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A denúncia do tratado

30/07/2018 às 20:10
Leia nesta página:

A denúncia é ato unilateral que extingue o tratado apenas para o Estado denunciante, não afetando as demais partes. Porém, tratados de situação jurídica permanente são infensos à denúncia.

1. O CONCEITO DE DENÚNCIA DO DIREITO DOS TRATADOS

A exemplo da ratificação e da adesão, a denúncia é um ato unilateral, de efeito jurídico inverso ao que produzem aquelas duas figuras. Na linha de pensamento de J.F. Rezek (Direito Internacional Público, 1991, pág. 111), pela denúncia, manifesta o Estado sua vontade de deixar de ser parte no acordo internacional.

Os autores cuidam da denúncia dentre os meios de extinção dos tratados internacionais. Em verdade, o que se poderia dizer é que a denúncia é uma das formas de extinção dos tratados, uma vez que, sendo ato unilateral é ela inofensiva as demais pares no acordo coletivo mutalizável. Nesse caso, a denúncia nada mais é do que um meio de extinção dos tratado para o Estado que o denuncia e não para as demais partes.

Antes da Convenção de Viena o tratado silente sobre o tema da denúncia, mas que se deva reputar denunciável por sua natureza, dá ensejo a que o Estado retirante se entenda desobrigado tão logo dá notícia formal da denúncia aos copactuantes.

Na Convenção de Viena de 1969, entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um partícipe em dado tratado internacional exprime firmemente a sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriormente firmado. Ensinou Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 274) que a mesma difere da ab-rogação justamente pelo fato de ser levada a efeito unilateralmente por uma determinada parte do tratado, e não pela totalidade delas.

A denúncia por uma das partes no tratado bilateral extingue o acordo, ao passo que, nos tratados multilaterais os termos do pactuado deixar de surtir efeito tão-somente para o Estado que o denuncia, continuando a vigorar para as outras partes não sendo o tratado não-mutalizável.

Ensinou João Grandino Rodas (Tratados Internacionais, pág. 22 a 23), que os tratados que determinam situação jurídica permanente (tratados chamados reais ou dispositivos) são infensos à denúncia. Entretanto, nem todos os tratados em que ela seria admissível, preveem a possibilidade da denúncia unilateral.

Há que se distinguir duas hipóteses, no que diz respeito à possibilidade de denúncia dos tratados internacionais: aquela em que o tratado de forma expressa disciplina a possiblidade da denúncia em seu texto; e aquela hipótese em que o texto do tratado nada diz a respeito do assunto. No primeiro caso, a denúncia não apresentaria maiores dificuldades, porque a matéria já é prevista no tratado. Já no segundo caso, o tratado nada prevê sobre a possiblidade da sua denúncia.

Maria de Assis Calsing (O tratado internacional e sua aplicação no Brasil) ensina que três correntes surgiram:

  • a) a corrente que só permite a denúncia quando prevista no tratado;

  • b) a corrente que afirma poder o tratado ser sempre denunciado, mesmo na ausência da estipulação expressa a respeito;

  • c) a corrente intermediária entre as duas precedentes, que reconhece o direito à denúncia quando prevista no tratado e, quando não prevista, desde que as partes tenham assim tacitamente acordado.

Ensinou J.F. Rezek (obra citada, pág. 111) que quando um tratado admite e disciplina sua própria denúncia, o problema da possibilidade jurídica da retirada unilateral simplesmente não se coloca. Já o silencio do texto convencional obriga a investigar sua denunciabilidade à luz de sua natureza.

Como ainda lecionou Rezek (obra citada) a denúncia se exprime por escrito numa notificação, carta ou instrumento; sua transmissão a quem de direito configura o ato internacional significativo da vontade de romper o compromisso. Trata-se de uma mensagem de governo, cujo destinatário nos pactos bilaterais, é o governo da parte copactuante. Se coletivo o compromisso, a carta de denúncia dirige-se ao depositário, que dela fará saber às demais partes.


2. A DENÚNCIA E O DIREITO INTERNO

Estuda-se a denúncia e o direito interno.

No Brasil, a questão de saber se pode o presidente da República denunciar, com sua só autoridade, um tratado para cuja ratificação tenha ele despendido da voz aprobatória do Congresso Nacional, colocou-se, no ano de 1926, quando, nos últimos meses do governo Artur Bernardes, ficou decidido que o país se desligaria da Sociedade das Nações. Clóvis Beviláqua, consultor jurídico do Itamaraty, foi chamado a opinar sobre essa competência, aduzindo o que segue:

“Em face da Constituição Federal pode o Poder Executivo, sem ouvir o Congresso Nacional, desligar o país de suas obrigações de um tratado, que, no seu texto, estabeleça as condições e o modo da denúncia, como é o caso do Pacto da Sociedade das Nações.....O ato de denúncia é meramente administrativo. A denúncia de um tratado é modo de executá-lo, porquanto numa de suas cláusulas se acha consignado o direito de o dar por extinto (...)."

Entendia Clóvis Beviláqua que a regra jurídica constitucional que exige a manifestação do Congresso não se referiu à denúncia, só tendo feito menção de que necessita aprovação congressual a ratificação. E se a Constituição silenciou a respeito, é porque a intervenção do Congresso no processo de denúncia era dispensável. Contra essa posição tem-se a respeitável opinião de Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, tomo III, 1987, pág. 109).

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Para Pontes de Miranda (obra citada), que negava também a validade da tese de tese de Beviláqua, “aprovar tratado, convenção ou acordo, permitindo que o Poder Executivo o denuncie, sem consulta, nem aprovação (do Parlamento) é subversivo dos princí8pios constitucionais”, de forma que o presidente da República, do mesmo modo que faz na ratificação, deve “apresentar projeto de denúncia, ou denunciar o tratado, convenção ou acordo ad referendum do Poder Legislativo”.

Rezek entendeu inconsistente tal opinião.

Disse ele:

“Tenho como certo que o chefe do governo pode, por sua singular autoridade, denunciar tratados internacionais - como de resto vem fazendo com franco desembaraço, desde 1926. Fundo-me num argumento diverso daqueles que inspiraram o parecer de Beviláqua, em face do qual é de todo indiferente que o tratado dispunha ou não sobre a perspectiva de sua própria denúncia. Tudo quanto importa é que o tratado seja validamente denunciável; se não o é, por sua natureza, ou por impedimento cronológico convencionado, não há como cogitar de denúncia lícita, e, pois, de quem seria competente, segundo o direito interno de uma das partes, para decidir a respeito.”

Para Valerio Mazzuoli (obra citada, pág. 281),

“o Congresso Nacional pode, por meio de lei, denunciar tratado internacionais, tendo eventualmente que derrubar o veto do Presidente da República que poderá existir, caso o Poder Executivo não aceite a denúncia proposta pelo Parlamento em sessão conjunta (CF, artigo 66, § 4º). Nesse ponto, estamos de acordo com a tese esposada por Francisco Rezek. O que não nos afigura razoável é o Presidente da República denunciar, sozinho, tratados internacionais para cuja ratificação necessitou de autorização do Congresso Nacional. Percebe-se que, no caso da denúncia por ato do Parlamento (por meio de lei ordinária) o Presidente da República participa da formação da vontade da Nação, no caso oposto (denúncia do tratado por ato exclusivo do Presidente), pela tese defendida por Rezek, permanece em absoluto silêncio, sequer tendo ciência da vontade presidencial de denunciar o tratado, aí estando o nosso ponto de discordância com a tese exposta. Assim é que para nós da mesma forma que o Presidente da República necessita da aprovação do Congresso Nacional, dando a ele “carta branca” para ratificar o tratado, mais consentâneo com as normas da Constituição de 1988 em vigor seria que o mesmo procedimento fosse aplicado em relação à denúncia, donde não se poderia falar, por tal motivo, em denúncia de tratado por ato próprio do Chefe do Executivo. Com isso se rejeita o paralelismo que deve existir entre os atos jurídicos de assunção dos compromissos internacionais com aqueles relativos à sua denúncia. Trata-se de observar o comando constitucional (artigo 1º, parágrafo único) segundo o qual todo poder emana do povo, incluindo-se nesta categoria o poder de denunciar tratados”.

A posição de Pontes de Miranda, que entendemos a correta, deve ser seguida. Segundo ela, a denúncia dos tratados sem assentimento do Congresso Nacional é subversiva dos princípios constitucionais. Nesse sentido, tem-se a posição de Celso D. de Albuquerque Mello (Constituição e relações internacionais, in A nova Constituição e o direito internacional.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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