“O preço que se paga às vezes é alto demais”: A inversão do ônus da prova, em sede consumerista, como forma de relativização da presunção de inocência.

16/07/2018 às 16:00
Leia nesta página:

“O preço que se paga às vezes é alto demais.”

Com base neste verso de Humberto Gessinger[1], questões importantes devem ser levantadas.

O Brasil estaria disposto a abrir mão de seu rico e vasto histórico doutrinário e jurisprudencial em nome de uma (falsa) sensação de segurança?

Será que um dos mais elogiados textos constitucionais ainda em vigor deixou de ser socialmente relevante, ainda mais em tempos marcados por uma verdadeira obsessão de natureza, ao mesmo tempo, populista e punitivista?

Essas perguntas só se fazem necessárias por conta do constatado “baguncismo”[2], o qual despontou, em tempos recentes, como voraz inimigo do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, vale a pena destacar uma curiosa situação vislumbrada no campo do Direito do Consumidor.

Eis que o diz o Código de Defesa do Consumidor, em um de seus mais famosos trechos3:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(....)

1- o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

2- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

A inversão do ônus da prova ope legis merece uma análise crítica mesmo que se leve em consideração o enquadramento de um consumidor na categoria de hipossuficiente ou de vulnerável.

Afinal de contas, o comerciante, o fabricante e o produtor, até mesmo para combater, de acordo com o caso concreto, uma injusta demonização, podem se escorar no rol meramente exemplificativo dos direitos e garantias reputados como fundamentais pelo Poder Constituinte Originário.

Contra o manejo indevido da inversão do ônus da prova, mesmo classificada como ope legis, há que se fazer menção à presunção de inocência, ou de não culpabilidade, consagrada textualmente na Constituição Federal de 1988[3]:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Antes que uma desprezível, lamentável e odiosa “presunção de culpa” impeça, de forma definitiva, a existência relacionamento saudável entre os diversos agentes da cadeia produtiva, faz-se necessário o recurso à ponderação.

Mesmo diante de um litígio, cabe às partes o dever de colaborar, ou de cooperar, com o Estado, representado pelo Poder Judiciário, em prol da melhor solução possível para resolver um certo e determinado conflito de interesses.

Aliás, o novo Código de Processo Civil[4], fortemente constitucionalizado, traz uma salutar previsão em relação à matéria aqui discutida:

Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Em um momento histórico pautado, de triste forma, por comportamentos inequivocamente segregacionistas, com destaque para a esfera política, ganha força a atuação dos operadores do Direito, pois deles se exige, acima de tudo, a defesa intransigente da Constituição e das leis vigentes.

Dessa forma, as disputas em juízo, mesmo com a aguerrida litigiosidade típica do Direito do Consumidor, serão travadas de maneira equilibrada, justa e racional, bem como levarão em conta o respeito às partes e a seus legítimos interesses.

Se assim não for, só nos restará mencionar Mahatma Gandhi6: olho por olho e o mundo acabará cego.


Notas

[1] https://genius.com/Humberto-gessinger-o-preco-lyrics. Acesso em 29. 4. 2018.

[2] Entre vários textos recente sobre esse tema, destacamos este, de autoria do jornalista Reinaldo Azevedo: http://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/1515958-2/. Acesso em 29.4.2018. 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 29.4.2018.

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 29.4.2018.

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 29. 4.2018. 6 https://super.abril.com.br/blog/superblog/frase-da-semana-8220-olho-por-olho-e-o-mundo-acabaracego-8221-gandhi/. Acesso em 29.4.2018.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos