A Magistratura para Juízes

09/07/2018 às 18:30
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Ninguém em sã consciência pode deixar de reconhecer que Getúlio Vargas foi o maior ditador da história do Brasil, particularmente no período denominado de Estado Novo (1937-1945).

Vargas chegou ao poder em 3 de novembro de 1930, através de um golpe de Estado, e, depois de esmagada a resistência com a derrota dos Constitucionalistas (1932), conseguiu promulgar a Carta de 1934, que, além de assegurar-lhe um mandato presidencial de quatro anos (até 1938), inaugurou um processo mais ostensivo de controle dos Poderes Judiciário e Legislativo.

No caso do Poder Judiciário, em particular, criou o instituto do Quinto Constitucional nos Tribunais (art. 104, §6º, CF/34), permitindo que nomeasse, à sua inteira discricionariedade, juízes estranhos à magistratura, alterando, em consequência, a composição dos Tribunais e subvertendo a natural escala hierárquica da carreira.

Não satisfeito, numa ousadia sem precedentes, simplesmente extinguiu a Justiça Federal (art. 185 da CF/37), e manietou as prerrogativas dos juízes (arts. 91 e 92 da CF/37, c/c, D.L nº 6 de 16 de novembro de 1937), concebendo um novo Golpe de Estado em que a Ditadura Autoritarista (1930/36) foi substituída pelo Estado Totalitário (1937/1945).

Alijado do poder em 1945, por obra de ventos democratizantes, o frágil processo constitucional de 1946, todavia, não foi suficiente para recompor a Instituição do Poder Judiciário, posto que a Justiça Federal de 1º grau somente foi recriada posteriormente (art. 20 do AI-2, de 27 de outubro de 1965) e o malsinado Quinto Constitucional não somente permaneceu em nossa previsão constitucional como ainda foi ampliado para o Terço Constitucional no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (arts. 94 e 104 da CF/88).

Oportuno destacar que o instituto do Quinto Constitucional representa, além de uma arbitrária ingerência na carreira do Judiciário, um afrontoso desrespeito à concepção estrutural da Tríade da Justiça, a incluir, além dos juízes, os Advogados (art. 132 da CF/88) e os membros do Ministério Público (art. 127 da CF/88).

Permitir,- reafirmando uma herança autoritária que já deveria ter sido há muito sepultada-, a simples nomeação de juízes, sem o correspondente concurso de acesso, não só afronta o princípio da separação dos poderes, como ainda diminui a própria importância da Advocacia e do Ministério Público como instituições fundamentais ao pleno funcionamento da Justiça.

A Magistratura deve ser, portanto, exclusivamente voltada para os Juízes, assim como o Ministério Público para os Promotores e a Advocacia para os Advogados.

Esse é o necessário resgate democrático que o Brasil ainda deve realizar para completar o ciclo de restabelecimento pleno da nossa jovem e ainda incipiente Democracia.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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