A política anti-racismo

11/08/2018 às 08:15
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Assim como viver sem ter amor não é viver Não há você sem mim, eu não existo sem você Vinícius de Moraes

O racismo NÃO é um "pensamento diferente"; pode ser um pensamento mágico, no sentido de ser indefeso à racionalidade elementar. Em essência, trata-se de um pensamento excludente; donde se exclui a própria racionalidade. Portanto, toda atitude excludente deve ser expurgada da democracia; pois, estaríamos submetidos ao domínio das irracionalidades, ou seja, à negação do ser humano como ser racional.
Do contrário, motivados por esse revisionismo imoral – insuportável sob qualquer análise minimamente racional, quer dizer, crível –, logo dirão que não houve escravidão no país. Ou que é um debate esquerdista denunciar o crime de ódio racial e a prática cotidiana do racismo.
Há poucas referências na humanidade piores do que o racismo. Por isso se qualifica como crime contra a humanidade. Não é apenas crime hediondo, é uma negação da Ontologia. E, como tal (irracional sem substância), logra êxito ideológico montado sobre aporias mitológicas, irascíveis (da máxima ira): a começar do Mito da Superioridade Ariana.
A Ontologia é uma averiguação, análise, decifração do “fazer-se humano” e este “fazer-se humano” se faz através da política. Não “por meio”, mas “através”, no sentido exato de que a política atravessa, perpassa, a todos(as).
 O(a) racista não leva em conta que só existe o Eu, especialmente quando aciona o obituário da negação dos demais, se e quando existe o(a) Outro(a) – e em condição equivalente para todos(as).
O melhor remédio político-jurídico contra o racismo é a isonomia, aliada à equidade: “Tratar os desiguais, desigualmente”. Tanto para recuperar a injustiça – histórica, por exemplo, praticada contra negros e indígenas – quanto para agravar quem patrocina crimes de racismo e/ou análogos à escravidão.
E sabemos isto por um entendimento óbvio, considerando-se que somos animais sociais. Então, não há um(a) sem o(a) Outro(a). O que faz o racista, numa atitude imoral e sem lógica – mas que lhe serve enquanto se apega à irracionalidade – é agregar a ideia de raça.
Assim, se temos “raças” diferentes, brancos, negros, vermelhos e amarelos, basta acreditar que um pode ser mais do que os demais. Como não há apego à racionalidade – e neste caso quer dizer apreço pela Ontologia, pela história, pela consciência científica da sociabilidade – as “raças” humanas vão brotando da ignorância.
 O racista não sabe ou despreza o fato de que somos uma espécie – Homo sapiens sapiens (o homem capaz de pensar que é um pensador) – e não um amontoado de raças. Não somos, como espécie humana, uma coleção de raças nobres e impuras, do tipo cães de raça e vira-latas.
 Sob a condição de sermos animais políticos, porque sem política não há sociabilidade e não seríamos seres sociais, o racismo – ao designar raças entre humanos – tende a se colocar mais como animal (de raça diferente) do que como humano. É de sua inteira deliberação desligar-se do preceito de pertencer à espécie humana: o “fazer-se humano” através da política.
O pregador do racismo ignora a (onto)lógica de que são interdependentes o senhor e o escravo: nesta dialética de dependência e de nulidade, o escravo obedece sob o açoite e o senhor sobrevive graças à obediência do chicote. O que é um senhor de escravos sem escravos?
O racismo, na prática, começa com a negação de que haja preconceito racial, desigualdade, opressão, e evolui como metástase para a xenofobia, a limpeza étnica, o genocídio.
Também por isso é um acerto histórico dizer que todo(a) racista é nazista. O nazismo figura como o ápice da ideologia de negação do humano, foi um Estado de Exceção racista, excludente, eliminador, morticida ao extremo. É o símbolo maior da barbárie institucionalizada na forma-Estado e acolhido na cultura da irracionalidade.
Quem não desqualifica o racismo está a um passo desse caminho.
No caso de nossa miscigenação (estupro seletivo) a relação se deu entre o senhor e suas escravas – ou entre homens brancos e mulheres negras e indígenas. Não haveria miscigenação se a elas fosse dada a livre-escolha sobre “deitar-se” ou não com o senhor branco e responsável por sua opressão.
Concluindo: não são palavras duras, é uma consequência analítica (onto)lógica. Ademais, o racismo e os(as) racistas não merecem palavras doces. Porque são virtualmente nazistas.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/DEd

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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