Opinião pública, opinião do público e opinião popular

30/07/2018 às 16:00
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É importante diferenciar as expressões opinião pública e opinião do público, posto que uma não se confunde com a outra, muito embora seja corrente, na linguística popular, a pseudo-sinonímia entre ambas.

Em essência, a primeira reflete a opinião publicada, divulgada e, portanto, formal, manipulada (ou, no mínimo, manipulável) por sua própria característica formalizante e continente, e, portanto, pode ser traduzida de uma inverdade.

“A verdade é uma mentira bem contada.” (ANDRÉ MIRANDA; Sobre a Boneca de Pano Emília de Monteiro Lobato, O Globo - Rio Show, 13/01/2018, p. 11)

“Muitas vezes a verdade é menos importante que a versão que se deseja acreditar.” (REIS FRIEDE; Fragmento de Palestra proferida na Escola Superior de Guerra sobre o Poder Judiciário no século XXI, em 02/08/2017)

A segunda, ao contrário, possui o conteúdo (e não apenas o continente ou o envoltório da forma), a substância e, por que não dizer, o mérito do substrato último da genuína opinião, ainda que oculta, por não manifesta (e, por esta específica razão, não passível de qualquer tipo de distorção ou mesmo manipulação).

A opinião do público é, nesse aspecto, a opinião do povo (transcendendo o simples conceito de opinião popular), diferentemente da opinião pública que, na maioria dos casos, é simplesmente a opinião de alguém ou de algum setor da sociedade, em particular, interessado, única e exclusivamente, em legitimar (ou mesmo mascarar) a sua opinião privada, por meio da divulgação e, conseqüentemente, formalização (manipulada e distorcida) da opinião do público.

“A mídia cria diariamente a sua própria narrativa sobre o mundo e a apresenta ao público como se essa narrativa fosse a própria história do mundo. Os fatos, transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos, completos em si mesmos.” (JOSÉ ARBEX JR.; Telejornovelismo: Mídia e História no Contexto da Guerra do Golfo, São Paulo, USP, 2000, p. 67)

“(...) a opinião pública não nasce no abstrato. Forma-se a partir da informação de que dispõe a sociedade. Nesse sentido, a opinião pública é, na maior parte das vezes, filha dileta da opinião publicada e divulgada maciçamente pelos meios de comunicação.” (RENATO DE MORAES; Constituição, Doa a Quem Doer, O Globo, 02/06/2018, p. 17)

Aliás, nesse contexto analítico, nunca é demais lembrar a visão de MAX WEBER segundo a qual repetir a mentira por diversas vezes resulta em transformá-la em verdade, o que bem reflete a concepção da formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa, mormente nos países cujo regime político democrático é meramente aparente ou formal. Neste sentido, merece ser transcrito o apelo de JOSEMARÍA ESCRIVÁ em defesa do maior grau de responsabilidade dos homens à frente dos meios de comunicação.

“Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginações febris. Informem com fatos, com resultados, sem julgar intenções, mantendo a legítima diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É difícil que haja verdadeira convivência onde falta verdadeira informação; e a informação verdadeira é aquela que não tem medo da verdade e que não se deixa levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens econômicas.” (Fragmentos da entrevista concedida à ANDRÉS GARRIGÓ, publicada em Gaceta Universitaria, Madrid, 1967)

Ademais, resta oportuno consignar que opiniões (de modo geral) não exprimem certezas. Os fatos (ou seja, todos os acontecimentos inerentes à vida real) necessariamente possuem versões que são naturalmente traduzidas por narrativas que, entretanto, nem sempre correspondem à realidade. A narrativa que despreza o valor do conhecimento dos fatos reais, e que simplesmente é ofertada, - ocultando e/ou dissimulando interesses muitas vezes inconfessáveis -, representa exatamente o que se convencionou denominar de opinião pública, mormente nas sociedades pouco desenvolvidas, em que o valor da busca exaustiva pela verdade aparenta ser muito pouco atrativa (e mesmo pouco recomendável) por parte das elites dirigentes.

“Uma questão que intriga (...) é constatar da facilidade com que opiniões tendem a ser tratadas como certezas e o quanto tais certezas privam as pessoas de sua lucidez (...) Versões 'mais interessantes' ou 'mais agradáveis' tendem a substituir o interesse pela verdade. Muitas pessoas preferem uma narrativa que é oferecida pronta, no lugar da exaustiva, e por vezes dolorosa, busca da verdade dos fatos. (...)

Entretanto, sempre vale a pena valorizar o conhecimento dos fatos reais e entender a diferença entre uma constatação da realidade e uma mera opinião. É importante perceber com clareza a existência das armadilhas emocionais que, na nossa ambiciosa busca de certezas, nos levam a acreditar em ilusões como se fossem verdades inquestionáveis.” (LUIZ ALBERTO PY; Certezas Alheias, O Globo, 24/06/2018, p. 15)

Portanto, se é fato conclusivo que a liberdade de informação é um dos pilares fundamentais da democracia, é igualmente importante consignar que esta não se confunde com a ampla (e ilimitada) liberdade de opinião (típico do chamado "jornalismo opinativo"), ainda que esta última também seja, – mesmo que reconhecidamente em menor expressão (e envergadura) –, aspecto basilar do regime democrático.

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“A liberdade de informação (e não a liberdade de opinião) é dever do jornalista e direito do público.” (BARBOSA LIMA SOBRINHO; Presidente da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, em 17/07/2000, O Globo, 12/04/2018, p. 17)

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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