamado legislador positivo, ao formular, num conjunto ordenado de pensamentos prescritivos, certas normas jurídicas de conduta social, não faz mais do que expressar assim o que por ele foi apreendido em certa ocorrência e para essa ocorrência, tal como em concreto se verificou na conjuntura histórica em que se encontra momentaneamente a comunidade nacional. E isto é o que fica em vigor como lei, e que no futuro se observará e aplicará aos casos ocorrentes". José Brandão ainda observou que os conceitos, as palavras com que exterioriza o seu pensamento, são as que se aceitam como correntes. Ao intervir, estabelecendo uma norma geral de conduta jurídica, atua, afinal de contas, como a consciência comum", de que falava Puchta, "o espírito geral", ainda nas palavras de Savigny, em seu historicismo, onde não se falava em direito positivo.

endonorma representa a licitude; a perinorma, a ilicitude 

Para Arnaldo Vasconcelos(obra citada, pág. 158), estudando a teoria egológica, a coação está fora do fenômeno jurídico. Constitui a coação um ato político de uso do poder na execução forçada da sanção. Através desse ato busca-se recompor o direito violado.

Sanção é pena?

Para Frédéric Mourlon(Repetições escritas sobre o código civil francês), a palavra lei vem do latim ligare(ligar). A lei liga, obriga; submete as pessoas, pela esperança de recompensas ou pelo temor de castigos, ao cumprimento dos seus deveres. "A recompensa concedida ao que a observa, e a pena inflingida àquele que a viola, chama-se sanção”.

Mas Dabin(La Philosophie de L’Ordre Juridique Positif, pág. 57) só o cumprimento das regras morais e de decoro comporta retribuição premial; o Direito Positivo, ao contrário, não se preocupa em reconhecer os méritos daqueles que respeitam suas regras ignorando toda sanção recompensatoria.

Para muitos, o prêmio não poderia ser tornado nunca como resultante de não-prestação ou ilícito.

Para Arnaldo Vasconcelos(obra citada, pág. 89), na teoria egológica inexiste espaço para a sanção premial. Impede-a o fantasma da coação.

Alijada a coação, como explica a doutrina, pode-se tentar a seguinte fórmula compreensiva de duas possibilidades de prestação: a norma e a sobrenormal – a par das decorrentes consequências: dado H, deve ser P, ou dado PM ou ñP deve ser respectivamente Spr ou SP. A prestação a maior(Pm) corresponderia a sanção premial(Spr). Mas, nesse caso, segundo Arnaldo Vasconcelos, já se teria abandonado a teoria egologica do direito.

O pagamento do tributo no prazo prefixado constitui a prestação tout court, e a recompensa, indireta  é a liberação do devedor. De modo diverso, o pagamento antes do prazo assinado, se permitido, configurará a prestação a maior, com duas recompensas: uma direta, o prêmio da dedução de tantos por cento, e uma indireta, que é a liberação do devedor, comum a ambas as hipóteses. Sendo essencialmente retribuidor, o direito também o é, de maneira acidental, como excepcionalidade.

Realmente ressalta o caráter sancionador da norma jurídica. E, com ele, completa-se, segundo Cóssio, o quadro conceitural: toda norma que for concomitantemente bilateral, disjuntiva e sancionadora é, sem dúvida, norma jurídica. A falta de qualquer dessas notas a descarecterizaria de modo irremediável. Elas se pressupõem.

A sanção decorrerá da conduta ilícita. Seu objetivo principal não é castigar aqueoe que inflinge o preceito normativo, mas recompor, na medida do possível, a situação antijurídica daí decorrente. A pena é meio, e não fim. O uso da força, o emprego da violência, a flagelação corporal ou psicológica constituem o antidireito, o pseudodireito daqueles que não têm Direito.

DIsse Arnaldo Vasconcelos(obra citada, pág. 157) que a sanção penal visa, pois, refazer ou recompor a prestação inobservada e, finalmente, a recuperar o faltoso. Nos dois primeiros casos, situam-se o cumprimento forçado e a indenização; no último, o castigo, que tem mais sentido educativo do que de exemplaridade ou de satisfação social.

A sanção, pois, integra o conceito de Direito e tem lugar na estrutura da norma jurídica.

Mas há as normas permissivas.

A norma permissiva expressa uma liberdade de ação, logo, a conduta do agente, nesse caso, não cria um risco proibido. Já a norma justificante autoriza uma ação ou reação contra um perigo ou ataque humano para salvaguardar um dos bens jurídicos em conflito.

Se o agente deixa de praticar a conduta autorizada pela norma permissiva disso não decorre para ele nenhum sacrifício relevante; se o agente deixa de praticar, diante do risco ou perigo, a conduta justificante, com certeza haverá sacrifício de algum bem jurídico próprio ou alheio.

No conceito de leis imperfeitas há as leis permissivas, supletivas e interpretativas. Elas não  podem ser tidas como jurídicas, como expressou Georgio Del Vecchio, aduzindo que essas regras, mesmo que contidas em textos legislativos, pois representam coisas do gênero das declarações políticas, afirmações doutrinárias, recomendações, exortações, carecendo de conteúdo obrigatório.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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