Prova para Condenação Penal

13/07/2018 às 18:30
Leia nesta página:

1.  Na teoria do processo penal, avultam dois princípios, sobre todos venerandos, a saber: a certeza é a única base legítima de condenação; a dúvida aproveita sempre ao acusado.

Em atenção a suas consequências deletérias, e pelo comum irreparáveis, uma decisão condenatória deverá apoiar-se em prova plena e cabal da materialidade do fato criminoso, de sua autoria e da culpabilidade do agente.

Não há o que opor a essa providencial cautela. Eis porque, ao tratar da condenação, a unanimidade dos juristas faz caso e cabedal da prova excelente.

Cai a ponto a antiga fórmula, de voga desembaraçada nos pretórios da Justiça Criminal: “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).

Destarte, pela razão contrária, desde que inidônea a prova a que se abordoe a pretensão punitiva, será força absolver o acusado, em obséquio à máxima de jurisdição universal: “In dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu).

A lição do maior de nossos penalistas é, a esse respeito, constantemente invocada:

“A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).

Aqui entra, como em seu lugar, um elemento inerente à função judicante: apurado senso ético ou dignidade de inteligência do magistrado, em que reside sua força moral (1).

Da mesma sorte que lhe é defeso desconhecer nas hipóteses que o autorizam a cláusula salutar do “In dubio pro reo”, também lhe não cabe invocar o vetusto e retrilhado aforismo jurídico por âncora de salvação do culpado.


2. Muita vez, a imposição da pena — que Platão chamava de medicina da alma — será inelutável, pois “traduz, primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-Penais, 1945,p. 131).

Ao demais, não é para esquecer que, segundo doutrina altamente reputada, “o valor probante dos indícios e presunções, no sistema do livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas” (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual, 1a. ed., vol. II,p. 378).

Vigente a regra de direito “Nemo tenetur se ipsum accusare” (ninguém é obrigado a acusar-se), a verdade raramente chega ao templo da Justiça pela boca do réu; aliás, quando este entra a falar, parece que é para acrescentar o prestígio daquele prolóquio atribuído a Talleyrand, ministro de Napoleão: “A palavra foi dada ao homem para esconder o pensamento” (apud Nélson Hungria, Novas Questões Jurídico-‑Penais, 1945, p. 233).

Na apuração da verdade real — alma e escopo do processo — todo elemento de convicção se mostra atendível, nenhum é excluído“a priori”.

A advertência de Bento de Faria (1876-1959), preclaro ministro  do Supremo Tribunal Federal, faz ao nosso intento:

“Se o espírito humano, consoante a observação de Framarino, na maioria das vezes não atinge a verdade senão por via indireta (Lógica das Provas, I, p. 1, cap. III), esse fato mais acentuadamente se observa nos Juízos criminais onde cada vez mais a inteligência, a prudência, a cautela do criminoso tornam difícil a prova direta” (Código de Processo Penal, 1960, vol. II, p. 125).


3. À derradeira, versando a questão jurídica da simulação, discorreu por este feitio o consagrado jurista José Beleza dos Santos:

“Raras vezes se pode obter uma prova direta da simulação, porque aqueles que efetuam contratos simulados, em regra, ocultam cuidadosamente o seu propósito procurando as trevas, como já diziam os velhos praxistas”.

E logo mais abaixo diz que:

“Produzidas todas as provas com que possa demonstrar-se a simulação, é do seu exame ponderado e escrupuloso que o Juiz pode concluir se o ato jurídico foi ou não simulado.

E para chegar a uma conclusão vedadeira, que o possa conduzir a uma decisão justa, mais que as regras formuladas pela doutrina, podem auxiliá-lo a sua experiência dos homens e das coisas, o seu desejo de julgar honestamente, e esse obscuro sentimento da justiça que é, na bela frase de Maeterlinck, uma estrela que se forma na nebulosa dos nossos instintos e da nossa vida incompreensível” (A Simulação em Direito Civil, 1999,  pp. 441 e 454; Lejus; São Paulo).

Em suma: ao Juiz cabe não só proclamar a inocência do réu, se incomprovada sua acusação, mas também decretar-lhe a condenação quando o incriminarem com segurança as provas dos autos.

A quebra de tal preceito implicará por força aberração: no primeiro caso, por iniquidade e arbítrio do juízo; no segundo, à conta de lassidão e pusilanimidade do aplicador da lei e executor de sua vontade.

A toga do Magistrado converter-se-á, então, em sudário; a Justiça (alento e esperança dos fracos e oprimidos), essa decairá da confiança do povo, que já não saberá recomendar bem aqueles que a administram.


Nota

 (1)  Reza o art. 137 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “O novo desembargador, antes de tomar assento, prestará perante o Presidente, o compromisso formal de cumprir com retidão, amor à Justiça e fidelidade às leis e instituições vigentes, os deveres do cargo (...)”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos