As teorias da Ecologia Criminal e da Associação Diferencial em sua relação com as classes sociais - uma aplicação à realidade brasileira

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Este artigo tem como objetivo realizar uma análise da desigualdade social existente no Brasil, com base nas teorias criminológicas da Escola de Chicago.

1. Introdução

Desde o surgimento da Criminologia se teoriza sobre os fatores que dão causa ao
crime, que variam de acordo com o entendimento de cada autor e de cada teoria.
Abordam-se desde causas biológicas para a delinquência a causas puramente
sociais, como a apontada na Teoria Crítica, que infere que a classe dominante rotula
determinados atos como criminosos porque tal definição serve aos seus interesses.
No entanto, o conceito geral da ciência criminológica permanece o mesmo desde o
seu surgimento. Shecaira, em seu livro Criminologia (2013, p. 40), aponta como
objetos do estudo criminológico o delito, o delinquente, a vítima e o controle social
do delito. Este último receberá especial atenção neste artigo, uma vez que está
intrinsecamente ligado ao tema do mesmo. Assim o define o autor supracitado:
Toda sociedade (...) necessita de mecanismos disciplinares que assegurem
a convivência interna de seus membros (...). Dentro desse contexto,
podemos definir o controle social como o conjunto de mecanismos e sanções
sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas
comunitários (2013, p.53).

Nesse sentido, surgem dois tipos de controle social: o informal, que acontece em
meio a sociedade e seus institutos, como a igreja e a escola; e o formal, que se
impõe com a atuação do Estado. É o caso da polícia e do poder judiciário.
Dessa forma, destacam-se duas teorias que serão discutidas neste texto e, no
momento oportuno, postas em xeque junto à realidade brasileira: a Teoria da
Ecologia Criminal, oriunda da Escola de Chicago e a Teoria da Associação
Diferencial. Ambas fazem alusão aos fenômenos sociais e sua relação com as
desigualdades, que exercem um papel fundamental no surgimento e na manutenção
dos comportamentos considerados delituosos.

2. Teoria da Ecologia Criminal (Escola de Chicago)

2.1. Da teoria e sua abordagem social
Tal teoria, também chamada de Teoria da Desorganização Social, surge em meio à
explosão de crescimento da cidade de Chicago, no meio-oeste dos Estados Unidos.
Com a industrialização do país, Chicago teve um boom migratório do final do século
XIX e começo do século XX, se tornando foco de imigrantes europeus e de negros
oriundos do Sul que chegaram em busca de trabalho.
Tendo sido criada em meio a esse processo, percebeu-se que a cidade passou a ter
um acréscimo no número de crimes, acentuado pelos problemas socioeconômicos
que surgiram com o crescimento desordenado da cidade. Uma vez notada essa
situação, passou-se a constatar, por meio de pesquisas estatísticas e estudos de
crimes individuais, que os crimes ocorridos tendiam a acontecer nas periferias, e que
essas regiões eram as que apresentavam as menores taxas de escolaridade, renda
e de laços sociais, que caracteriza o controle social informal, que acontece
diariamente no círculo social de cada indivíduo, compreendendo desde a família até
o local de trabalho.
Além disso, partindo do pressuposto de que as cidades apresentam os maiores
índices de criminalidade, vale ressaltar novamente que tendo pior condição
socioeconômica, as pessoas que moram nas periferias das grandes cidades
padecem do crime e também de distúrbios mentais, decorrentes da falta de amparo
do Estado em relação à saúde, à educação e à segurança pública, dentre outras
áreas.
Tal situação atinge toda a população ao estigmatizar determinadas áreas da cidade
(os guetos) e as comunidades que moram nesses locais, gerando assim uma
espécie de discriminação, que pode ser exemplificada pela indicação, mesmo
indireta, de áreas de risco à população mais abastada. Nesse sentido, fala
Alessandro De Giorgi em seu livro A miséria governada através do sistema penal:
(A cidade) cria a segmentação da multidão através de uma ecologia do medo
que, na cidade, se materializa na figura do estrangeiro, do imigrante, do
desempregado, do dependente de drogas (2012, p. 28).

No que se refere ao controle social informal, este se perde com o advento da
sociedade moderna. Pode-se exemplificar tal situação nas metrópoles brasileiras,
cuja esmagadora maioria passou por um processo semelhante ao de Chicago.
Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza expandiram-se abruptamente
no século XX, em meio às secas que assolaram o sertão nordestino. O Estado, por
sua vez, manteve-se inerte a essa situação, mantendo o foco econômico no Sudeste
e ignorando a situação do resto do país. Além disso, uma série de fatores levam à
desorganização social, como a negligência em relação às minorias e a condução
autoritária da economia pela elite a despeito da situação de miséria que, no caso
brasileiro, por exemplo, era (e ainda é) extremamente acentuada. É nesse contexto
que a desorganização social se evidencia, por meio da prostituição, das doenças e
dos crimes.

2.2. Críticas à Escola de Chicago
É notável que o pensamento inaugurado na Teoria da Ecologia Criminal estabeleceu
um bom procedimento para o estabelecimento de políticas criminais para a
erradicação da desigualdade e, por conseguinte, da criminalidade. No entanto, é
perceptível que, na teoria, não se faz nenhuma alusão às classes sociais mais
abastadas, de forma a induzir, implicitamente, que nas áreas nobres das cidades
não há criminalidade e que os residentes dessas áreas não praticam crimes. Na
perspectiva da Escola de Chicago, define-se uma teoria que serve às sociedades
dinâmicas, céleres, e não às pequenas comunidades que mantiveram sua população
e seus costumes, que, em tese, não apresentariam desorganização social.

3. Teoria da Associação Diferencial

3.1. Da teoria e sua abordagem social
Esta teoria surge como um contraponto à Escola de Chicago, uma vez que
considera aspectos negados pela última, como a relação entre as classes sociais e
os tipos de crime que cada uma comete. Seu idealizador, Edwin Sutherland, teve
intenso contato com a Teoria da Ecologia Criminal, que serviu de base para a teoria
que será discorrida neste ponto.

A Teoria da Associação Diferencial surge em meio à expansão econômica dos
Estados Unidos que seguiu à Primeira Guerra Mundial. A economia americana se
servia dos mercados europeus e suas colônias espalhadas pelo mundo, em especial
as da África. Esse boom econômico promoveu um ambiente propício à corrupção
administrativa e aos escândalos financeiros envolvendo autoridades estatais. Nesse
sentido, infere-se que os membros do Estado são pessoas de alto poder aquisitivo e
de boa formação acadêmica. O cerne da questão é que essas pessoas é que
estavam cometendo crimes contra o Estado, negociando de forma tendenciosa entre
seus pares.
Em suma, essa teoria defende que o crime é determinado pelo processo de
comunicação que o indivíduo passou. Dessa forma, infere que o crime não surge
naturalmente, mas é resultado da socialização incorreta do delinquente. Nessa
perspectiva, entende-se que o comportamento criminal é aprendido, principalmente
pela vivência, tenha sido esta parcialmente ou desde a infância. Cada pessoa
“aprende” a agir de acordo com o grupo no qual cresceu envolto, cometendo atos
delituosos quando sua violação dá mais frutos do que a observância dos preceitos
morais ou da lei, ou seja, quando o crime passa a compensar.
Esse processo de comunicação se refere à interação do indivíduo com as demais
pessoas, sejam estas apenas colegas ou do círculo familiar, das quais os
comportamentos são apreendidos. Isso se dá tanto com comportamentos
considerados adequados como com os considerados nocivos à sociedade. Portanto,
conclui-se que pessoas que conviveram com outras que agem “de forma lícita”,
tendem a agir da mesma forma, e o inverso é válido.
É válido ressaltar que, nesse sentido, Edwin Sutherland atestou os crimes do
colarinho-branco, que são aqueles cometidos no âmbito de sua profissão por alguem
de classe social elevada e de nome respeitável, desconsiderando, dessa forma, o
delito como algo exclusivo das classes menos favorecidas.
Reforça-se ainda o valor do controle social informal para a contenção da
criminalidade, uma vez que essas raízes que se criam na comunidade. No que se
refere aos crimes de colarinho-branco, Sutherland percebeu que da mesma forma
que há maneiras quase que consolidadas de como se praticar os atos delituosos
“comuns”, há também os meios próprios desses crimes, cujos praticantes utilizam-se

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de suas particularidades para infringir leis ou até mesmo para agir arbitrariamente
em assuntos relacionados à economia.
Sobre a aplicação da lei aos crimes de colarinho-branco, nota-se que o aparato
estatal é, muitas vezes, condescendente aos seus agentes, uma vez que estes
também estão no Estado. A pena a esses crimes não é tão severa, isso quando é
aplicada, uma vez que muitos casos são engavetados e esquecidos pelos próprios
pares dos autores do crime.

3.2. Críticas à Teoria da Associação Diferencial
Ainda que essa teoria seja mais consistente em relação à anterior, cabem críticas a
ela em relação à desconsideração de determinados aspectos do crime, como a
razão subjetiva pela qual um indivíduo comete o delito ou não, ainda que as
condições sejam favoráveis ao cometimento. A teoria se apresenta, nesse sentido,
com um pouco de determinismo. Além disso, pode-se questionar o pensamento de
Sutherland na questão do modo em que o comportamento delituoso é aprendido.
Não se considera, por exemplo, a complexidade do processo de aprendizagem, que
seria mais extensa do que a proposta pelo autor, seguindo o raciocínio do arbítrio de
cada um em, nesse caso, abstrair ou não ou comportamento criminal.

4. A aplicação dos dois pensamentos na realidade brasileira
O Brasil se insere nessas teorias de forma interessante uma vez que passou por
processos semelhantes aos Estados Unidos. Houve, em ambos, um processo
migratório fortíssimo, com a presença de negros recém-libertos da escravidão e que
não tiveram acesso a políticas públicas de inclusão. As metrópoles, como dito
anteriormente, cresceram de forma desordenada, situação que deu origem às
favelas, áreas desprovidas de serviços básicos como saneamento básico, saúde e
educação, e que muitas vezes foram submetidas a ações ríspidas por parte do
Estado e suas instituições.
Hoje, a maior parte dos crimes cometidos no Brasil é cometida por negros, pobres,
oriundos das periferias e que não tiveram acesso à escolas de qualidade. O motivo
pelo qual as prisões estão superlotadas e o Judiciário saturado de processos
criminais são as más escolhas que o país seguiu durante a sua história, desde a

não-inclusão dos negros citada a pouco até a recusa em se realizar pelo menos uma
ínfima reforma agrária que diminua a migração e os resultados que se seguem a ela
discorridos no texto.
No que se refere aos os crimes de colarinho-branco, estes estão evidenciados pelos
casos de corrupção que se arrastam, muitos sem solução, desde sempre, crimes
estes que são altamente nocivos ao desenvolvimento do país, que se dá em
aspectos pequenos da sociedade: na integração e na promoção da igualdade das
pessoas por meio de projetos educacionais, infraestruturais e culturais, dentre
outros.
Por fim, é essencial que o Brasil tome as rédeas da situação de forma a possibilitar
um caminho de progresso aliado à justiça social, tão amplamente defendida, por
exemplo, na Constituinte de 1987/88. A situação tem melhorado nas últimas duas
décadas, com a introdução de políticas de redistribuição de renda e a ampliação do
protagonismo do estado brasileiro frente às necessidades de moradia e de serviços
públicos em geral. Porém, é necessário fazer mais, de forma a causar impacto nas
gerações futuras, a fim de que estas vivam um país mais próspero e,
consequentemente, com menos desigualdade e menos violência.

Sobre o autor
Henrique Rafael Batista da Silva

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Estagiário de Direito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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