DIREITO NATURAL DE ORIGEM DIVINA E DE ORIGEM HUMANA E AINDA A IMPROBIDADE
Rogério Tadeu Romano
I – O DIREITO NATURAL DE ORIGEM HUMANA
O direito natural de origem divina era a ação da lei natural revelada, independentemente da vontade humana, “demonstrando a obra da lei escrita em seus corações(dos homens), e os pensamentos interiores, que uma vezes os acusam e outras os defendem.
Santo Agostinho(354 – 430) foi o primeiro teórico do direito natural de origem divina cristã, com a sua tricotomia – “lei eterna”, “lei natural” e “lei positiva”. A primeira era a própria “Lei de Deus; a segunda, a revelada, “segundo a Lei de Deus”; e a terceira, a estabelecida pelos homens “conforme a lei natural”(De libero arbítrio, Lib. I, Cap. 6, De Civitate Dei, Lib. XXII, Cap. II). Essa hierarquia de leis assegurava a “ordem universal” e fazia da “lei eterna” a lei das leis, a essência das essências, o fundamento dos fundamentos legais.
São Tomás de Aquino(1227 – 1254) seguiu, nesse particular, na esteira do pensamento agostiniano, um desenvolvendo-o orgânica e sistematicamente, ao estabelecer os seus postulados fundamentais, entre os quais destacamos: a) a regra primeira da razão é a lei natural; b) o direito é regra da razão, logo lei natural; c) toda lei positiva deve derivar da lei natural, para que seja legítima(Summa Theologica, Quest. 95, artigo 2º, Resp.). A sua vez, lei natural era “a participação da lei eterna na criatura racional”, e lei eterna “a razão mesma do governo das coisas”, isto é, Deus. De onde, o grande conceito de lei jurídica, ordinatio rations ad bonum commune princips promulgata, e a sentença que “a lei jurídica, que não se acorde com a lei natural é corrupção da lei”, e, por isso, não merece respeito. Ainda, há condenar a rebelião contra o tirano que atenta contra o bem comum(De Regimine Principium, I, VI; Summa Theologica, Quest, 42, artigos 2º 3º).
II – O PENSAMENTO DE NIETSCHE
Nietzsche, ao estudar esse pensamento, falava de uma “eterna volta”, como sentido de evolução.
Suas ideias-chave incluíam a crítica à dicotomia apolíneo/dionisíaca, o perspectivismo, a vontade de poder, a "morte de Deus", o Übermensch (Além-Homem). Sua filosofia central é a ideia de "afirmação da vida", que envolve questionamento de qualquer doutrina que drene uma expansiva de energias, não importando o quão socialmente predominantes essas ideias poderiam ser. Seu questionamento radical do valor e da objetividade da verdade tem sido o foco de extenso comentário e sua influência continua a ser substancial, especialmente na tradição filosófica continental compreendendo existencialismo, pós-modernismo e pós-estruturalismo. Suas ideias de superação individual e transcendência além da estrutura e contexto tiveram um impacto profundo sobre pensadores do final do século XIX e início do século XX, que usaram estes conceitos como pontos de partida para o desenvolvimento de suas filosofias. Mais recentemente, as reflexões de Nietzsche foram recebidas em várias abordagens filosóficas que se movem além do humanismo, por exemplo, o transumanismo.
Nietzsche começou sua carreira como filólogo clássico— um estudioso da crítica textual grega e romana— antes de se voltar para a filosofia. Em 1869, aos vinte e quatro anos, foi nomeado para a cadeira de Filologia Clássica na Universidade de Basileia, a pessoa mais jovem a ter alcançado esta posição. Em 1889, com quarenta e quatro anos de idade, sofreu um colapso e uma perda completa de suas faculdades mentais. A composição foi posteriormente atribuída a paresia geral atípica devido a sífilis terciária, mas este diagnóstico vem entrado em questão. Nietzsche viveu seus últimos anos sob os cuidados de sua mãe até a morte dela em 1897, depois ele caiu sob os cuidados de sua irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche, até falecer, em 1900.
Como sua cuidadora, sua irmã assumiu o papel de curadora e editora de seus manuscritos. Förster-Nietzsche era casada com um proeminente nacionalista e antissemita alemão, Bernhard Förster, e retrabalhou escritos inéditos de Nietzsche para se adequar a ideologia de seu marido, muitas vezes de maneiras contrárias às suas opiniões expressas, que estavam fortemente e explicitamente opostas ao antissemitismo e nacionalismo. Através de edições de Förster-Nietzsche, o nome de Friedrich tornou-se associado com o militarismo alemão e o nazismo, mas estudiosos posteriores do século XX vêm tentando neutralizar esse equívoco de suas ideias
Disse ele:
“O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã?” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §125.”
É só com a morte de Deus e o pensamento do Eterno Retorno que temos finalmente a chance de criar novos e autênticos valores para nós. Apenas os Espíritos Livres conseguem dançar neste velório. Sem ninguém para dizer o que é certo e errado, bem ou mal, temos plena liberdade para decidir por nós mesmos, eis a bênção de nosso audacioso ato! Aqui está toda a importância da afirmação de Nietzsche: adquirimos agora a responsabilidade e a felicidade de sermos autores de nossa própria vida. Um mar de possibilidades se abriu!
O sentido de nossa jovialidade – O maior acontecimento recente – o fato de que a crença no Deus cristão perdeu o crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa. Ao menos para aqueles poucos cujo olhar, cuja suspeita no olhar é forte e refinada o bastante para esse espetáculo, algum sol parece ter se posto, alguma velha e profunda confiança parece ter se transformado em dúvida: para eles o nosso velho mundo deve parecer cada dia mais crepuscular, mais desconfiado, mais estranho, ‘mais velho'” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §343.
O niilismo ativo, último estágio do niilismo, é o grande momento esperado por Nietzsche, o grande Sim que o filósofo legislador dá para a possibilidade de executar sua maior tarefa: criar. O que ele quer é que nos tornemos criadores reais para dar conta da morte do criador fictício! Só assim nos tornamos dignos o bastante desta grandiosa marcha fúnebre! Somente se nos tornarmos criadores seremos dignos da morte de Deus!
Talvez soframos demais as primeiras consequências desse evento – e estas, as suas consequências para nós, não são, ao contrário do que talvez se esperasse, de modo algum tristes e sombrias, mas sim algo difícil de descrever, uma nova espécie de luz, de felicidade, alívio, contentamento, encorajamento, aurora…” – Nietzsche, A Gaia Ciência, §343.
Todos os deuses devem morrer para de suas cinzas extrairmos novos valores! “O que Nietzsche queria era que se passasse, enfim, às coisas sérias. Fez doze ou treze versões da morte de Deus para não se falar mais disso, para torná-la um acontecimento cômico” (Deleuze&Guattari, O Anti-Édipo, p. 145). Aí está a importância da morte de Deus que nem mesmo os ateus do tempo de Nietzsche souberam encontrar.
Sendo assim, mesmo que Deus exista, é importante que nós o matemos, para andar com nossas próprias pernas! Ou como diria Bakunin, a única maneira de Deus servir à liberdade humana seria se ele simplesmente cessasse de existir. Pois bem, somos o filho que cresceu e quer agora libertar-se. Nem Deus nem mestre! Não podemos mais nos esconder atrás da sombra divina e dizer “Deus quis assim” porque agora a responsabilidade é toda nossa! Tanto para desfazer as verdades antigas quanto para criarmos novas e melhores formas de dizer Sim à vida! Viva a morte de Deus!
De fato, nós, filósofos e ‘espíritos livres’, ante a notícia de que ‘o Velho Deus morreu” nos sentimos como iluminados por uma nova aurora; nosso coração transborda de gratidão, espanto, pressentimento, expectativa – enfim o horizonte nos aparece novamente livre, embora não esteja limpo, enfim os nossos barcos podem novamente zarpar ao encontro de todo perigo, novamente é permitida toda a ousadia de quem busca o conhecimento, o mar, o nosso mar, está novamente aberto, e provavelmente nunca houve tanto ‘mar aberto’“ – Nietzsche, Gaia Ciência, §343
III – DIREITO NATURAL DE ORIGEM HUMANA
Mas o divinismo cristão agostiniano-tomista ressuscitiu no século XVI, com o padre dominicano Francisco de Vitória(1483 – 1546) e o jesuíta Francisco Suárez(1548 – 1617). O primeiro, um dos fundadores do Direito Internacional Público, atualizou o pensamento da Renascença e da rebeldia da Reforma, movimentos de cultura e de fé contra a escolástica. Vitória, em suas aulas magnas, que foram publicadas na Universidade de Salamanca, publicada com a denominação Relectiones Theologicae, 1557, sustentou que “a lei jurídica se apoiava na lei natural”, sendo que esta se originava de “potentia absoluta”, e aquela, da potentia ordinata. O “poder absoluto” – o poder dos poderes – era o poder de Deus; e o “poder ordenado” – o poder derivado – o poder dos homens. Aquele disciplinava as forças da natureza através das leis naturais, e este, as da sociedade por intermédio das leis jurídicas – estando estas subordinadas àquelas.
Suárez, em Tractatus de ligibus ac Deo Legislatore(1912), seguiu o rumo vitoriano, enfatizando, no entanto, “o direito de insurreição contra os tiranos” que descumprissem as leis estabelecidas, ou mesmo contra “as leis injustas”, impostas pelos tiranos e atentatórias das “leis naturais”, pelo que não mereciam respeito(Defensio fidiei, Cap. III, n. 3), como já havia admitido São Tomás de Aquino.
Por sua vez, Grotius(1583 – 1645) viu o primado do divinismo cristão ser substituído pelo primado do humanismo jusnaturalista, com a substituição da “razão de Deus” pela “razão dos homens”, como essência do direito.
Grotius(De iure belli ac pacis, 1625) sustentava: a) que a recta ratio é a verdadeira essência do direito; b) que o direito natural é uma regra que a recta ratio nos sugere; d) que o direito natural é de tal modo imutável quem nem Deus pode muda-lo; d) que o direito natural existiria ainda que Deus não existisse.
Para Puffendorf(1632 – 1694) o humanismo jusnaturalista traduzia-se nestes postulados: a) a lei jurídica é um vínculo entre as pessoas; b) a lei jurídica constrange a liberdade natural; c) a liberdade natural não escapa à ação da lei natural; d) consequentemente, a lei jurídica está correlacionada com a lei natural(De iure naturae et gentium, Lib. I, Cap. IV, § 3º, et Lib. II, Cap. II, § 4º).
Finalmente, com Thomasius(!655 – 1728), começou a manifestar-se a primazia da razão sobre a natureza, em antítese ao pensamento de Spinoza e numa antevisão do pensamento de Kant, via uma independência do Direito(disciplina de fórum externo) em face da Moral(disciplina do fórum interno).
IV – DA MORALIDADE SOB O PRISMA CONSTITUCIONAL
Hoje, sob o império da Constituição de 1988, ao contrário de outras onde estava implicitado, hoje temos explicitado o princípio da moralidade pública, como conteúdo do direito público.
Um caso recente de afronta à moralidade, dentre tanta abundância de exemplos está traçado abaixo no site da PGR:
“A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) mandado de segurança com pedido de liminar para que seja suspensa a posse da deputada federal Euricélia Melo Cardoso (PP/AP). A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados a empossou em 19 de junho como suplente de um deputado do estado do Amapá que está de licença. Para a PGR, o ato da Casa Legislativa é ilegal e deve ser anulado porque Euricélia Cardoso possui duas sentenças transitadas em julgado por improbidade administrativa, que suspenderam seus direitos políticos. A parlamentar também foi alvo de quatro condenações definitivas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por ilícitos administrativos.
Encaminhado à presidente da Corte, ministra Carmen Lúcia, o mandado destaca que, para assumir o cargo, Euricélia Cardoso utilizou certidão emitida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE/AP) que apenas certifica a 5ª suplência para o cargo de deputado federal pela coligação A Força do Povo (PP/PDT/PMDB). No entanto, o documento não confere a ela a condição de elegibilidade. Para a PGR, trata-se de manobra utilizada por Euricélia para contornar a exigência de diplomação pela Justiça Eleitoral. “Euricélia Cardoso, surpreendentemente, tomou posse como deputada federal em total afronta às decisões judiciais transitadas em julgado e aos princípios moralizadores mais basilares do ordenamento jurídico”, reforça um dos trechos da peça.”
Far-se-á necessário elencar que “Licitude e Honestidade” são traços distintos entre o direito e a moral, visto que nem tudo que é certo é devidamente moral. Nessa perspectiva, convém evidenciar que alguns doutrinadores acreditam que a regra “moral” invadiu o direito público, sobretudo o Direito Administrativo, através do exame jurisdicional do desvio de poder, de modo que este passou a ser visto como uma hipótese de ilegalidade que estaria sujeita a controle judicial.
A moralidade administrativa possui diferença da moral comum, pois a aquela não obriga o dever de atendimento a esta, vigente em sociedade. No entanto, exige total respeito aos padrões éticos, decoro, boa-fé, honestidade, lealdade e probidade.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles declara que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.” ( Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Ed. Medeiros, 2012).
Um progresso de incomensurável relevância para o Princípio da Moralidade foi a Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92, que aborda as devidas sanções aplicáveis aos agentes públicos. Essa lei proporcionou uma base sólida às exigências impostas pelo princípio da moralidade.
Nessa perspectiva, Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que “também merece menção o artigo 15, inciso V, que inclui entre as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos a de “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º. Por sua vez, o artigo 5º, inciso LXXIII, ampliou os casos de cabimento de ação popular para incluir, entre outros, os que implique a moralidade administrativa” (Direito administrativo. São Paulo, 2009, pág. 77).
O artigo 20 da Lei 8.429/92 determina que “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.”.
O dispositivo garante ao indiciado que as sanções que devem ser aplicadas no artigo 12 daquela Lei de Improbidade somente sejam aplicadas pelo Poder Judiciário, respeitadas as garantias constitucionais e processuais e sugere, como alertou Marcelo Figueiredo(Probidade Administrativa, pág. 98) algumas reflexões. Disse ele: “De fato, a considera-lo comando imperativo, não caberia demissão por ato de improbidade em processo administrativo em caso de improbidade? Não cremos que o dispositivo tenha tal elastério. O que ele determina são “numerus clausus”. É dizer, as penalidades ou sanções aqui enunciadas – perda da função pública e suspensão dos direitos políticos – advindas, processadas e julgadas pelo Poder Judiciário, somente se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Em suma, existem vários veículos para a perda do cargo; o judicial não é o único. Assim, “v.g”, há demissão por improbidade nas hipóteses estatutárias(Lei 8.1112). A norma em tela apenas garante cláusula tradicional advinda do direito penal, segundo o qual somente com o trânsito em julgado, operam-se a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. “
O dispositivo em tela ao aludir à sentença condenatória refere-se à sentença condenatória penal ou civil? A condenação diz respeito à ação de improbidade e ainda da ação penal.
A garantia dos direitos políticos somente terá eficácia com o trânsito em julgado da sentença.
A própria Constituição da República estabelece a suspensão dos direitos políticos em decorrência de atos de improbidade administrativa e também exige a plenitude no exercício de tais direitos como condição da capacidade eleitoral.