O princípio da insignificância como causa de exclusão da tipicidade

15/08/2018 às 12:38
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Analise de importantes princípios afetos ao direito penal e apontamentos aos elementos do crime, em especial, a tipicidade.

Podemos perceber, na prática forense, a multiplicação de casos que, por envolverem importâncias mínimas- do ponto de vista da relevância social - sobrecarregam as delegacias e repartições nos fóruns em todo país. Tais casos, por sua baixa lesividade, não justificam o uso de todo aparato da Justiça Penal. Esses casos de baixa lesividade nos mostram que a utilização do ordenamento Penal e suas sanções são desproporcionais e muitas vezes injustificáveis para proteger determinados interesses jurídicos.

Do ponto de vista legislativo, percebemos uma inflação de leis casuisticamente elaborada e aprovadas no afã de atender uma circunstância social polêmica de grande repercussão na mídia. Esquecem toda boa prática legiferante e, principalmente, ignoram os princípios orientadores da prática legislativa. Pública-se leis Penais a esmo e de forma desproporcional, muitas vezes, abrindo mão de outros instrumentos que poderiam resolver um conflito quer na seara administrativa ou civil.

A multiplicação dessas leis penais formam uma complexa teia que gera uma inevitável dificuldade de interpretação da norma pelo aplicador do direito e, na mesma proporção, aumenta-se o número de conflitos entre essas normas.

De forma singela faremos apontamentos para questões pertinentes a boa prática Penal ressaltando a importância de se observar os princípios informadores do Direito Penal.

Concentrado no estudo da tipicidade, elemento do crime, trazemos um breve histórico e a evolução cronológica de seu conceito, abordaremos a importância da sua vertente material destacando a tipicidade no conceito contemporâneo e o conceito analítico de crime.

Executado o estudo da tipicidade torna-se possível abordarmos o princípio da insignificância. Inicialmente abordaremos seu surgimento no direito Romano e sua evolução durante o século XIX.

A posteriori vamos analisar o princípio da insignificância e demonstrar a possível aplicabilidade do Princípio da Insignificância como Causa de Exclusão da Tipicidade pela sua vertente material.

Princípios Informadores do Direito Penal.

A etimologia nos ensina que a palavra PRINCÍPIO, vem do Latim principium, formado da junção da palavra primus (primeiro) e o sufixo ium (-i efeito ou resultar). Ou seja, é o resultado de lidar ou tomar primeiro. No dicionário Wikipédia Princípio significa começo ou causa de algum fenômeno. Na esfera jurídica, princípios são fontes criadoras de regras, sendo essa última hierarquicamente inferior aos princípios devido ser deles dependentes. Em um Estado Democrático de Direito a Constituição de um pais será a principal fonte onde encontraremos seus princípios fundamentais. Segundo o Professor Fernando Capez:

“A constituição Federal Brasileira, em seu art 1, caput, definiu o perfil Político constitucional do Brasil como um Estado Democrático de Direito. Trata-se do mais importante dispositivo da Carta de 1988, pois dele decorrem todos os princípios fundamentais de nosso Estado”¹.

Na seara penal os doutrinadores destacam como princípios informativos do direito penal, princípios da legalidade ou da reserva legal, principio da intervenção mínima, principio da fragmentariedade, principio da proporcionalidade dentre outros.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL.

Nossa Constituição da República declara, como valor máximo do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana elevando o cidadão a sujeito autônomo e capaz de ser responsabilizado pelo seus atos. Ainda, em sua fase inicial, encontramos na Constituição da República, declarações que orientam a atividade jurisdicional em matéria penal, através do propósito de construir uma sociedade livre e justa expresso em seu art 3, inc.I.

Mas, efetivamente, encontramos a clara intenção de limitar o poder punitivo do Estado no artigo 5 da Constituição da República de 1988. O princípio da legalidade está expresso no artigo 5, XXXIX da Constituição da República onde declara não há crime sem lei anterior que o defina. Sobre o principio da legalidade e a limitação do poder de legislar em matéria penal assim no ensina Cezar Roberto Bitencourt:

“O princípio da legalidade constitui uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal. O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado. Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”.²

O instituto da legalidade relaciona-se intimamente com o princípio da reserva legal que determina que somente a lei pode definir crimes e cominar penalidades. A matéria penal deve ser expressamente disciplinada por uma manifestação de vontade do poder constitucionalmente competente. Para tanto que, conforme art 22, I da CF/88 estabelece que compete privativamente ‘a União legislar em matéria penal. Desta forma, nos ensina Cezar Roberto Bitencourt:

” Quanto ao princípio de reserva legal, este significa que a regulação de determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, de acordo com as previsões constitucionais a respeito”³.

Neste mesmo sentido Luiz Regis Prado:

“O direito penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito democrático, entre os quais sobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada (..)”4.

Desta forma é nítido que nosso ordenamento jurídico, ao se fundar nesse princípio, limita o poder Estatal, quer legislando ou interpretando normas jurídicas, impondo regras formais para a elaboração de normas incriminadoras.

Entretanto, o principio da legalidade e o da reserva legal não limita que o Estado edite novas normas incriminadoras se observado os critérios formais para tanto. Quanto a relevância do conteúdo da norma incriminadora façamos observações a respeito do principio da intervenção mínima.

PRINCIPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.

Princípios limitadores do alcance de legislar em matéria penal como os princípios da intervenção mínima ou subsidiariedade e o princípio da fragmentariedade são esquecido pelo legislador. Tais princípios são de suma importância e de observância obrigatória em um Estado Democrático de Direito. Esses princípios preceituam que o direito penal só deve atuar na defesa de bens jurídicos essenciais e indispensáveis a existência humana. Segundo o professor Luiz Regis Prado:

“ O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade decorrente das ideias de necessidade e de utilidade da intervenção penal estabelece que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais”5.

  • O principio da intervenção mínima se liga a ideia de necessidade e de utilidade como destacado pelo Professor.

    O mesmo observamos no postulado do professor Cezar Roberto Bitencourt:

    “O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes. Ademais, se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável”6.

    Outros ramos do direito, como o Direito Civil ou o Direito Administrativo são ramos que tem preferência para tutelar bens jurídico e evitarmos a criminalização desnecessária e desproporcional de determinadas condutas que não ofendem bens essenciais.

    PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE.

    Diferentemente do Principio da intervenção mínima temos o principio da fragmentariedade que, segundo o professor Luis Regis Prado, se liga a ideia de essencialidade, se não vejamos:

    “Pelo postulado da fragmentariedade tem-se que a função maior de proteção de bens jurídicos atribuída a lei peal não é absoluta, mas sim, relativa, visto que todo ordenamento jurídico dela se ocupa. O que faz com que só devam eles ser defendidos penalmente ante certas formas de agressão consideradas socialmente intoleráveis. Isso quer dizer que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização”7.

    A inobservância de tal preceito amplia o horizonte de alcance do direito penal trazendo para esta seara condutas várias que poderiam ser objetos de outros ramos do direito. Os bens jurídicos que merecem a tutela penal são aqueles inerentes a sobrevivência da comunidade. A restrição do alcance do direito de punir limitado àquilo que é fundamental para o corpo social deriva da própria natureza da concepção de Estado Democrático de Direito.

    É pacifico no entendimento da doutrina o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal como ultima ratio. Último recurso em que o Estado pode alçar mão devido o poder avassalador desse ramo do direito, expresso no seu poder de impor privativa de liberdade.

  • PRINCíPIO DA PROPORCIONALIDADE

    Em uma breve análise história sobre o principio da proporcionalidade encontraremos em Cesare Beccaria como o primeiro que firmou o principio da proporcionalidade como verdadeiro pressuposto penal. Partindo da analise do dano causado a sociedade se terá a verdadeira medida da pena a ser imposta ao autor. Beccaria com a maestria que lhe é peculiar no ensina:

    “Não é apenas de interesse comum que não se pratiquem crimes, mas, também, que sejam mais raros na proporção do mal que causam à sociedade. Portanto, por via de consequência, mais fortes devem ser os obstáculos que afastem os homens dos crimes, na medida em que se apresentam como contrários ao interesse público, e na razão dos estímulos que para eles os induzem. Desta forma, deve existir uma proporção entre os delitos e as penas”8.

  • O principio da proporcionalidade mostra-se importantíssimo para o ordenamento jurídico penal por sua promoção a justiça. A inobservância de tal princípio pode acarretar sérios descréditos para o aparato penal. O desrespeito ou não observância do principio da proporcionalidade passa por critérios muito bem observados por Cezar Roberto Bitencourt, se não vejamos:

    “O exame do respeito ou violação do princípio da proporcionalidade passa pela observação e apreciação de necessidade e adequação da providência legislativa, numa espécie de relação “custo-benefício” para o cidadão e para a própria ordem jurídica. Pela necessidade deve-se confrontar a possibilidade de, com meios menos gravosos, atingir igualmente a mesma eficácia na busca dos objetivos pretendidos; e, pela adequação, espera-se que a providência legislativa adotada apresente aptidão suficiente para atingir esses objetivos”9.

    Assim, deve-se buscar o perfeito equilíbrio entre o delito e a pena aplicada. Ou equilíbrio entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto penal e a pena imposta. Neste sentido aponta o doutrinado Luiz Regis Prado:

    “ Em suma, a pena deve estar proporcionada ou adequada à intensidade ou magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente”¹º.

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    O professor Fernando Capez também destaca a importância do principio da proporcionalidade quando da criação do tipo penal levando em consideração a relação custo benefícios sociais pois cada tipificação de conduta resulta em um ônus na liberdade do cidadão., vejamos:

    “Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o principio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de lesividade distintas, ou para infrações dolosas e culposas “¹¹.

    Portanto o principio da proporcionalidade mostra-se base sólida e de observancia obrigatória.

    CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

    Outro ponto importante para entendermos o conceito de crime, que pode ser conceituado sob os aspectos formal, material e analítico.

    Aspecto formal: por essa perspectiva teremos que crime seria tudo aquilo que o legislador descreve como crime sem considerarmos a lesividade material. Basta que a conduta se enquadre a norma em abstrato.

    Aspecto material: por essa perspectiva crime se trata de uma ação ou omissão, que contraria valores essenciais para a sociedade e lesa ou coloca em perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência do corpo social, exigindo sua proibição com uma ameaça de pena.

    Aspecto analítico: por essa perspectiva adentra-se nos aspectos estruturais do crime. Mostra-se ser uma teoria, ao nosso ver, de maior complexidade e por assim ser, permite um alcance maior na definição de crime. Ao descrever o conceito de crime pelo viés analítico escreve o Professor Luiz Regis Prado:

    “Decompõe-se o delito em suas partes constitutiva – estruturadas axiologicamente em uma relação (analise lógico-abstrata). Isso não exclui a consideração do fato delitivo como um todo unitário, mas torna a subsunção mais racional e segura”¹².

    Assim teremos que delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita e culpável.

    Essa estrutura tem uma sequência lógica que cumpri seus estágios analíticos. Esse é o entendimento de Fernando Capez:

    “A finalidade deste enfoque (teoria analítica) é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador, ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é lícita ou não. Sendo fato típico e ilícito já surge a infração penal. A partir daí é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática”. 13

    Por ultimo, devemos destacar que a teoria analítica subdivide-se em duas correntes, bipartite em que consideram como elementos estruturais de crime a tipicidade e antijuricidade, destacam como adeptos dessa corrente Damásio de Jesus e Fernando Capez.

    E, na outra corrente, tripartite Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado, que adotam como elementos estruturais de crime a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

    TIPICIDADE

    Ao estudar o conceito de tipicidade descobrimos que ele evoluiu cronologicamente durante a historia da humanidade e do direito. A doutrina aponta 3 fases distintas.

    1ª independência,

    2ª caráter indiciário da antijuridicidade

    3ª ratio essendi da antijuridicidade

    Vamos a cada uma delas

    Independência

  • Inicialmente o conceito de tipo surge no século XVIII através do art 59 do Código penal Alemão através da expressão, elaborada pela doutrina da época, tatbestand. Trata-se de uma junção das palavras tat (fato) e bestehen (consistir), ou seja tudo aquilo em que consiste o crime. Cezar Roberto Bitencourt ensina-nos que a expressão tatbestand equivale ao termo latino corpus delecti.

    ‘Em fins do século XVIII, a doutrina alemã cunhou a expressão Tatbestand, equivalente à latina corpus delicti, concebendo o delito com todos os seus elementos e pressupostos de punibilidade’. 14

    Percebemos que assim dispondo esse conceito abrange os elementos subjetivos e objetivos do fato delituoso e engloba a materialidade, a antijuridicidade e a culpabilidade.

    Esse conceito rústico não contemplando toda complexidade estrutural que temos na doutrina moderna foi abalada por Ernest von Belin em 1906 que, citado por Bitencourt dispõe:

    “A moderna compreensão do tipo, como categoria sistemática autônoma, foi, no entanto, criada por Beling, em 1906, sendo difundida pela obra Die Lehre Von Verbrechen . A elaboração do conceito de tipo proposto por Beling revolucionou completamente o Direito Penal, constituindo um marco a partir do qual se reelaborou todo o conceito analítico de crime. Com efeito, o maior mérito de Beling foi tornar a tipicidade independente da antijuridicidade e da culpabilidade, contrariando o sentido originário do Tatbestand inquisitorial que não fazia essa distinção.”15

    Feita essa distinção entre a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade teremos que a função do tipo é definir delitos. Constatada a adequação do fato à norma penal, tipiciade passa-se a um segundo momento para uma análise valorativa da característica da antijuridicidade. E, só a posteriori, é analisada a reprovabilidade da conduta, em que consiste a culpabilidade.

    Com a contribuição o tipo não é mais constituído pela totalidade dos elementos do delito tatsbestand, mas passa a ser visto como mera descrição dos dados materiais que caracterizam objetivamente o crime.

    Com essa evolução do conceito de tipicidade encerra-se a primeira de três fases que a doutrina utiliza como método de estudo da evolução histórica sobre a tipicidade.

    caráter indiciário da antijuridicidade

    A segunda fase surge como questionamento e crítica ao modelo de Beling que, ao atribuir visão exclusivamente descritiva do tipo rompeu-se o contato entre a tipicidade e a ilicitude. O precursor do questionamento foi Max Ernest Mayer em sua obra Tratado de Direito Penal em 1915 que atribuiu a tipicidade outra função, a de indício de antijuridicidade. O Professor Damásio de Jesus escreve sobre o autor :

    “No capítulo inicial da obra, (Max Ernest Mayer) considerou a tipicidade como o primeiro pressuposto da pena, dando o segundo lugar à antijuridicidade. Não obstante dizer que ambas devem ser separadas, deu à primeira o papel indiciário da segunda, como se fossem fumaça e fogo. Assim, sendo a tipicidade a ratio cognoscendi da antijuridicidade, basta que o fato se amolde à norma penal incriminadora para que resulte um indício de ilicitude, que pode ser afastado quando presente uma causa de justificação como a legítima defesa, o estado de necessidade etc”.16

    Assim, Damásio de Jesus, no leva a concluir que a referida presunção de antijuridicidade de Max Ernest trata-se de uma presunção meramente relativa e admite prova em contrario, caso que, conforme descreve Damásio, será feita por uma caus excludente da ilicitude.

    O Professor Cássio Vinícius D. C V. Lazzari Prestes ao analizar a obra de Mayer escreve:

    “Mayer, ao critica o caráter puramente descritivo do tipo, admitiu também que a descrição de delito contida na lei penal contivesse elementos normativos e subjetivos assim também é um juízo de valor e não somente descritivo”.17

    Ratio assendi da antijuridicidade.

    Nesta fase, a doutrina aproxima mais a tipicidade da antijuridicidade. Tem como principal defensor dessa tese Edmund Mezger durante a década de 30. Na sua concepção crime seria um ação tipicamente antijurídica e culpável. A tipicidade não tem existência própria é pare da ilicitude. Assim teremos que a tipicidade é muito mais que um indício, muito mais que uma ratio cognoscendi, como defendia Mayer, mas sim, para Mezger a tipicidade seria a causa de ser da antijuridicidade, seria sua ratio esssendi. Damásio de Jesus em estudo da obra de Mezger descreve:

    ”Edmund Mezger, em 1931, não aceitando a natureza meramente descritiva do tipo exposta por Beling, estreitou mais a conexão que Mayer estabelecera entre a tipicidade e a antijuridicidade. Compreende, pois, a tipicidade não como ratio cognoscendi da antijuridicidade, mas como sua ratio essendi. Não define o delito como ação típica, antijurídica etc., mas como conduta tipicamente antijurídica e culpável, em face do que em seu estudo a tipicidade não ocupa um lugar próprio, independente da antijuridicidade, mas, pelo contrário, é uma parte dela. Em primeiro lugar, cuida da antijuridicidade como injusto objetivo; após, como injusto típico. A antijuridicidade da conduta é um característico do delito, mas não uma característica do tipo, pois podem existir condutas que não são ilícitas, pelo que é essencial à antijuridicidade a tipificação. A tipicidade e a ilicitude se unem de tal forma que a primeira é a razão de ser da segunda”18.

    Como percebemos essa teoria não separa a tipicidade da antijuridicidade, verifica-se que, na sua concepção, todas as condutas típicas são também ilícitas.

    concepção atual.

    Assinala a doutrina que prevaleceu, como diretriz dominante, a concepção de Max Ernest Mayer pela qual a tipicidade é indício da ilicitude, ou seja, praticado um fato típico presume-se que seja também ilícito. Entretanto observamos que tal presunção não é absoluta mas, meramente, relativa e pode ser afastada por uma das causas de justificação prevista no artigo 23 do código Penal.

    A doutrina pátria adotou a concepção de Mayer como podemos observar na doutrina de Cezar Roberto Bitencourt:

“Por mais que Mezger tenha negado as consequências pontadas de sua doutrina, não obteve êxito na tentativa de demonstrar o contrário. Por isso, de um modo geral, concluem os doutrinadores que a concepção de Mayer, definindo a tipicidade como ratiocognoscendi da antijuridicidade, é a que melhor se adapta ao Direito Penal Praticado um fato típico, presume-se antijurídico até prova em contrário. Em tese, todo fato típico é também antijurídico, desde que não concorra uma causa de justificação.”19.

Também em Damásio de Jesus:

“É de Mayer a concepção que melhor se adapta à prática penal. A tipicidade não é a ratio essendi da antijuridicidade, mas seu indício (ratio cognoscendi). Praticado um fato típico, presume-se também antijurídico, até prova em contrário: o tipo legal indica a antijuridicidade. Quando o legislador, na Parte Especial do Código, cunha as condutas em tipos, não as supõe neutras em face do injusto, mas acredita que sejam ilícitas. Com isso não se quer dizer que o típico seja a razão de ser do injusto, mas sim que o concretiza e assinala”.20

Concepção material da Tipicidade

Ao perpassarmos pela história do conceito de Tipicidade notamos uma constante : esta sempre foi vista como um juízo de subsunção do fato à descrição legal e abstrata do delito, ou seja, tipicidade é a correspondência entre uma conduta e o tipo legal. Desta forma qualquer conduta, efetivamente tipificada, pode configurar um delito. Essa é a concepção formar de tipicidade.

Insatisfeita com essa concepção de mero juízo formal de tipicidade busca-se hoje restringir a área de abrangência do Direito Penal pois, como visto no capítulo que tratamos dos princípios informativos do direito penal, temos o princípio da fragmentariedade em que busca-se uma restrição do alcance do direito de punir limitado àquilo que é fundamental para o corpo social pois deriva da própria natureza da concepção de Estado Democrático de Direito.

É preciso não só atentarmos para uma tipicidade formal, mas também estarmos atento a tipicidade material. Tipicidade material que entrega ao tipo um conteúdo valorativo e não somente descritivo.

Bem, foi dito antes que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, dispensando bagatelas. É preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade.

  • Desta forma, torna-se necessário que a tipicidade seja auferida em sua duas vertentes, a primeira pela enfoque formal, subsunção da conduta ao tipo. E de sua vertente material, lesividade a bens jurídicos socialmente relevantes do ponto de vista jurídico e/ou ético.

    Podemos correlacionarmos tipicidade material com o conceito de crime material, sobre este ultimo nos ensina Damásio de Jesus:

    “É certo que sem descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime. Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns fatos como criminosos. É preciso dar um norte ao legislador, pois, de forma contrária, ficaria ao seu alvedrio a criação de normas penais incriminadoras, sem esquema de orientação, o que, fatalmente, viria lesar o jus libertatis dos cidadãos”.21

    Somente deve ser incriminada a conduta que lesione ou traga perigo de lesão a interesse protegido pela lei penal. De acordo com o caráter do direito penal somente algumas condutas devem ser objeto de sanção penal; aquelas que causarem uma relevante lesão aos interesses jurídicos de maior relevância.

    Se o legislador obrigatoriamente deve estar atento a tipificar somente condutas que forem lesivas a interesses relevantes para o corpo social às condutas que não forem lesivas a esses interesses não devem ser descritas pelo legislador como criminosas devido a sua atipicidade material.

    PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

    O surgimento do princípio da insignificância tem suas origens conexa ao direito romano através da máxima “mínima no curat praetor” vigorando assim no direito romano a impossibilidade do pretor de cuidar das causas mínimas, causas bagatelares. Posteriormente tal máxima também foi cunhado por Claus Roxin em 1964 em sua obra Política Criminal y sistema del Derecho Penal.

  • Com o colapso econômico pós Segunda Guerra Mundial acompanhou-se o aumento de crimes de pequena monta e ressurgiu os crimes bagatelares, desta forma o debate sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância ganha um caráter patrimonial. Constatando posteriormente se tratar de um equívoco pois o alcance do princípio da insignificância é amplo não se limitando somente aos delitos de caráter patrimonial.

    Também se afirma que o princípio da insignificância aflora como forma de limitação do poder absolutista do Estado, durante o iluminismo. Constando da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu artigo 5ͦ que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Podemos dizer que a Lei Penal deve ter um caráter seletivo e evitar, senão desprezar, às ações insignificantes.

    Surgindo o princípio da insignificância conjuntamente com o princípio da legalidade, expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789, a este dispensa os mesmos dignos respeito e observância que o princípio da legalidade.

    Como dito anteriormente no tópico que tratamos dos princípios informadores do Direito Penal, princípio trata-se da norma base de um sistema, o seu mandamento mais importante, o alicerce onde se construirá todo ordenamento jurídico.

    Podemos encontrar princípios positivados no ordenamento jurídico ou não. No entanto os princípios positivados e não positivados, ambos, possuem aptidão para informar o ordenamento jurídico, a sua obrigatoriedade decorre do seu conteúdo como fonte do Direito. Desta forma o princípio da insignificância surge como importante princípio informador do Direito Penal pois, quando se abandonou a análise puramente formal e, como vimos no tópico sobre a Tipicidade, a interpretação e análise dos institutos jurídicos também se dá pelo seu viés material.

    O conceito formal de crime pode ser extraído do artigo 1ͦ da lei 3.914/41 Lei de introdução ao Código Penal, in verbis:

    “ considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção quer isoladamente quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa (...)”

    Então podemos observar que a figura típica, inicialmente, se faz por uma adequação entre a conduta praticada e a previsão legal abstrata. Porém só se preenche com análise material consistente na gravidade do resultado que se busca ou que se concretizou. Caracterizado um resultado inócuo, insignificante, estaremos diante de um crime de bagatela. Assim como nos ensina Cássio Vinícius Lazzari:

    “O princípio de bagatela está em conformidade com a concepção material de crime, pois em ambos, para sua concreta ocorrência deve-se observar a adequação do fato ao tipo penal, ou seja, a violação do preceito proibitivo implícito (violação da norma penal; (conceito formal de crime), acrescido da ofensa a um interesse penalmente tutelado (conceito material de crime)”.²²

    O conceito do princípio da insignificância é claramente descrito na doutrina de Julio Fabrini Mirabete, senão vejamos:

    “Pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes. A tais ações, falta o juízo de censura penal.”²³

    É preciso estarmos atentos para o caráter restritivo dos princípios do Direito Penal como o princípio da insignificância. Entender esse importante instituto jurídico passa pelo viés da concepção material de crime não bastando a subsunção da conduta ao tipo penal. Então o princípio da insignificância é um instrumento de interpretação que restringe a aplicação da norma. Instrumento este que privilegia outros princípios informadores do Direito Penal e fortalece o caráter político-criminal ao descriminalizar, pela via da atipicidade, condutas que atingem de forma significativa bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal.

    O legislador deve estar atento ao princípio da insignificância pois esse se encontra em perfeita simetria com os demais princípios informadores do Direito Penal.

    O princípio da insignificância mostra-se hábil instrumento para limitar o alcance da norma penal ao tornar, materialmente, atípicas aquelas conduta que não afetam significativamente os bens jurídicos protegidos pela norma.

    Conclusão.

    A ordem jurídica obedece a toda uma de hierarquia normativa configurando em seu primeiro plano os princípios. Estes servem como base onde todo ordenamento jurídico será construído.

    O princípio da legalidade, dentre outros princípios, limita o poder punitivo do Estado. Conexo a este princípio está o princípio da reserva legal que requer lei formal para regular determinadas matérias necessariamente obedecendo preceitos constitucionais a este respeito. Ainda destaca-se o princípio da intervenção mínima que limita o poder incriminador do Estado deixando para o recurso ao Direito Penal como ultima ratio, ultimo recurso que o legislador deve usar para regular uma conduta.

    Ainda podemos destacar a necessidade de haver uma proporcionalidade no tocante a necessária e adequada medida para proteger um bem jurídico, o perfeito equilíbrio entre o custo e o benefício que uma norma pode trazer para a sociedade.

    O atual conceito analítico de crime obedece uma sequência lógica tripartite subdividindo-se o crime em fato típico, ilícito e culpável. E logo, ao tratarmos da tipicidade, observamos que seu conceito alinha-se a sua história. O elemento tipicidade passa por duas vertentes a formal e a material. Tratando-se a formal da mera subsunção da conduta a norma penal incriminadora passamos a análise do fato por sua vertente material o que pode se mostrar ou não uma conduta típica. A mera correspondência do fato ao tipo penal já não basta para satisfazer a tipicidade. Então percebemos que a tipicidade carrega uma carga valorativa.

    Desta forma torna-se injustificado a utilização de todo aparato penal para aquelas condutas que não causem ofensa aos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, ainda que sejam as condutas formalmente típicas.

    O princípio da insignificância aplica-se aquelas condutas que não cause substancial lesão a bem jurídico penalmente relevante, ou quando causam, essa lesão é ínfima não justificando a utilização de todo aparato jurídico-penal.

    As condutas que não lesam bem jurídico relevante para a sociedade ou que, ao lesionar trata-se de uma lesão ínfima, devem ser objeto de outros ramos do direito, como o Direito Administrativo ou o Direito Civil em respeito a fragmentariedade do Direito Penal.

    Com o respeito ao princípio da insignificância e aos outros princípios informadores do Direito Penal, resgata-se a força desse importantíssimo ramo do direito, fortalece as instituições ao passo que diminuem o número de processos que superlotam as varas criminais e preserva a dignidade da pessoa.

REFERÊNCIAS

1.Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002. p. 07

2. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 89.

3 . BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 91.

4 . PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 149

5. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 148.

6. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.96.

7. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 150.

8. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas . São Paulo:Martin Clare, 2000, p. 229.

9.BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.124.

10 . PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 122.

11.Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002.p. 23.

12. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: 9ª. ed. rev atual e ampl. – São Paulo, 2010, p. 207.

13. Capez, Feranando. Curso de direito penal : parte geral : Vol.1 – ed.rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2002.p. 102.

14 BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.727.

15. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 728.

16. Ernest, Max Mayer (1915 Tratado de Direito Penal apud JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 305.

17. LAZZARI, Cássio Vinicius D. C. V. O Principio da Insignificância como Causa excludente da Tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória jurídica 2003, p. 29

18. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 306.

19. BITENCOURT,Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 17ª. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.734.

20. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 307.

21. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, vol.1: parte Geral 32ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011 pag 194.

22. LAZZARI, Cássio Vinicius D. C. V. O Principio da Insignificância como Causa excludente da Tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória jurídica 2003, p. 38.

23. MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. 13ͣ. Edição, São Paulo: atlas, vol. 1, 1998, p. 114.

Sobre o autor
Diemes Vieira Santos

Advogado. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 2015. Especializado em Direito Penal e Processo Penal pela PUC - MG Possui incondicional amor ao desafio e vê o estudo como uma forma de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Apaixonado pelo conhecimento jurídico, psicológico e científico. Experiente em Direito Criminal.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Afim de especificar em que meandros se aplica o principio da insignificância, faz-se necessário criteriosa análise de outros princípios afetos ao direito penal para, então, se chegar a uma analise contemporânea sobre os elementos que constitui o crime, em especial, uma análise sobre a tipicidade formal e tipicidade material.

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