Um olhar por trás da audiência de custodia

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Nos três anos em que vem sendo adotada a audiência de custodia, esta vem gerado muito debate no direito brasileiro, para alguns ela é uma verdadeira evolução para assegurar e garantir o direito dos presos, confrontando o antigo sistema, para outros ela necessita de inúmeros ajustes e de urgente regulamentação, outros, ainda, entendem que nada mais é do que a demonstração da falência da segurança pública e da justiça criminal do país. Enfim, o que se percebe é que não há uma consenso acerca da sua eficácia e necessidade para o ordenamento processual penal.

Com previsão em pactos e tratados internacionais firmados  pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, que em seu artigo 7º, inciso V, dispõe: “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou de uma autoridade competente, por lei, para exercer funções jurisdicionais”. A audiência de custódia começou a ser implementada pela justiça brasileira em fevereiro de 2015 por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo. Um ano depois entrou em vigor a Resolução 213/2015 que regulamenta esse tipo de audiência, embora, ainda, não exista lei regulamentando o tema, o projeto de lei tramita no Congresso Nacional - PLS 554/2011. ¹

Referida  audiência consiste na ágil exposição do preso a presença do juiz nos casos de flagrante delito, a fim de que seja deliberado acerca da legalidade da prisão, da necessidade de permanência desta, da concessão da liberdade com ou sem imposição de outras medidas cautelares, da conversão da prisão em preventiva. Enfim, a audiência de custódia surgiu com o intuito de humanizar as prisões.

Nesta audiência o acusado será entrevistado pelo juiz, sem adentrar ao mérito da futura ação penal, serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. 

Além das hipóteses  já mencionadas o magistrado avaliará também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

Se o delgado de polícia é a autoridade competente para a primeira análise do crime não deveria caber a ele a verificação da legalidade da prisão? A apresentação do preso a um magistrado no exíguo prazo de 24 horas como prevê a audiência de custodia não seria um procedimento desnecessário? O exame da legalidade da prisão em flagrante e seus desdobramentos não poderia ficar a cargo apenas do delegado? Afinal, este é bacharel em direito, foi aprovado em curso e possui conhecimentos suficientes para tanto, sendo este o primeiro a avaliar e garantir os direitos fundamentais do preso.

O que se vislumbra é que com a realização das audiências de custodia vem se burocratizando cada vez mais o processo penal brasileiro, aumentando os gastos públicos, ferindo princípios constitucionais como da eficiência e, ainda aumentando a insegurança da sociedade. Não seria a finalidade oculta dessas audiências, promover acima de tudo um desencarceramento em massa, ao invés de  investir em políticas de segurança pública mais eficazes, criar mais presídios, a fim de buscar melhorar o sistema prisional, que atualmente nos moldes em que se encontra está falido.

O descrédito da sociedade com a justiça brasileira é crescente, a população não consegue entender o retorno quase que imediato do sujeito recém preso ao convívio social, além disso a atuação policial vem sendo cada vez mais depreciada, pois o policial arrisca a sua vida para efetuar uma prisão e o sujeito apreendido logo estará em liberdade. Nesse sentido, a desmotivação é geral por parte dos policiais e até mesmo da própria sociedade, refém de um Estado incapaz de lhe proporcionar segurança.

Em um país que no ano de 2017 registrou 59.103 vítimas assassinadas – uma a cada 9 minutos, em média, contabilizando entre homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, que, juntos, compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais (levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal) a sociedade não consegue aceitar esse tipo de política fomentada pelo poder público, uma vez que a audiência de custodia não surte nenhum efeito no sentido de se coibir a violência, de melhor punir o criminoso, mas sim surte efeito adverso, mostra ao malfeitor que ele pode cometer delitos, que logo será colocado em liberdade, não podendo olvidar do desencarceramento em massa que elas vem gerado. ²

 O que se observa, ainda, nas audiências de custodia Brasil a fora é que a palavra do preso vale mais que a do policial, que não há uma análise real da periculosidade dos presos, sendo esta extremamente superficial, em muitos casos não se avaliando se quer os antecedentes criminais do acusado, que prontamente retornará a comunidade para pratica de novos crimes.

Nessa perspectiva, a análise superficial que se faz nessas audiências corrobora com o aumento da criminalidade, uma vez que demonstra o descaso do Estado com as vítimas e transmite a sociedade a impunidade da justiça brasileira. O sujeito posto em liberdade na audiência de custodia, em muito casos, se vangloria que foi colocado rapidamente em liberdade e retorna para sua "rotina" criminosa. Assim, as medidas que vem sendo adotadas pelo Poder Judiciário brasileiro em nada contribui para a melhora da segurança pública, tampouco cria condições para resocialização do preso.

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Notas:

1 - DADOS SITE CNJ http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia

2 - DADOS SITE G1 https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml

Sobre a autora
Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães

Advogada, Especialista em Direito Público pela Uniasselvi e Especialista em Criminologia pela UFG – Universidade Federal de Goiás.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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