A pessoa com deficiência pode ser síndico? A capacidade civil do síndico e o estatuto da pessoa com deficiência

18/07/2018 às 16:00
Leia nesta página:

O síndico deverá estar em pleno gozo das suas capacidades civis, isto é, deverá ser pessoa plenamente capaz, isto é, pessoas que já completaram 18 (dezoito) anos;

Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.           

O exercício das atribuições de síndico exige o pleno gozo das capacidades civis, pois, irá realizar atos no exercício do interesse dos condôminos, devendo contrair direitos e obrigações que irá vincular todos os demais.


DA CAPACIDADE CIVIL

O nascimento com vida atribui ao ser humano personalidade jurídica, ou seja, a aptidão para ser titular de direitos e obrigações. Porém a doutrina faz uma distinção entre a capacidade de direito e a capacidade de exercício,

Capacidade de gozo ou direito: personalidade para adquirir direitos e assumir deveres na vida civil

Capacidade de fato ou exercício: é a aptidão de exercer por si só os atos da vida civil, dependendo portanto de discernimento, que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, da aptidão que a pessoa de distinguir o lícito do ilício, o conveniente do prejudicial[1].


DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

É importante consignar, com relação ao instituto das capacidades civis, houve a alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.146, de 2015, que instituiu no ordenamento jurídico brasileiro o Estatuto da Pessoa com Deficiência, visando a inclusão jurídica da pessoa com deficiência.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146 de 06 de Julho de 2015) reconstruiu a teoria da capacidade civil. Alterou os arts. 3º e 4º do Código Civil, dispondo sobre incapacidade absoluta e relativa, respectivamente, inseriam a deficiência como causa de incapacidade civil.

Lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald [2]:

 “toda pessoa humana é especial pela sua simples humanidade, tenha, ou não, algum tipo de deficiência. Não se justifica, em absoluto, impor a uma pessoa com deficiência o enquadramento jurídico como incapaz, por conta de um impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial. Toda pessoa é capaz, em si mesma, e, agora, o sistema jurídico reconhece essa assertiva. Até porque, de fato, evidencia-se discriminatório e ofensivo chamar um humano de incapaz somente por conta de uma deficiência física ou mental”.

Com o advento da nova lei, operou-se uma verdadeira desconstrução ideológica: a pessoa com deficiência (art. 2º da Lei n.º 13.146/2015) passa a ser considerada legalmente capaz, ainda que para atuar necessite do auxílio de institutos protetivos/assistenciais, tais como a tomada de decisão apoiada e a curatela (excepcional) (arts. 6º e 84 da Lei n.º 13.146/2015).

A esse respeito, confira-se o texto da Lei n.º 13.146/2015, que trata do assunto das capacidades:

Art. 6o  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84.  A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o  Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§ 2o  É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§ 3o  A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

§ 4o  Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano. 

Portanto, somente em casos excepcionais, as pessoas portadoras de deficiência podem ser tidas como relativamente incapazes; a capacidade civil é um direito fundamental da pessoa humana, e só poderá perdê-la em situações excepcionais, em situações fundamentadas e temporárias.

Assim, é plenamente possível que o síndico seja pessoa com deficiência.                                                                         

Se a pessoa com deficiência estiver impossibilitada de externar suas vontades ou desejos será considerada relativamente incapaz, nesse caso, irá necessitar de auxílio para tomar decisões de cunho patrimonial ou negocial; como vimos, o síndico irá representar o condomínio, contraindo direitos e obrigações que irá vincular todos os demais.

Porém, quando a pessoa com deficiência necessitar de um assistente para a tomada de decisão (tomada de decisão apoiada/curatela), deverá se levar em conta, que o Código Civil estabeleceu a figura da unidade sindical na administração do condomínio, isto é, conforme Art. 1.347, caput, do CC, será escolhido para representar o condomínio “um síndico”, e não o síndico e o assistente que o apoiará. Vejamos:

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Art. 1.347. A assembléia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.

O assistente não poderia ser confundido com a figura do subsíndico, pois, o subsíndico irá substituir o síndico diante da sua ausência ou omissão, e não auxiliá-lo na tomada de decisão.


Notas

[1] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. Ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2010.  P.33 e 34. Comentário ao art. 1º do CC

[2] FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 15. ed. rev., ampl. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 339

Sobre o autor
Miguel Zaim

MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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