ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA PELO DELEGADO DE POLÍCIA NA VISÃO DO STF

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RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar, que com o julgamento da ADI 5.508 pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), veiculado no informativo 907.

1. INTRODUÇÃO
Ante a uma nova realidade, é certo que o direito penal tem procurado se
reinventar, no intuito de propor um enfrentamento adequado à criminalidade moderna,
forte que seus mecanismos tradicionais pouco ou nada conseguem face à complexidade
das organizações criminosas.


Desta feita, entrou em vigor no dia 02/08/2013, a Lei n. 12.850, chamada Lei
das Organizações Criminosas, que, a par de instituir novos crimes tipicamente cometidos
por associações delituosas dessa natureza, também estabeleceu, em seu artigo 3º, uma
série de técnicas especiais de investigação, mecanismos tendentes à obtenção de prova
próprios à elucidação de fatos envolvendo a criminalidade organizada. Para a finalidade
do presente trabalho, destaca-se a figura da colaboração premiada (art. 3º, I).


1.1 Colaboração premiada e Justiça negocial


O comportamento de entregar cúmplices e colaboradores da atividade
delituosa no momento da persecução penal, seja com o intuito de mitigar a própria
responsabilidade, seja para alcançar algum grau de compreensão ou condescendência do
interlocutor, não constitui propriamente novidade no processo criminal, verificando-se
mesmo com bastante frequência na práxis. O que se pretende com a colaboração
premiada é identificar os demais coautores e partícipes da organização criminosa e as
infrações penais por eles praticadas, Revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas
da organização criminosa, Recuperar total ou parcialmente o produto ou o proveito das
infrações penais praticadas pela organização criminosa. Prevenir as infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa. Insta consignar que reitero que
basta que um desses cinco objetivos seja atingido para que o colaborador tenha direito ao
benefício, ou seja, não são cumulativos.
A colaboração premiada, portanto, na possibilidade de se conceder benesses
previamente descritas na lei a criminosos que se mostrem dispostos a colaborar com o

Poder Público na elucidação de atividades delituosas, aqui necessariamente relacionadas
a organizações criminosas, e desde que, com seu comportamento, seja possível alcançar
determinados objetivos (art. 4º, I a V) da lei 12.850/2013.


Os desafios da criminalidade moderna exigem uma resposta excepcional do
Estado, com a devida adequação do processo persecutório penal à realidade dos fatos e
modos de atuação característicos dos delinquentes atuais. O rigorismo conceitual e
técnico da dogmática tradicional, se negligenciadas as demandas peculiares da
criminalidade organizada, não são capazes, de per si, de fornecer uma resposta
adequada à sociedade, daí porque se faz necessário recorrer a mecanismos processuais
pouco mais ou menos inovadores no ordenamento nacional.
Com a crescente criminalidade do colarinho branco (white-color crime) em
nosso Estado e os compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil com a
Convenção das Nações Unidas e outros tratados internacionais, o Brasil se viu obrigado a
editar uma lei que fosse capaz de tratar de forma mais rigorosa os crimes perpetrados por
organizações criminosas, posto que são de difícil elucidação, tendo em vista que a grande
maioria das infrações são praticadas às portas fechadas, denominados como crime de
escritório, de grandes empresas e até mesmo repartições públicas, por seus autores e
coparticipantes, tornando mais dificultosa a investigação.


Para que a invetigação obtenha sucesso, é necessário de algumas técnicas
especiais de investigação, dentre elas o intituto da delação premiada, infiltração de
agentes, interceptação ambiental, interceptação telefônica.


Foi editada a Lei 12.850/2013, Lei de Organização Criminosa - que
pormenorizou os meios de investigação criminal, meios de obtenção de prova, trouxe
novas infrações penais e procedimento especiais em técnicas de investigação, dentre
elas o instituto da colaboração premiada.


Como já dissemos alhures, o objetivo desse trabalho não é esgotar a a Lei de
Organização Criminosa e sim aboradar um instituto de grande relevância, e que vem
sendo bastante aplicada em casos concretos, que é o acordo de delação premiada,
contudo, formalizado apenas, Delegado de Polícia, isto é, com a simples manifestação do Ministério Público, sem que seu parecer torne-o vinculante para a concessão do
benefício.


De plano, insta salientar que a Lei 12.850/2013, especificamente em seus arts.
4º, §§, 2º e 6º foram objetos de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5508) no
Supremo Tribunal Federal, proposta pelo então Procurador-Geral da República em face
de alguns dispositivos da lei, (serão abordados adiante), no sentido de que não poderia o
Delegado de Polícia, sem o parecer vinculante do Ministério Público, endossando a
avença. Os dispositivos são os seguintes:


Art. 4oO juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por
restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com
a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha
um ou mais dos seguintes resultados:
§ 2oConsiderando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a
qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com
a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao
juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse
benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber,
o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a
formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de
polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério
Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou
acusado e seu defensor.
Antes de entrarmos no tema prompriamente dito, é imperioso deixar claro os
conceitos e a natureza jurídica da colaboração premiada, porquanto sua natureza é
importante para a defesa dos argumentos trazidos nesse trabalho.

1.2 COLABORAÇÃO PREMIADA X DELAÇÃO PREMIADA
A Colaboração premiada é um mecanismo previsto na legislação por meio do
qual o investigado ou acusado de uma infração penal colabora, efetiva e voluntariamente,
com a investigação e com o processo, recebendo, em contrapartida, benefícios penais.
Uma das formas de colaboração premiada é a delação dos coautores ou partícipes.
A delação premiada é uma espécie do gênero "colaboração premiada". Ocorre
quando o investigado ou acusado decide colaborar com as autoridades delatando os
comparsas, ou seja, apontando as outras pessoas que também praticaram as infrações
penais.
Exemplo de colaboração premiada que não é delação premiada: o autor
confessa a prática do crime e não delata nenhum comparsa. No entanto, ele fornece
todas as informações necessárias para que as autoridades recuperem o dinheiro
desviado com o esquema criminoso e que se encontrava em contas bancárias no exterior.
Assim, toda delação premiada é uma forma de colaboração premiada, mas nem sempre a
colaboração premiada será feita por meio de uma delação premiada.


1.3 COLABORAÇÃO PREMIADA E SUA NATUREZA JURÍDICA
A colaboração premiada é uma espécie que se insere no contexto maior do
Direito Penal Premial, cuja natureza é de gênero.
O Direito Penal premial é agrupamento de normas de atenuação ou remissão
da pena com o objetivo de premiar e assim incentivar comportamentos de desistência e
arrependimento eficaz de comportamento criminoso ou mesmo de abandono futuro de
atividades delitivas e colaboração com as autoridades de persecução criminal na
descoberta de atos criminosos já praticados ou, eventualmente, o desmantelamento da
organização criminosa a que pertença o acusado.
No âmbito brasileiro, é possível dizer que a colaboração premiada tem forte
inspiração na legislação penal italiana (pattegiamento). Também que guarda semelhança
com o direito anglo-saxão (pleabargaining) e com o direito inglês (supergrass – crownwitness: “testemunha da Coroa”).

A colaboração premiada consiste no meio especial de obtenção de provatécnica
especial de investigação – por meio do qual o coautor ou partícipe, visando
alcançar algum prêmio legal (redução de pena, perdão judicial, cumprimento de pena em
regime diferenciado etc.), coopera com os órgãos de persecução penal confessando seus
atos e fornecendo informações objetivamente eficazes quanto à identidade dos demais
sujeitos do crime. À materialidade das infrações penais por eles cometidas, a estrutura da
organização criminosa, a recuperação de ativos, a prevenção de delitos ou a localização
de pessoas.
O instituto da colaboração premiada é também entendido por cooperação
premial, chamamento de corréu, pacto premial e delação confessória.


A colaboração premiada que como já vimos é gênero e tem como uma de suas
espécies a delação, que além de o investigado confessar a pratica delitiva praticado
através da organização criminosa ele aponta demais autores e partícipes dos eventos
criminosos. Assim dispõe o art 4º da lei 12.850/2013:
Quanto a sua natureza jurídica depreende-se tratar-se de negócio jurídico
processual personalíssimo voltado para a obtenção especial da prova, ou seja, meio de
obtenção de prova e isso está expresso na Lei de Crime Organizado:
Art. 3o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de
outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada;
Também é o entendimento do STF quanto a natureza jurídica da delação ser
meio de obtenção de prova:
A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de
ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu
objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo
criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio
jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a
 ser atribuída a essa colaboração. (STF, Pleno, habeas corpus 127.483 , rel.Min.
Dias Tóffoli, julgamento em 27.08.2015.).


A colaboração é um meio de obtenção de prova cuja iniciativa não se submete à
reserva de jurisdição (não exige autorização judicial), diferentemente do que
ocorre nas interceptações telefônicas ou na quebra de sigilo bancário ou fiscal.
Nesse sentido, as tratativas e a celebração da avença são mantidas
exclusivamente entre o Ministério Público e o pretenso colaborador. O Poder
Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os requisitos
legais de existência e validade, com a indispensável homologação. (STF. Plenário.
Pet 7074/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21, 22, 28 e 29/6/2017 ).


O Código de Processo Penal também elenca como meio de obtenção de prova
os exames de corpo de delitos em geral, interrogatório, a confissão, perguntas do
ofendido, reconhecimento de coisas e pessoas, as testemunhas, indícios, acareação, etc.
Como sendo meio de obtenção de prova é mais uma ferramenta colocada à
disposição da polícia judiciária para o desenvolvimento de sua atribuição. A própria
constituição afirma em seu Art.144, §1º a função de investigar a ocorrência de crimes,
logo não seria nada inconstitucional o acordo de delação firmado entre o delegado de
polícia e o investigado, posto que é mais uma técnica de investigação, não podendo ficar
à mercê do aval ou não do Ministério Público para que realizar esse negócio jurídico
processual.


A colaboração premiada é mecanismo situado no cumprimento das finalidades
institucionais da Polícia Judiciária.


2. Da possibilidade de acordo pelo Delegado de acordo com o STF
A problemática perpassa se o Delegado de Polícia poderia celebrar o acordo de
colaboração premiada com o investigado do crime e seu advogado, pedir junto ao juízo a
concessão de perdão judicial, com a consequente extinção do perdão judicial ou a
redução de pena, sem que o parecer ministerial fosse vinculante.

Os argumentos do Ministério Público foram no sentido de que isso afrontaria
diversos dispositivos constitucionais e legais, como por exemplo o sistema acusatório, o
devido processo legal a titularidade do MP da ação penal pública (art. 129, I CF/88) e a
falta de legitimidade do Delegado de Polícia e a violação da moralidade administrativa.
A ação (ADI 5508) impugnava as expressões “e o delegado de polícia, nos
autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público” e “entre o delegado
de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou,
conforme o caso”, contidas nos referidos dispositivos, que conferem legitimidade ao
delegado de polícia para conduzir e firmar acordos de colaboração premiada.

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Ocorre que no dia 20/06/2018, o STF, através do Plenário, por maioria, julgou
improcedente pedido formulado em ação direta para assentar a constitucionalidade dos
§§ 2º e 6º do art. 4º, da Lei 12.850/2013, a qual define organização criminosa e dispõe
sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas
e o procedimento criminal.


Ficou decidido que o o Delegado de Polícia tem sim legitimidade para propor
acordo de colaboração premiada, na fase do inquérito policial, desde que haja parecer do
MP, mas que esse parecer não vincularia o juízo no momento da homologação, ou seja,
ainda que o órgão ministerial discrodasse da proposta firmada pelo Delegado de Polícia e
o investigado, o juiz não estaria vincluado aos argumentos contrários trazidos pelo
parquet. Os argumentos usados no acordão serão explanados ao longo deste artigo.


2.1 DO SISTEMA ACUSATÓRIO
O sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas,
contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de posições (presença de contraditório),
e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma
separação das funções investigar, de acusar e julgar. O processo caracteriza-se, assim,
como legítimo actum trium penonaruim.


Em relação à gestão da prova, recai precipuamente sobre as partes. Na fase
investigatória, o juiz só deve intervir quando provocado, e desde que haja necessidade de intervenção judicial. Durante a instrução processual, prevalece o entendimento de que o
juiz tem certa iniciativa probatória, podendo determinar a produção de provas de ofício,
desde que o faça de maneira subsidiária.


São características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e
acusação, a paridade entre acusação e defesa (paridade de armas), e a publicidade e a
oralidade do julgamento. Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a
iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa
e o caráter escrito e secreto da instrução.


Como se percebe, o que efetivamente diferencia o sistema inquisitorial do
acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova, para garantir a
imparcialidade do julgador, que é ponto nodal do sistema acusatório. O modelo acusatório
reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusivamente às partes a produção
do material probatório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla
defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da
separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do
sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova.


De fato, o sistema acusatório foi sim adotado pelo ordenamento jurídico,
estampado na Constituição da República, em seu artigo 129, I – onde confere ao
Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública. Com a adoção de tal
sistema as funções de investigar, processar e julgar, pois são bem delienadas para cada
uma das instituições, ou seja, cada um tem sua relevância dentro do cenário de justiça. A
polícia investiga, o Ministério Público propõe a ação penal e o juiz julga o caso contreto.
Diante dessa premissa, não é nos importante é a função dos Delegados de
Polícia, onde também tem suas atribuições constitucionais e legais, de acordo com o
artigo 144, §4ºCF/88.


No campo infraconstitucional a Lei 12.830/2013, normatiza a investigação
criminal realizado pelo Delegado de Polícia e diz que esta autoridade exerce uma das
funções do estado, inclusive jurídica:

Como se percebe o Delegado de Polícia tem uma função de grande relevância
no cenário jurídico, pois é esta Autoridade que tem atribuição exlcusiva para presidir o
inquérito policial, que, via de regra, onde se inicia a persecutio crimins, até porque, não é
praxe se iniciar uma ação penal sem o devido inquérito policial.


Esta autoridade – Delegado de Polícia - tem legitimidade para representar pela
preventiva, temporária, medidas cautelares assecuratórias (p. ex. Sequestro),
interceptação telefônica, busca e apreensão, logo não seria razoável a negativa da
propositura de um acordo de colaboração premiada, com tais argumentos, afinal está
expressamente na lei que ele pode representar, durante o inquérito policial pelo acordo de
colaboração premiada.


Como se percebe, nenhuma das autoridades da justiça têm mais importância
que a outra, as atribuições e competências estão bem delineadas de forma constitucional.
A grande verdade é que as instituições, seja o Ministério Público seja a polícia
judiciária, através das Polícias Civis e a Polícia Federal, deveriam atuar em cooperação
com a justiça e não com supostas oposições entre as instituições, buscando a eficiância
do sistema jurídico brasileiro.
Abordaremos os dois argumentos, a favor e contrário a possibilidade de acordo
da delação pelo Delegado de Polícia e após isso firmaremos o que decidiu o STF e a
nossa posição.


Os defensores da tese pela impossibilidade é no sentido de que faltaria ao Delegado de
Polícia legitimidade para pleitear as medidas dispostas na lei. Nesse sentido Renato
Brasileiro de Lima (2017, pág.783) diz que faltaria ao Delegado de Polícia legitimidade e
capacidade postulatória, posto que a Lei 12.850/2013 tem de ser homologada pelo juiz
(art. 4º,§7º), in verbis:


“De mais a mais, ainda que o acordo de delação premiada seja
celebrado durante a fase investigatória, sua natureza processual
resta evidenciada a partir do momento em que a própria Lei
12.850/2013, impõe a necessidade de homologação judicial”.

Outro argumento é no sentido de que o sistema processual brasileiro não
admite que o Delegado de Polícia determine o arquivamento dos autor do inquérito
policial, não seria possível admitir agora a atuação para propor a extinção da ação penal
em relação a determinados agentes, viabilizar a imposição de pena a determinado agente
reduzindo ou substituindo por restritivas de direitos.


Quanto a esse primeiro argumento – de que o delegado não teria capacidade
postulatória, não merece prosperar. Verdade que capacidade postulatória é um termo
técnico para atuar em juízo, com partes contrárias e com observância ao contraditório e
ampla defesa e outros princípios constitucionais e processuais imanentes. Porém, ao
Delegado de Polícia é conferida legitimidade para representar ao juiz por algumas
medidas cautelares como já dito alhures, sejam pessoais (prisão processual ou medias
cautelares diversas da prisão quando esta não se mostrar necessária), cautelares reais
(arresto ou sequestro de bens) ou probatórias (busca e apreensão, interceptação
telefônica, etc).


Ocorre que o termo técnico para o Delegado se valer das cautelares seria o
instituto da representação, destarte, funciona como uma recomendação, uma sugestão ou
uma informação ao Poder Judiciário. Ao representar, o Delegado de Polícia apresenta,
expõe ao Juiz os fatos e fundamentos que demonstram e justificam a necessidade da
decretação de uma medida cautelar ou a adoção de outra medida de polícia judiciária
indispensável à solução do caso investigado.
A representação se perfaz como um meio de provocação do Juiz, tirando-o da
sua inércia e obrigando-o a se manifestar sobre alguma questão sujeita à reserva de
jurisdição, ou seja, àquela em que cabe ao poder judiciário não só a última, como também
a primeira. Desse modo, levando-se em consideração que o Poder Judiciário não pode
agir de ofício, a representação serve de instrumento à preservação do próprio sistema
acusatório. Trata-se, portanto, de um ato jurídico-administrativo de atribuição exclusiva do
Delegado de Polícia.

Ora, como sabemos, ao Juiz não é conferida a sua atuação de ofício no curso
do inquérito policial, por afrontar , como vimos acima - o sistema acusatório previsto no
art. 129, I da CF/88. Conquanto não haja nenhum dispositivo expresso na adoção desse
sistema, a doutrina e a jurisprudência são assentes no sentido de que o sistema
processual adotado no Brasil foi o acusatório.


Essa legitimidade para representar em juízo é o que se denomina de
capacidade postulatória imprópria, ou seja, uma legitimação em razão do cargo ocupado
pelo Delegado de Polícia. A regra, de fato, é a de que as medidas cautelares sejam
postuladas pelas partes. Contudo, nada obsta que o legislador, confira uma legitimação
extraordinária a uma autoridade que não seja parte no processo.


Tanto tem capacidade postulatória imprópria que há em diversas leis esparças
pelo ordenamento jurídico conferindo a possibilidade de o Delegado de Polícia
representar ao juiízo acerca de alguma medida cautelar, como por exemplo a lei de prisão
temporária, representar pela preventiva, pela busca e apreensão, interceptação telefônica,
dentre outras. Sendo assim, não avança o argumento de falta de legitimidade ou
capacidade postulatória (imprópria) ao Delegado de Polícia em representar pelo acordo
de delação premiada.


Quanto ao segundo argumento nos parece ser uma interpretação distorcida
considerando que a partir de uma interpretação sistemática da constituição e dos arts.17
e 28 CPP (Código de Processo Penal), percebe-se que a opção constituída ao Delegado
de Polícia de, representar ao juízo pelo extinção de punibilidade do investigado em nada
altera a competência exclusiva do Ministério Público para a persecutio criminis.


Outro exemplo é quando o Delegado finaliza uma investigação, confeccionando
seu relatório final e percebe a atipicidade da conduta do agente. Isso não subtrai a
privatividade do Ministério Público para analisar a existência de crime, que sendo o caso,
opinar pelo arquivamento do feito ou deduzir a pretensão punitiva.
Quanto ao terceiro e o principal argumento trazido pelo Ministério Público seria
no sentido de que não poderia o Delegado firmar a avença de colaboração premiada
 conferindo a extinção de punibilidade tendo em vista que violaria a titularidade da ação
penal.


Ocorre que em nenhum momento a Lei 12.850/2013, em seu Art.6, §4º -
afastou a participação do parquet no acordo de colaboração premiada, mesmo que
ofertado pelo Delegado de Polícia, o investigado e seu defensor. O acordo deve ser
submetido à avaliação do Ministério Público e à homologação do poder judiciário.
Aqui nos compete abrir um parêntese. Para que a Autoridade Polical possa
propor o acordo de colaboração premiada ele deve observar dois requisitos: um de
natureza objetivo e outro subjetivo.


No quer concerne ao aspecto objetivo, ele se refere a observância quanto ao
momento, qual seja, o Delegado só pode propor acordo durante o curso do inquérito
policial (Art.4º, §2º). Como sabemos, via de regra, o Ministério Público não participa de
forma ativa do inquérito policial, apenas o Delegado de Polícia que é o titular exclusivo
desta investigação.


Finalizada as investigações não poderia mais a Autoridade policial atuar, posto
que o procedimento administrativo estaria convolando-se em judicial e a autoridade
legitimada seria o parquet.


Nesse sentido que o Delegado só poderia atuar na fase do inquérito policial, o
STF no julgado da ADI 5508:
Concluiu que os textos impugnados versam regras claras sobre a legitimidade do
delegado de polícia na realização de acordos de colaboração premiada,
estabelecendo a fase de investigações, no curso do inquérito policial, como sendo o
momento em que é possível a utilização do instrumento pela autoridade policial.
(STF, Pleno, ADI5508, rel.Min. Marco Aurélio, julgamento em 20.06.2018.)


O segundo requisito para a representação da autoridade policial é de natureza
subjetiva – a necessária manifestação do Ministério Público. Em nenhum momento a lei
afastou a necessidade de o MP opinar na proposta ofertada pelo Delegado de Polícia,
muito pelo contrário. A lei foi expressa nesse sentido: (Art. 4º, §2º):

Perceba que a lei foi de uma clareza hialiana ao exigir a participação do MP.
Então é mero sofisma os argumentos levados na ADI 5508 de que afetaria a titularidade
da ação penal, senão mera vaidade acadêmica.

O Delegado de Polícia é importante no momento das tratativas e para
representar pelo acordo. É ele quem está diante do investigado e pode, numa primeira
ocasião, apresentar ao investigado possibilidade de eventual acordo – art. 3º, VIII da Lei
12.850/2013 – conforme princípio da cooperação entre instituições.
Uma coisa é ser o titular exclusivo da ação penal pública outra bem diferente é
do direito de punir estatal. São coisas que não se misturam e são de órgãos bem
diferentes, como foi expresso na Constituição.


Ademais, o Ministério Público não aplica pena, não decide por progressão de
regime, mas ainda assim pode firmar acordo de colaboração. Siginifica dizer que, ainda
que ele não seja dotado de legitimidade para a proposição de todas essas benesses, não
afastou a possibilidade dele poder firmar a avença.
O Ministério Público até pode propor a extinção de punibilidade no acordo, mas
tem que trazer nos autos do acordo um bom material probatório, requsitos subjetivos da
lei.


Em prol da legitimidade de atuação de delegados de polícia na delação
premiada, a Consultoria-Geral da União lembrou que a Lei 12.850/2013 foi submetida a
amplo debate por representantes da magistratura, do MP, da Defensoria Pública, das
Polícias Federal e Civil e do Ministério da Justiça e que não cabe centralizar, no MP, todos
os papéis do sistema de persecução criminal.
Na mesma linha, seguiu a Advocacia-Geral da União, para quem inexiste
ofensa ao sistema acusatório, ao devido processo legal e à moralidade administrativa.
A própria Polícia Federal normatizou os meandros do acordo de colaboração
através da Instrução Normativa 108, de 7 de novembro de 2016, da PF, prescreve, em
seu artigo 98, que a proposição de acordo de delação premiada será antecedida por uma
série de etapas: (a) negociação para a formalização do acordo de colaboração; (b)
 lavratura do termo de acordo da colaboração premiada; (c) tomada de depoimento do
colaborador; (d) despacho fundamentado do delegado de polícia; (e) autuação; (f)
remessa ao juízo, para decisão quanto à homologação; (g) verificação da efetividade; e
(h) representação ao juízo pela concessão ou não do benefício.


Do trecho do voto condutor do Ministro Marco Aurélio, destaca-se o
entendimento de que a representação do Delegado de Polícia é uma prerrogativa, um
poder-dever:
A autoridade policial tem a prerrogativa – ou o poder-dever – de representar por
medidas cautelares no curso das investigações que preside, mediante o inquérito
policial. Há mais. No caso de colher confissão espontânea, tem-se causa de
diminuição de pena a ser considerada pelo juiz na sentença, tudo sem que se
alegue violação à titularidade da ação penal.


De todo modo, a representação pelo perdão judicial, feita pelo delegado de polícia,
ante colaboração premiada, ouvido o Ministério Público, não é causa impeditiva do
oferecimento da denúncia pelo Órgão acusador. Uma vez comprovada a eficácia do
acordo, será extinta pelo juiz, a punibilidade do delator.


Para o Supremo, todavia, a denúncia deve ser oferecida para que o
magistrado aplique o perdão judicial ao final do processo, desde que constatada a
efetividade da colaboração, senão vejamos:


Necessidade da denúncia para possibilitar o cumprimento dos termos da Lei
n° 9.807/99 e do acordo de colaboração firmado pelo Ministério Público
Federal com os acusados. Legitimidade da manutenção do processo e
julgamento do feito perante o juízo de primeiro grau de jurisdição. O fato de não
terem sido denunciados nestes autos não retira dos envolvidos a condição de coréus.
Daí a impossibilidade de conferir-lhes a condição de testemunhas no feito. De
todo modo, por não terem sido ouvidos na fase do interrogatório judicial, e
considerando a colaboração prestada nos termos da delação premiada que
celebraram com o Ministério Público, é perfeitamente legítima sua oitiva na fase da
oitiva de testemunhas, porém na condição de informantes. Precedente. Respeito
ao princípio do contraditório e necessidade de viabilizar o cumprimento, pelos
acusados, dos termos do acordo de colaboração, para o qual se exige a
efetividade da colaboração. (STF, plenário - AP 470 QO-terceira / MG ).

Ora, se o MP é o titular exclusivo da ação penal pública e para que seja
concedido o perdão judicial é imperioso o devido processo legal, não há afronta alguma a
essa titularidade, posto que apenas ele e só ele pode ofertar a denúncia. Nesse sentido o
Supremo Tribunal Federal:(…) Para redução da pena, adoção de regime de cumprimento menos gravoso ou concessão do perdão judicial, há de ter-se instaurado o processo, garantindo-se a
ampla defesa e o contraditório. Na sentença o juiz, ao verificar a eficácia da
colaboração, fixa, em gradação adequada, os benefícios a que tem direito o
delator. (STF, Plenário, ADI 5508).


Logo, para que haja a concessão do perdão judicial, necessariamente deve
haver denúncia, e claro, esta deve ser manejada pelo Ministério Público, ainda que este
discorde dos argumentos trazidos pelo Delegado de Polícia durante o acordo de delação
premiada.


A representação pelo perdão judicial, ofertada pelo Delegado de Polícia, ante
colaboração premiada, ouvido o Ministério Público, não é causa impeditiva do
oferecimento da denúncia pelo órgão acusador. Uma vez comprovada a eficácia do
acordo, será extinta pelo juiz, a punibilidade do delator.


3. Conclusão
Como bem delimitado pelo STF, pode sim o Delegado de Polícia, realizar
acordo de colaboração premiada com o investigado durante o inquérito policial sem que o
Ministério Público tenha necessaidade de endossar simultaneamente o negócio jurídico
processual. Significa dizer que não viola os princípios Constitucionais como o do sistema
acusatório, devido processo legal, e o da moralidade.
Um coisa é titularidade exclusiva da ação penal outra é exclusividade da justiça
penal negociadas, como meios de prova, e que esta é ínsita da Autoridade Policial.

Portanto, acertada a decisão do STF na ADI 5508, para retirar o “monopólio” do
Ministério Público a legitimidade de celebração do acordo de colaboração premiada,
estendendo aos Delegados de Polícia, como foi previsto na lei 12.850/2013.
 

Sobre o autor
Tiago Baltazar Ferreira Dantas

Delegado de Polícia Civil no Estado do Paraná, Pós-graduado em Penal e Processo Penal pela Faculdade Estácio de Sá, Pós-graduado em Direito Público, Pós graduado em Gestão de Segurança Pública pela Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná/PR, Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) no Estado do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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