Pode parecer sofisma, mas dissertarei sobre a possibilidade de tais expressões, desonrosas, não serem mais usuais para ofender ninguém e, claro, não serem consideradas crimes, no ordenamento jurídico pátrio. Calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140) são crimes contra a honra (Capítulo V, do Código Penal).
Calúnia e difamação têm a ver com a “honra subjetiva da pessoa, sua autoestima e o sentimento que tem de seus próprios atributos. Honra subjetiva, é auto estima que a pessoa tem, o juízo que faz de si mesma em razão de seus atributos. Honra objetiva, é o conjunto que o indivíduo tem no meio social em que vive, evidenciando o juízo que os demais fazem de seus atributos. É a reputação da pessoa. E também chamada por alguns autores de honra externa”. (ANDREUCCI, 2012, p. 347. e 350)
Injúria é “a honra subjetiva da pessoa, sua autoestima e o sentimento que tem de seus próprios atributos. É a autoestima que a pessoa tem, o juízo que faz de si mesma em razão de seus atributos”. (ANDREUCCI, 2012, p. 347. e 350)
O que é honra?
Honra quer dizer respeito ao próximo, como o respeito dos filhos aos pais, estes aos filhos. Porém vai muito além disso, como o respeitar pessoas que não fazem parte do âmbito familiar. Existem também o conceito íntimo que o próprio indivíduo possui de si em relação à sociedade. O conceito de honra, assim como desonra, depende, claro, dos fatores históricos culturais de cada sociedade. Nenhum indígena se importaria, jamais teve contato com qualquer civilização, de andar pelado, muito menos o civilizado que frequenta “praia de nudismo”. No entanto, se algum cidadão brasileiro quisesse andar pelado em pleno centro empresarial, de qualquer cidade, logo seria preso e, posteriormente, dependendo das condições de relatividade de sua condição mental, condenado por atentado ao pudor. Este cidadão “desonrou” todos os demais cidadãos que estavam presenciando a nudez, porque esta é representada como “desonra” para a sociedade. Essa “desonrada” tem a ver com dogmas e tabus religiosos, dadas as circunstâncias histórias do Brasil, a influência da Igreja Católica, já que no século XV, e séculos posteriores, o Cristianismo preponderou no Ocidente, e sexualidade fora totalmente estigmatizada.
O início do rompimento com os dogmas religiosos
Sigmund Freud, o filho de Satã, o impuro, o obsceno, o sortílego. Sim, o pai da psicanálise, na época do “tudo é pecado e monstruoso à sexualidade humana”, foi amplamente condenado pela sociedade, e até pelos intelectuais das áreas de saúde. O pudor era tanto que tudo era associado ao sexo, como na Inglaterra, que vestia as pernas das mesas e cadeiras. Kama Sutra? Somente de forma escondida entre quatro paredes, além disto, algum dos cônjuges poderia delatar o outro às autoridades, já que tamanha indecência não poderia estar presente na sociedade ocidental da “pureza” e do “sagrado”. Porém, Kama Sutra, para os ocidentais, é tão somente um livro de cenas de obscenidades, que deve ser, sumariamente, combatido pelo Estado Religião, e não um livro de relações humanas, onde sexo, amor, religiosidade e família podem conviver harmoniosamente.
Outro “despudorado” que enfrentou o ocidente foi Alfred Kinsey. Kinsey demonstrou que existia vida, e não pecado, nos homossexuais, que a sexualidade humana se apresenta de várias formas. No coração do ocidente, nos EUA, a sexualidade fora colocada à luz de todos os norte-americanos. Masturbação não era doença, as mulheres sentiam prazer e o sexo deveria ser comentado entre os casais, de forma natural, e não (considerada) transgressora dos bons costumes. Freud e Kinsey romperam os dogmas e tabus do Estado Religião, mesmo que o Estado, oficialmente, não era Religião, mas Democrático — lei de papel.
Sexualidade e dignidade humana
Se a sexualidade humana, posteriormente, foi usada para vender revistas de mulheres peladas, ou criar megaindústrias cinematográficas pornô, isto não tem nada a ver com os estudos sobre sexualidade humana, mas tão somente ao Capitalismo. Que fique claro. Há enorme diferença entre estudos sobre sexualidade, e melhorar a qualidade de vida do ser humano, e exploração da sexualidade humana, com intuito de excitar a libido e promover o consumismo de produtos meramente “ejaculou, e pronto”. Os estudos sobre sexualidade humana não estão desentranhados dos cuidados com à saúde física e mental. Comportamentos de risco, como o não uso de preservativos, para se evitar doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), não usar drogas, lítica ou ilícita, como meio de aumentar a libido, ou esquecer da vida, com a perda dos sentidos, não faz parte da sexologia — muitos pensam que sexologia é ciência que conduz a humanidade à pedofilia, à traição conjugal. Educação sexual nos estabelecimentos de ensino é prevenção contra DSTs e gravidez precoce — e não menos importante, a prevenção contra estupros, já que sexualidade não combina com violação da dignidade humana.
Os novos tempos
A sexualidade humana, a partir do século XX, no ocidente, foi menos chancelada de monstruosidade ou antro de perdição, muito menos a entrada para a dominação de Satã. Conquanto demorou muito para que a sexualidade fosse considerada realmente natural à espécie humana. Mulheres, principalmente elas, tiveram a carta de alforria à sua sexualidade. A sexualidade feminina passou a ser normal, e, contemporaneamente, não mais um habitáculo de pecado a descaminhar os homens. Por sua vez, a mulher tem a liberdade de dizer “não” ao ato sexual — muito diferente do período do Império (colonização), onde a mulher era obrigada a saciar a lascívia do marido — e de tomar iniciativa, como convidar algum homem para uma noite em tempo de inverno. Quantos aos LGBTs, ainda há muito o que percorrer para serem alforriados dos dogmas religiosos, ainda impregnados no Estado, que é democrático, porém atua como Estado Religião. Não se pode confundir sexualidade com libertinagem. A sexualidade é inerente ao ser humano, qualquer que seja. Freud demonstrou que a sexualidade reprimida causa inúmeras neuroses. Por sua vez, a educação sexual é ponto de partida para qualidade de vida, sem os riscos (prevenção), inerentes, ao sexo, sem proteção. Se há libertinagem não é pela liberdade sexual, mas como esta liberdade está sendo transmitidas ao público. O Instituto Kinsey fez pesquisa sobre jovens norte-americanos e comportamento sexual. Influenciados por celebridades, que abusam da sensualidade, chegando ao erotismo, e pelas publicidades (Capitalismo e consumismo à felicidade), de que ter dinheiro é ter felicidade, muitos recém-adultos partem para a indústria pornográfica, mesmo de classe social média, para conseguirem “fama”, “dinheiro”, “prestígio”. A promessa de ascensão social — ganhar dinheiro fazendo filmes pornôs — é o caminho mais rápido, de que ficar anos numa Universidade, que no final, ainda deixa os recém-formados com dívidas, já que a maioria das Universidades norte-americanas são privadas, e os custos para se estudar nas Universidades privadas são altíssimos.
Novo conceito sobre sexualidade, novo comportamento
Aqui concluo o artigo. Os termos usados no cabeçalho tenderão a diminuir, e perde as suas concepções puritanas. Se a sexualidade humana não é mais considerada como ação demoníaca, e muito menos doença pela medicina, "puta", "viado" e "corno" não terão mais o porquê de existir numa sociedade humanizada, não embrutecida. A pessoa que for chamada de “puta”, quando a sociedade romper, definitivamente, com a ideologia “cruz e espada”, não se sentirá ofendida (honra pessoal), porque a própria sociedade (honra social) já entende que cada qual faz o que bem quiser. Isso não quer dizer, como alguns leitores irão logo pensar, que qualquer pessoa poderá arriar as calças e ter relações sexuais num banco de praça. Sempre haverá um limite nas ações, principalmente porque nos logradouros públicos passam crianças. E como o ser humano não é perfeito, tal situação plena de liberdade — fazer em logradouro público — poderá colocá-las em perigo. Acredito que abusadores sexuais sempre existirão; tenderão diminuir quando houver educação sexual consubstanciada com os direitos humanos, o que evitará abusos sexuais diversos, principalmente em crianças. Muitos dos abusadores e estupradores também foram abusados ou estuprados quando crianças. Lembrando que pedofilia é doença, muito diferente de quem não é pedófilo, mas age como tal.
Contemporaneamente, a poliafetividade tem sido aceita, não punida por ordenamentos jurídicos, em alguns países ocidentais, como forma de liberdade sexual e afetiva, inerentes ao ser humano e respaldado nos direitos humanos.
Se a Carta Política de 1988 principia a dignidade humana (art. 1º, parágrafo único) e objetiva este princípio (art. 3º), consubstanciado ao fato de que o Estado brasileiro permite que Tratados Internacionais de Direitos Humanos (TIDH — art. 5º, §§ 2º e 3º) sejam albergados no ordenamento jurídico pátrio — porém, com a ruptura definitiva do Estado Democrático de Direito (ordenamento jurídico) com o Estado Religião (alguns membros da sociedade e, principalmente, do Congresso Nacional) — a expressão “corno”, por exemplo, caso o marido aceite que sua mulher tenha outro parceiro, e participe da vida conjugal, deixará de ser ofensivo, perdendo a chancela de “desonroso”, “pecaminoso”, no âmbito social e, consequentemente, no ordenamento jurídico, ou primeiro no ordenamento jurídico e, consequentemente, na sociedade. Lembrando que poliafetividade é consentimento, livre, de ambos partícipes, e não uma escolha (imposição) unilateral.
Quanto à expressão “puta”, ela está associada a mulher “fácil” da vida, ou seja, meretriz. Conquanto tal palavra — mulher que pratica sexo em troca de dinheiro ou prostituta —, se observada ao pé da letra, também se aplica a própria constituição da doutrinação social de mulher “honesta”, que não mais se tem no ordenamento penal. As mulheres eram ensinadas a serem inferiores aos homens, sendo estes seus senhores, em tudo. Genitores desejavam o melhor para as filhas, e este melhor era casar com homem elegante e dotado de patrimônios. Justificável, pois, sem liberdades às quais as mulheres têm contemporaneamente, o sexo feminino era totalmente dependente do homem para sobreviver. A mulher que fosse expulsa pelo marido, por qualquer motivo, que ele achasse “justo”, não teria muitas escolhas para sobreviver, a maioria delas iam pedir abrigo em “casas da perdição”. Sem saída, a filha era obrigada a se casar com o “melhor” cavalheiro (patrimônio), sendo que ela teria que acatar as lascívias do marido, sem recusar em nenhum momento. É, ou não, um tipo de prostituição? A única diferença da “puta” de vários homens, para a “puta” da mulher “da sociedade”, é que esta era “puta” de um só homem. Aprofundando-se mais ainda no tema, caso a mulher, antes das liberdades sexuais à mulher, por movimentos feministas, falasse que sentia tesão, mesmo sendo “mulher honrosa da sociedade”, o marido achava que sua mulher estava se comportando como “puta”. Não é à toa que os locais onde se praticavam a prostituição (alcoice, bordel, lupanar) serviam para os cavalheiros saciarem suas lascívias com as “desonradas” mulheres “da vida fácil”.
Tais palavras causaram, pelos respectivos significado, discriminações, perseguições e até mortes. Ou se avança, para os direitos humanos, ou se retrocede, aos tempos sombrios dos tabus, dogmas e superstições.
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