OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A JURISPRUDÊNCIA

20/07/2018 às 08:37
Leia nesta página:

O ARTIGO APRESENTA ANOTAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DO DIREITO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A JURISPRUDÊNCIA

Rogério Tadeu Romano

Destaco aqui que os dez primeiros aditamentos aprovados em 1791 à Constituição dos Estados Unidos da América foram inspirados nos mesmos pressupostos valorativos do texto de 1787, vindo suprir omissões.

O primeiro aditamento proíbe o estabelecimento de uma religião de Estado e garante as liberdades de culto, de palavra e de imprensa, bem como os direitos de reunião e de petição.

O segundo aditamento garante o direito ao uso e porte de armas; o terceiro proíbe o aboletamento de soldados em tempo de paz sem o consentimento do proprietário; o quarto assegura a inviolabilidade do domicílio; o quinto, o sexto e o sétimo respeitam as garantias de processo penal; o oitavo impõe limites às penas criminais.

O nono aditamento declara que a especificação de certos direitos pela Constituição não significa que fiquem excluídos ou desprezados outros direitos – é a chamada cláusula aberta, da maior importância nos Estados Unidos e em outros países. O décimo aditamento declara que os cidadãos gozam de todos os direitos que não sejam expressamente vedados.

O décimo-terceiro aditamento (de1865) proíbe a escravatura.

O décimo-quarto(de 1868) impede os Estados de fazer ou executar leis que restrinjam as prerrogativas e garantias dos cidadãos privar alguma pessoa da vida, da liberdade, ou da propriedade sem observância dos trâmites legais ou recusar a qualquer pessoa a igualdade perante a lei.

O decimo-quinto(de 1870) garante o direito de voto, independentemente da raça, da cor ou da interior condição de escravo; o décimo-novo(de 1920) independentemente de sexo; o vigésimo-quarto(de 1964), independentemente de idade superior a 18 anos.

Anote-se que desde o New Deal do presidente F.D.Roosevelt ergue-se um complexo sistema de segurança social; direitos econômicos e culturais aparecem na legislação ordinária e em Constituições de Estados; e os tribunais têm vindo a definir novos direitos como o direito à habitação e direitos ligados à educação.

O sistema judicial dos Estados Unidos é originado no Common Law.

Nos Estados Unidos da América do Norte, a influência da jurisprudência no processo de revelação do direito é tamanha, que se fala em judge-made law e, consequentemente, em construction jurisprudential – como o faziam O.W.Homes Jr, Benjamin Cardozo e James Beck, dentre outros. Há mesmo extremados, como J.C.Gray, que entendiam que o “direito é composto das regras que as Cortes estabelecem”(The nature and sources of the law, Nova York, 1938, pág. 84) e W.J.Brown que “a lei, até ser interpretada pelos tribunais, não constitui realmente direito”(The Austinian Theory of Law, Londres, 1926, pág. 334). Daí o gouvernement des juges, de que falou Edouard Lamber, e a judicial supremacy, de que tratou Charles Haines, em teses que foram repetidas por Roger Pinto, na trilogia Des qui ne gouvernent pas, Paris, 1934; La Cour Supreme et le New Deal, 1938, onde o papel criador do Judiciário subsiste. Era o reconhecimento do poder normativo dos tribunais nos Estados Unidos. A jurisprudência preenche as lacunas do direito, modifica mesmo o sentido da Lei. Mas o legislador pode intervir para corrigir ou impedir a corrente judiciário. Para James Beck, em conferência pronunciada, em Paris, em 1922, já havia acentuado que “a Suprema Corte pode ser considerada como estando acima do Poder Legislativo e do Poder Executivo”(La Constitution des États-Unis, 1923, pág. 150).

Segundo Jorge Miranda(Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 88) são três os aspectos que mais ressaltam na observação do sistema judicial dos Estados Unidos, originados da Common Law:

  1. A singularidade da relação democrática entre os juízes e os cidadãos e a elevada autoridade social de que gozam;
  2. A complexidade proveniente da estrutura federal, com dualismo de tribunais, federais e estaduais(artigo III da Constituição);
  3. A predominância do Supremo Tribunal(formado por 9 juízes vitalícios, designados pelo presidente da República dos Estados Unidos com o “parecer e acordo do Senado”) e a unidade dos julgados que com ela se obtém, como explicou Eugene V. Rostow, The soverign Prerrogative: The Supreme Court and the Quest for Law, 1962);
  4. Como se tem de Hamilton(The federalista), nenhum preceito constitucional expresso confere este poder de garantia aos tribunais, prevê a judicial review. Não obstante, várias e sólidas são as razões para sustentar ao contrário: o poder legislativo é um poder constituído, que não pode ser exercido em contrário da Constituição, obra do poder constituinte; os tribunais só podem aplicar leis válidas e são inválidas as leis contrárias à Constituição, que é leis superior a todas as outras.

Observe-se a diversidade do sistema constitucional norte-americano de sistemas como o alemão, o francês, de formação constitucionalista, de que as leis e outros atos do Estado devem ser conformes à Constituição e não devem ser aplicados pelos tribunais em caso de desconformidade.

Nos Estados Unidos da América o poder de fiscalização não é um poder diferente do poder de jurisdição, é um poder normal dos juízes. Esse poder funciona, sobretudo:

  1. O sistema, nos Estados Unidos da América, funciona sobretudo por via incidental; em qualquer pleito em tribunal, uma ou ambas as partes ou o próprio juiz poderão arguir de inconstitucionalidade a lei aplicável, suscitando questão prejudicial. Essa a tradição brasileira, desde 1891, com as lições de Rui Barbosa e Barbalho;
  2. A lei não é anulada, mas considerada uma não lei, nula, nem sequer o Supremo Tribunal exige que o Congresso declare a lei sem valor, é como se nunca tivesse sido votada. No Brasil, a atual Constituição manteve o sistema inaugurado com a Carta de 1891 com as inovações advindas com a Lei Suprema de 1934, e nesse contexto qualquer juiz ou tribunal, no exame de um caso concreto envolvendo interesses subjetivos em conflito, pode proferir decisum resolvendo uma questão constitucional que valerá apenas para os litigantes (inter partes), salvo se após a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal o Senado, através de resolução, suspender o ato normativo considerado inconstitucional, quando a partir de então passará a produzir efeito erga omnes;
  3. Em 1803, a judicial review foi posta em prática pela primeira vez, no acórdão do caso que decidiu o caso “marbury vs. Madison”;

De 1803, para cá os autores destacam três fases distintas:

  1. Até cerca de 1880, a preocupação maior é a da Defesa da unidade dos Estados Unidos e a fiscalização serve de arbitragem entre a União e os Estados federados;
  2. De 1880 a 1935-1937, o Supremo interpreta a Constituição num sentido conservador da ordem liberal capitalista e afirmou a sua autoridade frente ao poder legislativo, sendo então que se fala em “governo dos juízes”, quando o juiz Hugles, que foi presidente da Suprema Corte, dizia: Somos regidos por uma Constituição, mas são os juízes que dizem o que é a Constituição”;
  3. Desde 1954, com o caso Brown vs. Board of Education, da essência na luta por ações afirmativas, houve a preferência à salvaguarda da propriedade, dedicando-se, mas com algumas oscilações, à tendência à salvaguarda da liberdade política e da igualdade racial, como explicou Charles H. Shelson(A century of judging, A political history of the Washington Supreme Court, 1988).

Anotou ainda Jorge Miranda(obra citada, pág. 90) que como escreveu Rogério Soares, seguindo Gerhard Leibholz, que  quando a jurisprudência americana interpreta as cláusulas constitucionais da “Equal Protection of the Law”, tradicionalmente supõe-nas compatíveis com o juízo de que “os negros podem ser tratados “equal but separate”; todavia, em 1954, o Supremo vem declarar “que a educação separada é uma violação do princípio da igualdade”.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos