Investidor-anjo: é possível investir com garantias sem infringir a lei

Leia nesta página:

A falta de esclarecimento da Lei Complementar 155/2016 fez surgir inseguranças quanto ao investimento em startups, mas há maneiras de assegurar o retorno do dinheiro sem burlar as normas estabelecidas para o mercado.

Quando se trata do mercado de inovação, as startups estão surgindo a todo o vapor. Para que elas saiam do estágio embrionário, muitas vezes, elas contam com investimentos que propiciam que seus projetos definitivamente saiam do papel. E, na intenção de que esse valor não seja considerado como receita e desenquadre as startups do Simples Nacional, o investidor-anjo surge para fomentar e incentivar esse mercado, porém com certas restrições. E as recentes mudanças de lei têm trazido incertezas e riscos para o incentivo à inovação.

Para entender o contexto desta nova legislação (Lei Complementar 155/2016), é proibido ao investidor-anjo ter poderes de administração da startup e direito de voto nas deliberações sociais da empresa investida. Mas, além de financiar, em geral, essa figura também acompanha a evolução e contribui com o negócio, através de seus conhecimentos e, principalmente, sua rede de contatos e influência. A legislação estabelece que esse investidor possa ser ressarcido ou remunerado de três formas: resgate do aporte após período mínimo de 2 anos e máximo de 7 anos; remuneração periódica, obtida ao final de cada período; e alienação da titularidade dos direitos do contrato de participação para os sócios ou para terceiros.

Essas regras de remuneração e resgate devem ser estabelecidas no contrato de participação. Porém, existem limites legais para isso: o valor pago a título de resgate do investimento não pode ultrapassar o valor do aporte corrigido; a participação do investidor nos resultados não pode ser superior a 50% dos lucros em cada exercício; e o investidor-anjo tem um prazo máximo de 5 anos para ser remunerado.

“Se não houver disposição em contrário, quem decide de forma absoluta sobre novos investimentos e distribuição de lucros são seus sócios, sem qualquer interferência do investidor-anjo. Ou seja, esse investidor pode, então, acabar refém dos sócios, uma vez que não tem poder para participar de forma direta nas decisões societárias da empresa e sua remuneração é restrita a correção monetária e distribuição de lucros durante o período definido em contrato (máximo de 5 anos).”, explica o advogado do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, Arthur Carvalhaes.

Apesar da aclamada tentativa de aproximar o Brasil do mundo dos investimentos em fomento a inovações e produções, consolidado em vários países, essas restrições e a falta de esclarecimento da Lei Complementar 155/2016 que incluiu no Estatuto da Micro e Pequena Empresa a previsão do contrato de participação para regulamentar a relação do investidor-anjo com microempresas ou empresas de pequeno porte, podem invalidar o investimento-anjo, pois tornaram elevada a insegurança quanto ao retorno do investimento, normalmente de alto risco, mas com altos ganhos, e a probabilidade de se tornar refém do negócio. “Então, quando o investidor identifica potencial em uma startup, pode acontecer de ele incentivar a mudança no modelo de negócio, tornando-se uma S/A, por exemplo, para que o retorno do dinheiro seja mais rápido e seguro. Porém, essa postura nem sempre é benéfica, pois traz a necessidade do pagamento de altos encargos que como Simples Nacional não se faz necessário e, em larga escala, o movimento pode diminuir o ritmo das inovações ao dispor de menos crédito para o ecossistema das startups.”, esclarece a advogada do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, Andrea Bittar.

Então, como garantir o investimento sem burlar a legislação para evitar perdas no campo da inovação? Como saída, essa relação pode basear-se em outros métodos de aporte, como, por exemplo, contrato de mútuo e aquisição de participação societária.

“Caso opte pelo contrato de mútuo, o investidor fará jus à remuneração previamente definida (juros) e não figurará como sócio da empresa. O mútuo pode ser conversível em participação societária, se assim definido em contrato.”, orienta o advogado, que acrescenta: “Já no aporte de capital diretamente na sociedade mediante aumento do capital social e subscrição de novas quotas sociais, o investidor se torna sócio da investida e passa a ter todos os riscos, direitos e obrigações de sócio.”.

Neste cenário, o investidor é remunerado por meio de distribuição de lucros, proporcional a sua participação societária e eventual valor recebido em virtude da venda de suas quotas ou ações. Caso esta seja a opção escolhida, é importante firmar um acordo de sócios no momento do aporte para definir regras de governança, saída e retirada, venda de participação societária e sucessão dos sócios pessoas físicas, entre outras.

“Independente da forma de aporte escolhida, o investimento deve ser bem estruturado e o contrato redigido com objetivo de trazer maior conforto e segurança ao investidor-anjo. Para isso podemos, por exemplo, prever opção de compra e venda de participação ao investidor, impor certas métricas e obrigações aos sócios e ainda incluir períodos de lock up, impedindo a saída de determinados sócios durante o período do investimento.”, explica Andrea.

Então, a escolha do instrumento jurídico adequado para investimento dependerá do perfil de risco do investidor, seu grau de envolvimento com o negócio, enquadramento tributário e momento da empresa investida. Dessa maneira, o investidor-anjo poderá aplicar seu dinheiro na empresa que considera ter potencial assegurado do retorno do valor sem maiores esforços.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos