A Crise de Liderança Estadunidense

13/08/2018 às 17:30
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Liderança Política, ao lado do desenvolvimento de uma Estratégia Nacional adequada e de uma efetiva Determinação Governamental, se afiguram, sem a menor sombra de dúvida, elementos fundamentais para o sustentável e contínuo desenvolvimento de qualquer Sociedade Estatal moderna.

Muito embora seja cediço reconhecer que o fator Liderança, isoladamente considerado, não se encontre diretamente associado ao fenômeno do relativo declínio do poder perceptível de uma Nação, não há qualquer divergência entre os estudiosos do tema no sentido de que a manifestação de seus efeitos, todavia, estejam umbilicalmente vinculados a relativa ausência de uma sinérgica Liderança.

Aliás, é a própria história que se encarrega de, muito claramente, demonstrar, com maestria, a plena validade desta assertiva, posto que, em várias situações perfeitamente delineadas no espaço-tempo compreendido entre a segunda metade do século XX e o primeiro decênio deste século, a passividade, aliada a uma comprometedora ausência de firmeza de propósitos, bem como de uma necessária condução diligente relativa aos rumos dos acontecimentos, nos mais variados Cenários Internacionais, conduziu irremediavelmente aos mais diversos insucessos (e até mesmo a autênticos desastres) nos Confrontos, diretos ou indiretos, de natureza política, econômica e também bélica que a humanidade se viu obrigada a testemunhar.

A absoluta correção, bem como nítida clareza, da presente afirmativa também se demonstra pelo excessivo prolongamento temporal de conflitos, inclusive militares, que se estabelecem, como natural efeito conseqüente, da nítida ausência de Liderança Política perfeitamente observável em episódios selecionados, permitindo, destarte, a inexorável exteriorização dos indesejáveis efeitos do que convencionamos denominar de  Assimetria Reversa, com todas as suas nefastas conseqüências.

Por outro prisma, necessário afirmar que Liderança não implica em falta de equilíbrio e de serenidade; muito pelo contrário, Liderança revela a necessária inteligência e sabedoria de se ter a plena consciência da oportunidade e da conveniência quanto ao adequado emprego eficiente dos quatro elementos básicos do Poder Nacional disponíveis (militar, econômico, político e psicossocial), respondendo, em cada momento, com necessária firmeza, aos mais diversos desafios na exata medida em que os mesmos se apresentam.

Neste sentido, não faltam episódios pontuais (ou mesmo distendidos temporalmente) em que restam evidentes o nítido declínio do poderio relativo dos EUA por ação direta de uma observável ausência de sua Liderança Política.

Talvez o mais contundente exemplo histórico de sinérgica ausência de Liderança Política tenha sido observado no contexto do governo JIMMY CARTER (1976-1980), momento em que , - após a derrota norte americana no Vietnã (1975); o início da insurreição na América Central (final da década de 70); a expansão soviético-cubana na África (1976-82); a queda do Xá do Irã e a instalação do regime islâmico (1979-80); bem como a humilhante situação dos diplomatas-reféns na Embaixada dos EUA em Teerã -, a outrora imbatível superpotência estadunidense manifestou seus primeiros sinais de exaustão econômica (em relação à emergência dos chamados Tigres Asiáticos, em particular o Japão) e militar (em face da outrora magnitude e robustez (aparente) do poderio bélico soviético).

Tal como nos dias atuais, vale mencionar que a irreversibilidade do declínio do poderio relativo norte-americano era, à época, anunciada aos quatro ventos, sendo certo que, muito provavelmente tal tendência somente foi revertida com a “renascença nacional”, defendida, com notável veemência e protagonizada pelo Pres. RONALD REAGAN que, ao final de seu período governamental de  12 anos (oito anos de administração REAGAN e quatro de administração de seu vice-presidente GEORGE BUSH (pai)), simplesmente acabou por não somente exorcizar a ameaça econômica japonesa, mas, especialmente, e de forma absolutamente sem precedentes, neutralizar o supostamente imbatível adversário de Guerra Fria, com a decretação do fim da União Soviética.

Neste sentido, resta consignar que a nova ameaça ao mundo monopolar estadunidense, estabelecido desde 1991, - em decorrência do ocaso do poderio militar soviético e econômico japonês -, deduz-se do reconhecido hiato entre a  incontrastável capacidade militar atual dos EUA vis-à-vis com o tímido crescimento econômico estadunidense que, segundo os mais severos críticos, não teria as condições necessárias para a manutenção, no longo prazo, do poder relativo dos EUA, em particular com a alardeada ascensão de natureza econômica e sutil (porém sólida e indiscutível) de natureza militar chinesa.

O problema central, - não obstante a constatação objetiva de índole econômica -, todavia, é, sobretudo, de crise de liderança, ou seja, de ausência de comando político e de absoluta falta de uma Estratégia Nacional coerente e corajosa que, com necessária Determinação Governamental, possa conduzir (ou reconduzir) a América ao seu suposto destino de ser e continuar sendo a principal potência político-econômica e militar do planeta, a exemplo do que logrou realizar, em seus respectivos desafios históricos, os governos FRANKLIN D. ROOSEVELT (1933/1945) e RONALD REAGAN/BUSH (1981/1992)

Curioso observar, neste diapasão analítico, a criticável estratégia do Pres. BARACK OBAMA, - o que denota a sua absoluta ausência de liderança política -, de, em suas palavras, “preparar os EUA para um novo mundo multipolar”, em que a América deixará (de forma aparentemente irreversível, como também se supunha durante o governo JIMMY CARTER) de ser a potência dominante.

Por efeito conclusivo, ao que tudo indica, tal como no passado recente, somente restam duas alternativas viáveis à Nação Estadunidense: ou o povo americano se conscientiza de seu lamentável equívoco de ter conduzido à Presidência da República alguém, não obstante toda a sorte de “boas intenções”, reconhecidamente despreparado para a função, - elegendo, na próxima oportunidade, um líder à altura das suas mais sublimes aspirações como logrou fazê-lo ao eleger o Governo REAGAN -, ou aposta na irreversibilidade do declínio do poder relativo norte-americano, - conforme preconiza o atual titular da Casa Branca -, reelegendo o Pres. BARACK OBAMA e se preparando, por via de consequência, para um novo mundo multipolar em que os EUA deixarão de ter a posição proeminente que desfrutaram e vem desfrutando desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Diagrama 1: Lideranças Dominantes x Episódios Históricos Selecionados

Diagrama 1A: Lideranças Dominantes x Episódios Históricos Selecionados (Continuação)

Diagrama 1B: Lideranças Dominantes x Episódios Históricos Selecionados (Continuação)


Notas:

1. A genialidade e a inquestionável liderança do Pres. Franklin Delano Roosevelt permitiu aos EUA sair do relativo isolacionamento internacional para se tornar o verdadeiro protagonista do pós-guerra. Sua concepção geopolítica, projetada para o futuro, – contrária a qualquer paz negociada com a Alemanha (o que explica jamais ter apoiado qualquer golpe contra Adolph Hitler, incluindo seu planejado assassinato) -, demonstrou claramente o padrão de um verdadeiro líder visionário que somente foi igualado com a chegada de Ronald Reagan ao poder, em 1981.

2. O flagrante despreparo do Pres. Harry Truman (melhor percebido em seu segundo mandato) foi, em grande parte, responsável pelos resultados, muitas vezes decepcionante, em relação aos desafios experimentados pelos EUA no pós-guerra, considerando o poder monopolar de matiz econômica (o PIB norte-americano chegou a representar 53% da economia no imediato pós-guerra) e militar (até a explosão da primeira bomba atômica soviética, em 1949, os EUA contabilizaram mais de 130 armas nucleares e um plano de contingência de seu emprego, idealizado pelo Gen. Curtis LeMay, no sentido de atacar simultaneamente 70 cidades soviéticas e toda a infraestrutura militar da URSS) que desfrutava o Império norte-americano, à época.

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3. A surpreendente rapidez com que os soviéticos construíram sua bomba atômica (JOE-1), deveu-se, em grande parte, às inadmissíveis falhas de segurança quanto à guarda dos segredos nucleares, durante o governo Harry Truman.

Registros de espionagem em Los Alamos descrevem a fundamental participação dos físicos Klaus Fuchs (que, além de ter passado através de um mensageiro, - Harry Gold -, informações sigilosas sobre a bomba-A em que estava trabalhando, também entregou aos soviéticos informações sobre a produção de U-235 (100 kg/mês) e de P-239 (20 kg/mês), permitindo à URSS calcular, com relativa precisão, o número de armas nucleares norte-americanas em 1949 (aproximadamente 130 bombas-A)) e Theodore Hall que, em 1998, confessou sua convicta participação no episódio: “(...) decidi repassar segredos atômicos aos russos porque acreditava que o poder nuclear não deveria constituir-se em um monopólio (...) era a coisa certa a ser feita para quebrar a exclusividade americana (...)”.

4. A liderança do Pres. Dwight David Eisenhower,- e sua expressa ameaça de atacar a China com armas nucleares -, foi determinante para reverter os desastrosos rumos da Guerra da Coréia, após a destituição do Gen. Douglas McArthur, pelo Pres. Harry Truman em 11 de abril de 1951.

5. O Pres. John Kennedy talvez tenha sido a liderança mais frágil que os EUA experimentou em sua história recente. Arrogância e inexperiência muito provavelmente sejam as palavras mais apropriadas para traduzir uma das piores administrações dos EUA. John Kennedy e seu irmão Robert Kennedy (um jovem que acreditava cegamente ser simplesmente “brilhante” e possuir uma inteligência ímpar) foram os responsáveis diretos pela maior derrota norte-americana no pós-guerra, quando permitiram o estabelecimento de uma área de influência soviética a apenas 90 milhas da Flórida, durante a desastrosa gestão da chamada Crise dos Mísseis de Cuba (out/62), contrariando até a posição vestibular (depois alterada) de McNamara que concordava preliminarmente com a necessidade de uma invasão da ilha nas 36 horas imediatas ao início do conflito.

6. O arquiteto do “desastre do Vietnã”, sempre será lembrado como um líder de habitual frieza, freqüentemente salpicada de arrogância. Em sua obra “Em retrospecto: a Tragédia e as lições do Vietnã” (1995), o autor afirma textualmente que um de seus reconhecidos erros no episódio foi “não ter encarado Johnson para forçá-lo à retirada dos EUA no Vietnã”, demonstrando, claramente, sua absoluta incompreensão com a natureza dos conflitos bélicos. Vale lembrar que McNamara ficou marcado como um dos “whiz kids”, como ficou conhecido o grupo de universitários que trabalhou no Departamento de Estatísticas do Pentágono durante a Segunda Guerra Mundial. Seu primeiro grande ato na qualidade de Secretário de Defesa foi autorizar um plano mirabolante para derrubar Fidel Castro por cubanos expatriados treinados pela CIA, historicamente rotulado como o fiasco da Invasão da Baía dos Porcos de 1961.

7. O Gen. Petraeus, após ter solicitado e obtido o envio de mais 30.000 tropas de combate, logrou reverter o iminente desastre no Iraque.

8.Oportuno esclarecer a existência de controvérsias a respeito do tema, conquanto alguns analistas entendem que a suposta explosão da Bomba-A Norte-Coreana, em verdade, resumiu-se a uma simples detonação de explosivos convencionais misturada a materiais físseis (“bomba suja”) o que explicaria o baixo rendimento da explosão, inferior a 0,2 Kt.

9.Importante consignar que, não obstante a liderança positiva do Gen. Stanley McChrystal, o mesmo foi destituído de suas funções pelo Pres. Barack Obama, em face de críticas que o mesmo registrou em entrevista contra o presidente da República norte-americana.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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