Todos aqueles que assistiram a última partida entre Palmeiras e Atlético Mineiro, válida pela 16ª rodada do Campeonato Brasileiro 2018, puderam presenciar mais uma partida de qualidade mediana, com polêmicas próprias da arbitragem brasileira e, o mais importante de tudo – ao menos assim foi tratado pela imprensa – as declarações dos jogadores após o apito final.
Não é de hoje que se exige dos jogadores de futebol uma conduta compatível com a posição social que o esporte lhes proporcionou. Como exemplo para as próximas gerações de garotos e garotas, é óbvio que esses profissionais têm o dever se preservar a boa imagem dos esportistas.
Para ilustrar a relevância disso, o art. 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê punições exemplares para o atleta que tomar conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do Código.
Ninguém, em sã consciência, defende a selvageria e situações lamentáveis como invasões de campo, agressões generalizadas, comentários de baixo escalão sob o atento olhar de milhões de telespectadores.
Mas até onde vai essa conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva? O que é essa conduta? Disciplina? Ética desportiva?
Para esmiuçarmos a questão se faz necessária a resposta aos questionamentos acima narrados.
É fato que o desporto é uma extensão dos interesses da nossa sociedade, não à toa, milhões de reais rodam uma economia que muitas vezes foge a realidade do próprio país (exemplos recentes de China, Índia e Arábia Saudita mostram tal fenômeno).
Diante disso, sendo o desporto nada mais do que algo de interesse da sociedade, não seria razoável a não aplicação de valores nela contidos.
Dentro disso se encontra a ética desportiva, que nas palavras de Carla Marisa Moreira se tratam de “ideias como as do respeito pelo adversário, a recusa de situações injustas de vantagem, a modéstia no momento da vitória e o facto de se saber perder têm servido, de diferentes maneiras, para se definir aquilo que é melhor e mais civilizado, os limites razoáveis dos esforços para vencer, procurando manter as emoções, associadas às vitorias e às derrotas, sempre sob controlo, mesmo quando elas são muito intensas”[1].
Adiante, a disciplina, no sentido etimológico e voltado ao nosso objeto de estudo consistiria na obediência às normas previamente estabelecidas. Ocorre que em determinados casos, como o do artigo 258 do CBJD, o efetivo cumprimento de comandos abertos se torna um grande desafio.
Some-se a isto o fato de o ordenamento jurídico desportivo brasileiro não se mostrar um sistema que preza pela segurança jurídica, indo em sentido totalmente contrário a situações que em um curto período não seriam vistas como potencialmente punitivas.
E nesse ponto, a denúncia do jogador Eduardo Luis Abonízio de Souza, popularmente conhecido Edu Dracena, nos fornece um excelente exemplo de quão arbitrária pode ser tornar a aplicação do referido dispositivo legal.
Sem adentrar ao mérito de qual ofensa o mesmo proferiu em desfavor a outro atleta, até porquê cairíamos em uma discussão sem fim acerca da classificação de palavrões, deve-se analisar o contexto que está inserido.
Eis o cenário: 90 minutos de contínuo esforço físico, típico de uma partida profissional da elite do futebol nacional, sem a oportunidade de "esfriar a cabeça", interceptado pela imprensa sedenta por declarações para suas manchetes espalhafatosas para o dia seguinte, questionado acerca de situação repleta de polêmica ocorrida durante a partida e dotado do incrível poder do microfone a postos para captar sua opinião.
Em prejuízo ao jogador: falou de sua opinião sobre outro atleta da equipe adversária. Opinião essa que qualquer um de nós está prestes a soltar em eventual roda de conversa.
Nesse sentido, é possível uma conduta como a narrada acima se inserir em violação à ética desportiva?
Nos parece que não. Situações como a do caso Edu Dracena, dentro de todo contexto fático, se mostram mais como um debate acalorado e que, por consequência não devem ser tipificadas como lesivas à ética desportiva.
De todo modo, a interpretação do árbitro, gostando ou não, está feita. Na súmula, o Edu Dracena tomou postura incompatível com a ética e disciplina esperada de sua classe.
Não se olvida que a ética desportiva se mostra como um elemento agregador a um ambiente muitas vezes tido como hostil, de modo que a sua discussão deve ser sempre fomentada, inclusive para sua real parametrização.
Nesse sentido, são com bons olhos que foi recebida por todos a decisão do STJD ao acolher a denúncia em face do atleta e absolve-lo.
Todavia, denota-se da mesma decisão a condenação do volante Elias e do meio campista Matheus Galdezani, ambos atletas do Clube Atlético Mineiro, por declarações que, apesar de não explícitas como a de Edu Dracena, tiveram por alvo a má atuação da arbitragem.
Assim, a denúncia e o posicionamento do STJD demonstram, além do extremo protecionismo aos árbitros, uma forte e preocupante intenção em transformar os atores do espetáculo em meros personagens sem opinião própria, cujo roteiro é de seguir ordens e tornarem-se reféns de uma imprensa cada vez mais disposta a catapultar sua audiência dentro de polêmicas infundadas, mas o que se espera dentro de tudo isso, é o bom senso do órgão julgador.
[1] Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/pdf/mot/v4n3/v4n3a13.pdf>, acesso em 01/08/2018.