Dar o peixe ou ensinar a pescar? Aqui a casta corrupta rouba o peixe.

10/08/2018 às 12:30
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Quem vê a angustiante realidade do poder no Brasil logo percebe que também essa polêmica está mal resolvida entre nós. Aqui não se dá o peixe como se deveria (por um período, aos necessitados) nem se ensina a pescá-lo (nossa educação pública é ridícula e ultrapassada).

Nossa triste situação é outra: aqui o peixe (a riqueza nacional) é roubado por uma casta de ladrões vorazes que canalizam a quase totalidade da fortuna do país para seus bolsos (com o detalhe de que grande parte dela é arrebanhada de forma bandida, corrupta e ilícita).  

O Brasil é dominado (ladrões invisíveis) e governado (ladrões visíveis) por uma corja de larápios vorazes e egoístas, que só pensa na riqueza e felicidade deles. Foi dessa forma que nossa plutocracia (governo de alguns endinheirados) se transformou numa das maiores cleptocracias do mundo (cleptos = ladrão; cracia = governo).

E quantos são os grandes ladrões (da riqueza e da felicidade) no país? Umas 20 famílias que vivem de monopólios, oligopólios, carteis, evasão de divisas e privilégios tributários, 450 empresas que mais fizeram doações eleitorais de 1994 a 2014 (ver Bruno Carazza, Dinheiro, Eleições e Poder), recebendo em troca uma fortuna incalculável por meio de benesses contratuais ou “legais”, uns 300 políticos picaretas influentes e uns 20 partidos que mais receberam financiamento eleitoral empresarial no mesmo período.

No total, trata-se de uma casta medieval (composta de senhores feudais e vassalos) de menos de 800 rapinadores de grande porte, que sempre impediram o progresso sustentável e equilibrado da nação.

Não é difícil perceber que essa lógica da concentração das riquezas nas mãos das oligarquias que se apoderam do Estado é totalmente incompatível com a democracia liberal, que nunca encontrou espaço na realidade brasileira.

Como sublinha Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), todo o pensamento liberal-democrático pode resumir-se na frase célebre de Bentham: “A maior felicidade para o maior número”. É muito fácil notar que essa ideia (que esse ideal de vida, de sociedade) conflita abertamente com a nata corrupta da nossa estrutura de poder, posto que regida pelos “valores cordiais” (descritos por S. B. de Holanda), que busca a maior felicidade para o menor número possível de pessoas.  

No clube dos donos corruptos e vorazes do poder (os que mandam e governam efetivamente a riqueza nacional) “a primazia [absoluta] é das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva; ela revela nitidamente o predomínio do elemento emotivo [lações de família, de amizade, de compadrio] sobre o racional”.

“Por mais que se julgue achar o contrário, a verdadeira solidariedade só se pode sustentar realmente nos círculos restritos [como é o caso do clube dos grandes ladrões do país] e a nossa predileção, confessada ou não, pelas pessoas e interesses concretos não encontra alimento muito substancial nos ideais teóricos [da democracia liberal] ou mesmo nos interesses econômicos [da população em geral] em que se há de apoiar um grande partido” (S. B. de Holanda, Raízes do Brasil).

Nas democracias liberais de sucesso (Escandinávia, por exemplo) soube-se combinar as variáveis só aparentemente antagônicas do “dar o peixe a quem precisa, por um período” (alimentação básica, abrigo mínimo) e, ao mesmo tempo, “ensinar a pescar” (boa educação para que cada um se emancipe e cuide do seu futuro com o próprio esforço). Essas culturas simbióticas se preocupam verdadeiramente com a convivência humana civilizada.

Elas, no entanto, não têm nada a ver com as estruturas de poder parasitárias em que um grupo seleto de rapinadores canaliza a fortuna do país para eles de forma impiedosa e cruel, desintegrando os ambientes familiares, além de romper os laços da convivência social pacífica.

Catorze grandes empresas acabam de entrar com ação na Justiça pedindo indenização a vários bancos que se cartelizaram, por muitos anos, combinando altas taxas de juros (Folha). Temos que atacar com firmeza as castas corruptas e vorazes que estão destruindo a indústria, o comércio, os empregos, os trabalhadores, o próprio Estado, a educação e o futuro do país.

Todos os que produzem estão sendo engolidos pelos ladrões, corruptos e aproveitadores da nação. Não podemos dar nenhuma trégua para os quase 800 grandes ladrões do País, até que eles admitam que estão violando a Lei, a Ética e a Justiça, que são os valores com os quais vamos reconstruir o Brasil.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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