A greve como instrumento de garantias sociais

21/07/2018 às 11:21
Leia nesta página:

Analisa os aspectos históricos básicos da greve, diferenciando-a do lockout, além de apresentar breves considerações sobre os principais pontos relacionados à matéria.

INTRODUÇÃO, CONCEITO E ORIGEM

A palavra “greve” é oriunda de “graveto”, e surge em uma praça na cidade de Paris, local onde os operários faziam suas reuniões quando estavam descontentes com suas condições de trabalho ou quando necessitavam de mão de obra. Até 1890, conforme o nosso Código Penal, ela era proibida e conceituada como delito. Cada legislação visualiza a greve diferentemente, dependendo da forma como é entendida: ou como um direito, ou como uma liberdade, ou como uma proibição que enseja no cometimento de um crime.

A Constituição de 1937, por exemplo, enxergava a greve e o lockout como recursos “antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da população nacional”. Posteriormente, surge o Decreto-Lei n.º 9.070/46, o qual vem a admiti-la nas atividades acessórias; no entanto, a greve continuava vedada nas atividades fundamentais. Verifica-se, portanto, que o instituto da greve só vem a ser reconhecido a partir da Constituição de 1946, momento na qual passa a ser considerada um direito do trabalhador, o qual teve sua matéria regulada efetivamente em meados de 1964.

Define-se lockout como a paralisação realizada pelo empregador com o intuito de exercer pressões sobre os trabalhadores, a fim de frustrar negociação coletiva ou dificultar o atendimento de reivindicações (art. 17 da Lei nº 7.783/89). Tal proceder é expressamente vedado, uma vez que diz respeito à interrupção do trabalho pelo empregador com objetivo de frustrar as negociações trabalhistas, e não protestar contra alguma coisa.

No que diz respeito à proibição da greve em serviços público e atividades essenciais, o tema só foi abordado no Decreto-Lei n.º 1.632/78, enumerando então as chamadas atividades essenciais, tais como serviços de água e esgoto, energia elétrica, petróleo, etc. Na atual Carta Magna, o que se verifica é o direito de greve plenamente assegurado, “devendo os trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”, conforme preceitua o seu art. 9º. Adentrando nos parágrafos, verifica-se que a lei determinará as atividades essenciais e disporá sobre os atendimentos das necessidades inadiáveis da comunidade (§1º); da mesma forma, os abusos cometidos sujeitarão os responsáveis às determinações da lei (§2º).

O direito à greve também se estende aos servidores públicos, conforme regra o art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual eles poderão exercê-lo, nos termos e nos limites definidos em Lei específica; aos militares, contudo, fica afastado o direito de sindicalização e de greve (art. 142, §3º, IV).

Conforme a Lei n.º 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve e define as atividades essenciais, a fim de melhor conceituar o assunto, vê-se a greve como uma suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador (art. 2º). Trata-se de suspensão coletiva, uma vez que a suspensão do trabalho por somente um operário não constitui greve, ensejando, de outra banda, a possibilidade de este ser dispensado por justa causa. Outrossim, deve esta suspensão ser temporária e de caráter não definitivo, a fim de não acarretar a cessação do contrato de trabalho. Esta paralisação deve necessariamente ser pacífica, sendo vedado o emprego de violência a pessoas ou coisas, e pode ocorrer de maneira total ou parcial, abrangendo toda a empresa ou apenas alguns de seus setores/seções.

Logo, conclui-se que, a rigor, o direito de greve é assegurado apenas ao trabalhador subordinado e ao trabalhador avulso, e não ao trabalhador autônomo. Ainda, deverá ser feita perante o empregador, sendo vedado o seu exercício contra terceiros. Em suma, a Constituição Federal considera a greve como um direito social do trabalhador, visando a atingir certos objetivos, que podem ser políticos, de solidariedade, dentre outros, sendo cabível salientar que a Lei n.º 4.330/64 proibida a greve política e de solidariedade.


EFEITOS DA GREVE

As greves podem provocar dois diferentes efeitos no contrato de trabalho: sua suspensão ou sua interrupção. Haverá suspensão do contrato de trabalho se não ocorrer o pagamento de salários e tampouco a contagem de tempo de serviço; por outro lado, haverá interrupção quando o tempo de serviço e o pagamento de salários forem computados normalmente.

No mais, as greves podem ser classificadas de diferentes formas. Por exemplo, tem-se as greves lícitas e ilícitas. As primeiras são as que atendem às determinações legais, enquanto que greves ilícitas, por sua vez, não as obedecem. As greves abusivas são aquelas nas quais se cometem abusos que vão contra as normas, enquanto que as não abusivas são aquelas exercidas dentro das previsões da legislação, sem excessos.

Quanto ao seu exercício, pode a greve ser contínua, intermitente (greve de curta duração que pode ser repetida várias vezes em várias etapas) ou branca (modalidade na qual o trabalhador fica em seu posto de trabalho, contudo, sem prestar serviços).

O titular do direito à greve é o trabalhador, competindo a ele decidir quais são os interesses a serem defendidos através da reivindicação feita, bem como sobre a oportunidade do exercício do direito de greve e qual o momento conveniente/oportuno de deflagrá-la (art. 1º da Lei n.º 7.783).

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No que diz respeito à legitimidade para instaurá-la, incumbe à organização sindical dos trabalhadores, haja vista se tratar de direito coletivo. Antes de deliberar sobre a greve, é necessário que haja negociação coletiva com vistas a tentar solucionar o conflito coletivo; assim, tem-se que a negociação coletiva é fase que antecede a greve, sendo esta etapa preliminar uma condição para o exercício deste direito. Podem as partes, neste momento, eleger árbitros para solucionar a pendência entre elas, sendo que, acaso frustrada a negociação coletiva ou na impossibilidade da arbitragem, será então facultada a cessação coletiva do trabalho, nos termos do art. 3º da Lei n.º 7.783/89.

Ainda, pelo que expõe o art. 114, §2º, da Constituição Federal, em havendo recusa das partes em proceder à negociação ou à arbitragem, será facultada a instauração do chamado “dissídio coletivo”.

A entidade sindical dos trabalhadores deverá convocar a assembleia-geral, a quem incumbe definir as reivindicações da categoria e deliberar sobre a paralisação coletiva. No que se refere ao aviso-prévio de greve, deverá este ser fornecido com uma antecedência mínima de 48 horas ao sindicado patronal ou aos empregadores, conforme preceitua o art. 3º da referida Lei. Contudo, em se tratando de serviços ou atividades essenciais, a comunicação deverá ser feita aos empregadores e aos usuários com uma antecedência mínima de 72 horas (art. 13).

Ainda no que se refere às atividades essenciais, é importante ressaltar que a Constituição Federal não proíbe a greve neste tipo de atividade; no entanto, determina que lei especial defina quais são os serviços ou atividades essenciais, o que foi efetivamente feito pela Lei n.º 7.783/89, no seu art. 10, o qual considera taxativamente serviços ou atividades essenciais: (a) tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; (b) assistência médica e hospitalar; (c) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; (d) funerários; (e) transporte coletivo; (f) captação e tratamento de esgoto e lixo; (g) telecomunicações; (h) guarda, uso e controle de substâncias radioativas; (i) controle de tráfego aéreo; (j) compensação bancária.

Conforme o art. 11 desta Lei, nos serviços ou atividades essenciais, os sindicados, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a paralisação, a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, aquelas que, se não atendidas, possam colocar em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. A título de exemplo, pode-se mencionar a distribuição de remédios durante greve que ocorresse nas farmácias.


DIREITOS E DEVERES DA GREVE

Quanto aos direitos e deveres dos envolvidos na greve, verifica-se que, conforme o art. 6º, são direitos dos trabalhadores, dentre outros:

(a) o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

(b) a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento, etc. Este segundo direito visa a assegurar a comunicação e informação sobre a greve, a fim de que ela possa ser efetivamente propagada; pode ela também ser divulgada por meio de megafones, panfletos e cartazes, desde que não sejam ofensivos ao empregador.

No entanto, consigne-se que a sabotagem, ou seja, o emprego de meios violentos de modo a causar danos ou destruição de bens, não será permitida, uma vez que a greve, conforme já dito, deverá ser feita de maneira pacífica.

Em não sendo observadas as determinações da Lei n.º 7.783/89, considerar-se-á abuso de direito, ensejando em responsabilidade nos âmbitos trabalhista, civil ou em penal. Assim, via de regra, durante a greve, não poderá o empregador rescindir o contrato de trabalho dos empregados, tampouco admitir trabalhadores substitutos, salvo para contratar os serviços que sejam necessários à manutenção de máquinas e equipamentos durante a paralisação.

Contudo, o trabalhador que se exceder em sua manifestação, configurando o abuso de direito retromencionado, poderá vir a ser demitido por justa causa, com fulcro no art. 482 da CLT, que elenca as hipóteses.

Por fim, cumpre salientar a possibilidade de que o servidor público exerça o seu direito de greve, o qual será feito nos termos e limites de uma Lei específica, que não poderá impedi-lo ou inviabilizá-lo, haja vista se tratar de direito constitucional. No entanto, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, enquanto não for editada a referida lei específica, seguem as mesmas disposições aplicadas à Lei n.º 7.783/89.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Negociação coletiva dos servidores públicos. Belo Horizonte: Forum, 2011.

GOMES, Orlando e GOTTSCHALK Elson, Curso de Direito do Trabalho. Vol. I. Rio de Janeiro:Forense. 1981. p. 454.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008

SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. 1. São Paulo: Ltr, 2003, p. 281 e 301

VIANA, Márcio Túlio. Da greve ao boicote: os vários significados e as novas possibilidades das lutas operárias. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 49, n. 79, p. 101-121, jan./jun. 2009.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado para a disciplina de Direito do Trabalho II, do curso de Direito, da Universidade Univates.

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