Reflexões sobre a Criminalização do Aborto

09/07/2018 às 16:30
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Enquanto cerca de 800.000 mulheres interrompem a gravidez todos os anos, milhares de famílias aguardam nas intermináveis filas de adoção para realizar o sonho de ter um filho: este é o retrato de um país insuflado de contradições chamado Brasil.

Ao criminalizar ambas as práticas, o aborto e a adoção direta, o Estado brasileiro, numa absurda soma de ignorância e autoritarismo, gasta mais de 140 milhões de reais por ano em internações no SUS por conta de complicações médicas decorrentes de abortos clandestinos, ao mesmo tempo em que frustra casais que gastam milhares de reais em clínicas de fertilização humana ou em morosos, burocráticos e mesmo cruéis procedimentos de adoção.

Uma sociedade que se pretende democrática não pode "criminalizar" o desejo legítimo de não ter filhos, até porque a proibição não evita a prática, como bem demonstram os assustadores números envolvidos: cerca de nove milhões de mulheres interromperam a gestação no Brasil, entre 2004 e 2013. Esta proibição penaliza, sobretudo, a mulher de baixa renda, que realiza o procedimento em condições sanitárias péssimas, colocando a vida e a saúde em risco.

A própria Suprema Corte, em inédita e recente decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que o aborto, até o terceiro mês de gestação, não constitui crime, a exemplo de praticamente todas as legislações dos países democráticos desenvolvidos, pois viola os direitos fundamentais da mulher, além de afrontar o princípio da proporcionalidade.

Polêmicas à parte, há de se reconhecer que é plenamente possível conciliar o direito da mulher em não ter filhos com o direito à preservação da vida do nascituro, o que não vem sendo alcançado com a simples criminalização do aborto.

Essa também é, dentre outras, a opinião do Deputado Estadual MÁRCIO PACHECO (Não Mate, Dê para Mim; O Globo, 27/11/2017, p. 12) que, mesmo sendo absolutamente contrário à prática do aborto (em qualquer hipótese), conclui que "desistir de ser mãe é um (inconteste) direito (da mulher); matar, entretanto, certamente não o é".

Destarte, o caminho mais seguro para resolver essa questão em nosso país passa por afastar a nefasta ingerência do Estado, permitindo que casais interessados em ter filhos possam "adotar" o nascituro diretamente das mulheres dispostas a abortar, financiando todos os custos envolvidos em uma gravidez, demovendo-as deste desejo que, no íntimo, não é verdadeiro, considerando que nenhuma mulher deseja realmente encerrar a vida fetal (ou mesmo embrionária), mas apenas exercer o legítimo direito de não ter filhos.

"Se não quer (a criança), não mate, dê para mim." (MADRE TERESA DE CALCUTÁ; O Globo, 27/11/2017, p. 12)

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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