A multa do art. 523, § 1 do cpc/2015 (antigo 475-j do cpc/73) e sua aplicação no processo trabalhista

21/08/2018 às 18:27
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A MULTA DO ART. 523, § 1 DO CPC/2015 a luz do processo trabalhista e sua reforma recente, com a pacificação dos tribunais

A multa do art. 523, § 1 do CPC/2015 (antigo 475-J do CPC/73) e sua aplicação no processo TRABALHISTA

Marcelo Roberto Lourenço[1]

Sumario: 1 Introdução; 2 Apresentação do Caso; 2.1, Solução dada pelo Tribunal; 3 Legislação aplicável ao caso; 4 Análise de decisões divergentes; 5 Entendimento doutrinário;  Conclusão. Referências

1 INTRODUÇÃO

O processo trabalhista há muito vem se transformando, sendo dinâmico e acompanhando a realidade pátria. Assim, diante de um cenário cada vez mais individualista, onde as negociações em tese deixam de ser coletivas e sim pessoais, (vide reforma trabalhista vigente desde 11/2017 a luz da Lei 13.467/2017), onde houve ajustes considerados acerca dos direitos trabalhistas e propriamente do processo do trabalho como um todo, a aplicação de dispositivos basilares do Código de Processo Civil/2015, a grosso modo, passa a ser ratificada e incorporada com a referida reforma. Neste sentido, o presente artigo visa a elucidar alguns pontos acerca da execução, a principio sobre aquela prevista no artigo 523, § 1º CPC/2015, sua viabilidade e legalidade diante da CLT e a reforma trabalhista trazida pela Lei 13.467/2017, bem como a análise de decisões dos tribunais superiores e a divergência apresentada para no final apresentar o parecer acerca do tema.

2 APRESENTAÇÃO DO CASO

O julgado escolhido como base para esse artigo trata-se de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos que tramitou pelo TST - Tribunal Superior do Trabalho sob o n° TST-IRR-1786-24.2015.5.04.0000, em que é Suscitante SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Suscitado TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Interessados PADMA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS S.A. e JONATAS DIRCEU HERTER e AMICI CURIAE UNIÃO, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO – ABAG, que tratam da repercussão geral atrelada ao entendimento da aplicabilidade ou não da multa do artigo 523,§ 1º do Código de Processo Civil/2015 e sua aplicabilidade na Justiça Trabalhista.

2.1 Solução dada pelo Tribunal

No Acórdão sob relatoria do Ministro Mauricio Godinho Delgado, como revisora a Ministra Katia Magalhães Arruda, delimitada a matéria de ordem como tema desse artigo posto em pauta para julgamento do pleno do Tribunal Superior do Trabalho, fixou-se a tese pela não afetação do artigo 523 § 1º do Código de Processo Civil vigente pela CLT, logo, inaplicável na Justiça do Trabalho abrisse aspas, haja vista a decisão que surgiu em parecer do Pleno do TST fixando a tese da não afetação do aludido artigo processual civilista na Justiça Trabalhista e CLT, parecer definido no mês de Agosto de 2017, ou seja, antes mesmo do início da validade da reforma trabalhista Lei 13.467/2017 de 13/07/2017 que passou a vigorar em novembro/2017.

Na análise, os entes admitidos como Amici Curiae apontam discordância à aplicação do artigo processual civilista ao processo do trabalho, apontando sua contrariedade como segue:

União – sustenta não ser incidente na Justiça do Trabalho e na hipótese de o tribunal entender sua aplicabilidade à União quando condenada deve responder subsidiariamente, sustenta que a responsabilidade civil não pode existir sem a relação de casualidade entre o dano e ação ou omissão de quem a provocou.

No que concerne o posicionamento da Confederação Nacional da Indústria – CNI, essa baseia-se como segue:

...no expressivo aumento do impacto econômico dos passivos trabalhistas das empresas-reclamadas, argumenta ausência de omissão na CLT sobre o procedimento a ser observado na execução trabalhista, entendo ser vedada a utilização da analogia para fins de ampliação ou extensão de normas de caráter punitivo.

Assevera que ‘é importante consignar que pinçar o § 1º do artigo 523 para fins de combiná-lo com o artigo 880 da CLT criaria uma situação muito mais gravosa do que a estatuída no CPC. Isso porque a combinação desses dispositivos resultaria na incidência da multa no prazo de 48 horas, enquanto no CPC a multa somente tem aplicação após o prazo de 15 dias a partir da intimação’, entendendo que, a prevalecer tal argumento, o Poder Judiciário estaria legislando, em afronta aos princípios da separação dos poderes e da legalidade (arts. 2º e 5º, II, da Constituição Federal).

Seguindo a mesma linha, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) explana:

Entende, nos casos em que ‘o débito trabalhista não é expressivo, o próprio depósito recursal, de que trata o artigo 880 da CLT, já garante a execução. Dessa forma, a aplicação da multa de 10% de que trata o CPC vai de encontro à necessidade de se efetuar depósito recursal, haja vista que não há que se cogitar dessa incidência sobre o valor que já se encontra garantido o qual o devedor objetiva discutir em sede de embargos’.

Do mesmo modo, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abrag), sustenta que:

No mérito, busca analisar a matéria à luz das alterações trazidas pelo CPC de 2015 - seja no art. 15 ou no art. 523, § 1º. Após extensa e consistente fundamentação, entende que, dentre as regras relativas à execução, a aplicação ao processo do trabalho apenas da multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015, importaria em ensejar uma mistura de regras em afronta ao devido processo legal, além de entender que, em caso de eventual aplicação normativa subsidiária na fase de execução, deveriam ser incidentes os dispositivos da Lei nº 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal, nos moldes dos art. 889 da CLT.

Da análise dos Amici Curiae o posicionamento é unânime no sentido da rejeição ao uso do aluído artigo do processo civilista na Justiça Trabalhista. Por outro lado, os Tribunais Regionais das 24 regiões reputam-se não unânimes e divergentes, sobre a questão em tela.

Neste sentido, em sua maioria entendem-se não ser aplicável a Justiça do Trabalho a multa do artigo 523 § 1º do CPC, exceção os tribunais que tem casos ainda em análise ou já remetido ao TST, ou o Tribunal da 4ª região que entendia ser aplicável o dispositivo em tela a Justiça Trabalhista

No que concerne o entendimento do Ministério Público do Trabalho, o entendimento é pela aplicação da multa prevista no aluído artigo do CPC na Justiça Trabalhista.

Deste modo restou a Ementa:

FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA NO IRRR

Do quanto exposto, em conclusão, adota-se a seguinte tese jurídica no presente Incidente:

"A multa coercitiva do art. 523, § 1º, CPC/2015 não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o Processo do Trabalho, ao qual não se aplica".

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, (I) por maioria, definir a seguinte tese jurídica: "a multa coercitiva do art. 523, § 1º, do CPC de 2015 (art. 475-J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o Processo do Trabalho, ao qual não se aplica", vencidos os Exmos. Ministros Maurício Godinho Delgado, Relator, Kátia Magalhães Arruda, Revisora, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Alves Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena Mallmann, Lelio Bentes Corrêa e Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; (II) por unanimidade: (a) determinar a desafetação do processo TST-RR-90100-42.2013.5.16.0012, o seu desentranhamento dos presentes autos e o seu retorno à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região para que prossiga no juízo de admissibilidade do recurso de revista quanto aos demais temas; e (b) adiar o julgamento do recurso de revista constante destes autos.

Assim sendo, julgado pelo pleno do TST, fica ratificado a não aplicabilidade da multa prevista no aluído artigo 523 § 1º do CPC a Justiça Trabalhista.

3 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO

Ao entendimento pacificado pela jurisprudência dominante aponta que não se aplica a norma processual civilista à norma trabalhista, ou seja, o Artigo 523 1º do Código de Processo Civil não encontra respaldo na CLT, logo, não sendo aplicado nem por equiparação aos processos da Justiça do Trabalho.

Neste sentido a própria CLT já contempla em seus artigos 769 onde fica claro que o CPC é fonte subsidiária no processo trabalhista, vejamos:

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Ainda nessa seara, o artigo 880 do mesmo diploma legal, esse direcionado à execução trabalhista de forma direta, retrata o seguinte:

Art880 - O Juiz ou Presidente do Tribunal, requerida a execução, mandará expedir mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas, ou, em se tratando de pagamento em dinheiro, para que pague em 48 (quarenta e oito) horas...

            O novo Código de Processo Civil lei 13.105/15, trouxe em seu bojo o artigo 15:

Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

O que aponta “na ausência” de normas que regulem, ou seja, em regra deve haver tal ausência no próprio código vinculado à matéria, para que subsidiariamente o Código Processual Civilista, seja invocado a suprir tal lacuna.

Segundo análise inclusive entre os defensores da tese de não aplicabilidade, o artigo 521 § 1º do CPC se usado no processo trabalhista, iria de encontro com os princípios da legalidade e do devido processo legal, bem como, haveria ai o cerceamento de defesa, vez que há imposição de multa, antes mesmo, inclusive sem a devida impugnação o que se caracteriza o cerceamento de defesa, sendo essa análise feita pela doutrina e jurisprudência dominante, qual seja, contrários a afetação do aluído artigo no direito trabalhista.

Fato controverso, haja vista, seguindo a mesma linha de entendimento, a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6830/80) em seu artigo 1º que reporta inclusive ao próprio Código Processual Civilista, como fonte subsidiária a CLT.

O Artigo 889 da CLT direciona suas lacunas as fontes subsidiárias como o CPC e a Lei de Execuções Fiscais, assim contemplando em partes o previsto na CLT.

Por outro lado, a interpretação do artigo celetista leva alguns doutrinadores a concluir que a própria CLT já regula a execução diretamente como fonte primária sem necessidade de buscar em outros códigos.

Ao passo que a Carta Maior em seu artigo , inciso LXXVIII determinada a duração razoável do processo como um dos princípios garantidores mais fortes que do direito tem, vejamos:

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Fato que há discordância em análise comparativa, vez que nos citados artigos celetista nada prevê em relação a multa, o que deixa a parte credora sem o devido respaldo compensatório, ou seja, artigo 523 §1º Código de Processo Civil:

Art. 523.  No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1o Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

Observa-se na análise que o referido artigo fala em “condenação de quantia certa”, “já fixada em liquidação de sentença”, levando a crer que a fase de impugnação já foi superada, em não havendo o pagamento voluntário, no prazo ali estipulado, nada mais correto como o pagamento da multa prevista no parágrafo primeiro.

4 ANÁLISE DE DECISÕES DIVERGENTES

Ao passo que até tese fixada pelo pleno do Tribunal Trabalhista, mesmo seguindo o que já havia sido decidido em diversos tribunais regionais que editaram sumulas contrários a aplicação, há também, Tribunais Regionais, que já haviam decido como sendo em seu pleno, inclusive com edição de súmula regional, que o aluído artigo sim, seria aplicável a Justiça do Trabalho, sendo um deles o da TRT da 4ª região:

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, mediante acórdão às fls. 25-28, no julgamento do agravo regimental interposto pela Executada às fls. 07-13, em face de decisão monocrática proferida em sede de agravo de petição, negou-lhe provimento, por entender que deveria ser mantida a aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC/73, sob o fundamento de que essa decisão encontrava-se em consonância com a Orientação Jurisprudencial nº 13, editada no âmbito daquele Colegiado Regional, em que se assentou que ‘A multa de que trata o art. 475-J do CPC é compatível com o processo do trabalho’.

No mesmo sentido, ratificou o pleno do TRT 4ª região [i]

O referido apelo permaneceu sobrestado até ser concluído o julgamento do incidente de uniformização da jurisprudência no âmbito do TRT da 4ª Região – que culminou na edição da Súmula n° 75, nos seguintes termos ‘MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC. A multa de que trata o artigo 475-J do CPC é compatível com o processo do trabalho, e a definição quanto à sua aplicação efetiva deve ocorrer na fase de cumprimento da sentença. (Resolução Administrativa n° 29/2015. Disponibilizada no DEJT dias 02, 03 e 04 de setembro de 2015, considerada publicada dias 03, 04 e 8 de setembro de 2015)’.

            Mais tarde, o pleno do mesmo Tribunal veio a ratificar pela resolução administrativa numero 19 de 20 de maio de 2016, retificando a Instrução normativa 75 com o seguinte entendimento:

Nº 75 – Multa do artigo 523, § 1º, do CPC. A multa de que trata o art. 523, § 1º, do CPC é compatível com o processo do trabalho, e a definição quanto à sua aplicação efetiva deve ocorrer na fase de cumprimento da sentença.

Como se observa as súmulas 13 e 75 do TRT-4 é no sentido de aplicabilidade do artigo 475-J do CPC/73 alterado para o artigo 523 § 1º do CPC/15 a Justiça Trabalhista. Contrário a todo entendimento pacificado aos demais tribunais e ratificado pelo pleno do TST.

Também com entendimento favorável a aplicabilidade do aluído artigo 523, § 1º do novo Código de Processo Civil e o TRT da 1º Região, assim decidiu a 10ª turma:

MULTA DO ART 523 DO N.CPC. PROCESSO DO TRABALHO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. O devedor que cumpre a lei, depositando o valor devido ou oferecendo bens capazes de garantir o Juízo, tem a seu favor a garantia do devido processo legal, enquanto aquele que descumpre a norma, mantendo-se inerte ou valendo-se dela para procrastinar o feito, sujeita-se à adoção de meios coercitivos mais enérgicos. Apelo patronal desprovido.

(TRT-1 - AP: 00014941520115010048, Relatora: Rosana Salim Villela Travesedo, Data de Julgamento: 09/11/2016, Décima Turma, Data de Publicação: 16/12/2016)

Da respectiva análise do decidido, observa-se o entendimento favorável a afetação do artigo 523 do NCPC, haja vista, não há infringencia ao devido processo legal quando o devedor quite o valor devido e posterior discussão.

No mesmo sentido, a relatora do apelo acima, Desembargadora Travesedo em suas razões explana:

Destarte, se o novo regramento teve por escopo agilizar a satisfação dos débitos na esfera cível, indubitável sua aplicação aos créditos trabalhistas, pois destes o trabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigência da vida.

Há de se lembrar, no entanto, que tal tese foi proferida antes da validade da nova norma trabalhista vigente, que abarcou de forma subsidiária o CPC/2015.

No mesmo sentido, antes ainda da aluída reforma trabalhista o pleno do TST já havia editado a Resolução nº 203 de 15/03/2016, com a Instrução Normativa 39, onde ali ratificou o que efetivamente seria ou não afetado pelo novo Código de Processo Civil/2015 e nada citou acerca do aluído artigo 523, § 1º do Código Processual Civilista.

Na exposição dos motivos da respectiva resolução 203 o TST explana:

[ii]A preocupação com os profundos impactos do novo Código de Processo civil (lei nº 13.105, de 17.03.2015) no processo do trabalho, mas que aconselhar, impõe um posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, mediante Instrução Normativa. A proposta que ora se apresenta toma como premissa básica e vira mestra a não revogação dos arts. 769 e 889 da CLT pelo art. 15 do CPC de 2015, seja em face do estatui o art. 2º, § 2º da Lei de introdução das Normas de Direito brasileiro, seja á luz do art. 1046, § 2º do NCPC.

Daí que a tônica central e fio condutor da instrução normativa é somente permitir a invocação subsidiária ou supletiva do NCPC caso haja omissão e também compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual Trabalho. Entendemos que a norma do art. 15 do NCPC não constitui sinal verde para transposição de qualquer instituto do processo civil para o processo do trabalho, ante a mera constatação de omissão, sob pena de desfigurar-se todo o especial arcabouço principiológico e axiológico que norteia e fundamenta o Direito Processual do Trabalho.

            Observa-se, no entanto, que a aluída Instrução Normativa 39, regula sim a afetação por equiparação de alguns artigos do código processual civilista ao Processo do Trabalha, mas partindo de uma análise de compatibilidade, não somente de omissão.

            Ainda, pela análise daquela Instrução Normativa 39, há de se analisar o contesto como um todo.

Importante ressaltar, que antes mesmo do parecer do pleno do TST fechando questão acerca da não afetação do Artigo 523, § 1º do CPC a Justiça Trabalhista, havia divergências em diversos Tribunais Regionais do Trabalho, divergências essas explanadas nas conclusões ao final. 

5 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO

Por sua vez a doutrina também diverge em sua aplicabilidade.

Em sua obra Cremonesi explana: [iii]

Por força do Artigo 889 da CLT, na falta de disposição expressa aplica-se subsidiariamente, na execução, a Lei de Execução fiscal (lei nº 6.830/80), e na omissão desta última, o CPC. A única exceção a essa regra é a hipótese do artigo 882 da CLT, que dispõe sobre a ordem de preferência para indicação de bens à penhora, quando remissão direta ao contido no artigo 655 do CPC.

Acerca do pensamento dominante, [iv]Nascimento explana que sim, seria aplicável a multa do 475-j do CPC/73 substituído pelo 523 §1 CPC/15 cabível ao Direito do Trabalho, como segue:

Nos casos de condenação de obrigação de pagar quantia certa, se o condenado cumprir a decisão, o processo está findo. Caso não o faça, haverá um acréscimo. É que a lei processual civil dispões que (CPC, art. 475-J), caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%, e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, II desta Lei, expedir-se-á o mandado de penhora e avaliação. É de toda conveniência a aplicação do preceito e da multa no processo trabalhista; nada impede, diante da omissa da CLT, nem ferido estará o princípio da anterioridade da lei para penalidade. A lei processual civil incorpora-se ao processo do trabalho quando este for omisso (CLT, art. 769).

No entanto, o mesmo autor (Nascimento, 2011. pág. 319) aponta lacunas divergentes nas duas legislações, trabalhista e processual civil, qual seja:

As razões de decidir situam-se na inexistência de omissão na processual trabalhista, impedido a subsidiariedade do CPC. Isso porque a CLT tem dispositivos específicos para tratar de liquidação e execução e sentença (arts. 876 a 892)

Segue ainda explanando o comparativo divergente:

Enquanto a regra do art. 475-J do CPC fixa o prazo de 15 dias para o executado saldar a divida, sob pena de ter que pagar multa de 10% sobre a quantia da condenação, o art. 880 da CLT impõe prazo de 48 horas para que o executado pague o débito ou garanta a execução, sob pena de penhora. . (NASCIMENTO 2011, pag. 321)

Portanto, a aplicação da multa de 10% em caso de não pagamento em 48 horas contraria dois dispositivos legais, porque promove, por um lado, a redução do prazo de quitação do débito previsto no CPC e, por outro, acrescenta sanção inexiste na CLT. Mesmo se o julgador fixar prazo de 15 dias para o pagamento do débito, sob pena de multa, estará ampliando o prazo celetista de 48 horas, sem amparo legal. Por todas essas razões, a falta de pagamento da quantia em execução pelo devedor deve seguir a orientação do próprio processo do trabalho.  (NASCIMENTO 2011, pag. 321)

Essa divergência, no entanto, ocorre porque a lei trabalhista não trata, especificamente, da aplicação da penalidade (condição que atende ao primeiro requisito da legislação trabalhista o art. 769 da CLT no que diz respeito à necessidade de omissão da legislação trabalhista para autorizar a utilização subsidiária das regras do processo comum). Além disso, a aplicação da regra do art. 475-J do CPC agiliza o cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado. (NASCIMENTO 2011, pag. 321)

Ao passo que no entendimento de [v]Gonçalves, em sua obra Direito Processual Civil Esquematizado, salienta que:

A multa de 10% prevista no artigo 475-J para hipótese de não pagamento no prazo de quinze dias incidirá sobre o valor da condenação, o que inclui o principal, mais juros, correção monetária, custas e honorários advocatícios.

Controverte-se sobre a execução provisória. Forte corrente doutrinária e jurisprudencial manifesta-se pela afirmativa, sob o argumento que a lei não faz distinção e de que há uma execução, na qual a multa funcionará como estimulo ao pagamento.

Parece-nos no entanto, que ela não é compatível com a provisoriedade da execução.

Retrata o doutrinador, de toda ordem, que em se tratando de execução provisória não seria cabível o aluído artigo.

No que se refere a garantia do juízo, [vi]Cavalcanti/Jorge Neto aponta o seguinte:

Trata-se de um pressuposto processual para a oposição de embargos pelo devedor (Art. 884, caput, CLT). Se entendermos aplicável o teor do artigo (475-J, caput, do CPV (art. 523, NCPC) ao processo do trabalho, a garantia do juízo deverá abranger a multa de 10%.

Na lição de Bezerra Leite[vii] o artigo 475-J, CPC73 substituído pelo artigo 521, §1º CPC15 é sim aplicável ao processo trabalhista, vejamos:

Ora, se no direito comparado os juízes aplicam multa por descumprimento de suas decisões sem previsão na lei, mas valendo-se apenas da interpretação do texto constitucional com muito mais razão os juízes trabalhista brasileiros, ante a previsão expressa do artigo 475-J CPC, tem o devedor de aplicar a multa ali prevista. É uma questão de coragem e comprometimento com o principio da máxima efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais consagradas no Texto Magno.

 Seguindo na mesma, linha Bezerra leite explana:

Segundo defendemos, poderá o devedor efetuar, no mesmo prazo, pagamento parcial da divida, caso em que será observada a regra do § 4º do artigo 475-J, ou seja, “a multa de dez por cento incidirá sobre o restante”.

Em posicionamento contrário, Dânia Fiorin Longhi[viii] explana:

Como já foi colocado, aplicar-se-á em caso de omissão na fase de execução a lei de Execução Fiscal e esta, não havendo previsão, será aplicado o CPC. A CLT dispõe em seu artigo 880 que, não havendo pagamento em 48 horas, a pena será de penhora, ou seja, não há omissão quanto à penalidade pelo não pagamento, que é de penhora e não de multa.

Concluindo ela posiciona[ix]:

Havendo previsão expressa para duas hipóteses, não seria aplicado subsidiariamente o artigo 475-J CPC/73 (523 § 1º CPC/15) ao processo do trabalho.

            Embora a doutrina diverge em sua linha de pensamento, uns favoráveis a afetação do aluído artigo a Justiça Trabalhista, baseados no principio da razoável duração do processo previsto no artigo 5º LXVIII da Carta Maior, ou até o principio da dignidade da pessoa humana, haja vista, trata-se de verba alimentar, e outros ao contrário, essa a corrente dominante que efetivamente baseia-se, entendo não haver a afetação do artigo 523, § 1º do CPC/15 na Justiça Trabalhista, pois se houvesse não alcançariam os devedores trabalhista o direito a ampla defesa e ao devido processo legal. Inclusive, posicionam-se, que a CLT não é omissa nas questões de execução, o que por certo não se usa o CPC ou a Lei de Execuções Fiscais como subsidiária.

A abordagem do tema em tela traz um posicionamento dominante dos tribunais, protetivo aos devedores executados, a meu ver contrário a justa punição. O entendimento do pleno do TST mesmo com posicionamentos contrários fixou a tese de não afetação, contudo há de convir que tal posicionamento é benéfico a inadimplência trabalhista, indo de encontro aos interesses dos trabalhadores, vez que não faz uma análise direcionada, haja vista, não coadunar com o entendimento basilar previsto no artigo 769 da própria CLT atualizada, lei 13.467/17 que abarca o CPC/15 Lei 13/105/15, bem como, a Lei das Execuções Fiscais - LEF (Lei 6830/80) como meio subsidiário e de equiparão para julgar-se os litígios trabalhista quando de sua omissão, muito embora os artigos possa direcionar a execução em si, nada fala em penalidade, tão somente que deve-se cumprir, assim cabível seria por analogia o uso do aluído artigo processual civilista a Justiça Trabalhista.

Esse entendimento em base se deu pelo TRT4, mesmo antes da vigência da reforma obtida pela lei supra, de modo que a partir de 11/2017 com a vigência da nova lei trabalhista se abre novas perspectiva de entendimentos o que pode ser de bom tom haver nova análise da matéria.

Assim, poderia aventar a possível mudança de posicionamento acerca do tema, ouso ainda crer que o posicionamento do referido TRT4 anterior a tese do TST como sendo o mais adequado e correto a luz da realidade atual, sendo sim o artigo processualista civil aplicável ao processo trabalhista.

Com a inadimplência principalmente daqueles que já lesam os credores trabalhistas, nada mais justo, seria a aplicação de multa coercitiva para amenizar e talvez corrigir tal injustiça. Cito ainda o relato da Desembargadora Travesedo da 10ª Turma do TRT1, que em seu parecer explanou “indubitável sua aplicação aos créditos trabalhistas, pois destes o trabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigência da vida.”[x]

Como explanado acima, o direto do trabalhista reza não apenas como um direito social em si, mas sobretudo sobre a dignidade da pessoa humana, tratando-se de verba alimentar de onde o trabalhador retira do dia-a-dia de seu labor o sustento de sua família, carecido de urgência a resolução dos conflitos trabalhista é o direito a vida do trabalhador e daqueles que dele depende.

Neste contesto, e, sobretudo, não paira conflito com os artigos trabalhista de execução, sendo perfeitamente aplicável o aluído artigo processual civilista ao Processo Trabalhista, haja vista, não ferir o principio da ampla defesa como é o entendimento de uma corrente conservadora.

Deste modo, leva-se a crer que a afetação do aluído artigo 523, § 1º do código de Processo Civil à Justiça Trabalhista e a CLT seria a mais correta.

CAVALCANTI, Jouberto de Quadros Pessoa; NETO, Francisco Ferreira Jorge. Prática Jurídica Trabalhista. 7 ed. São Paulo: Atlas. 2015.

CREMONESI, André; MONTEIRO, Carlos Augusto Marcondes de Oliveira. Direito DO Trabalho – Coleção OAB Nacional 2ª fase, 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2013

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. LENZA, Pedro. Direito Processual Civil Esquematizado. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 2013.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2015

LONGHI, Dânia Fiori. Direito e Processo do Trabalho. Coleção Exame da Ordem, . 8º vol, São Paulo. Atlas.2010.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Processo do Trabalho. 6 ed. São Paulo. Saraiva. 2011

WEB SITES CONSULTADOS

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº IRR - 1786-24.2015.5.04.0000; Relator: Ministro – pleno do TST. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 30 de nov. 2017. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/noticia-destaque/-/asset_publisher/NGo1/content/id/24403758 >. Acesso em 25 fev. 2018.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.; Sessão Extraordinária, edição de Resolução 203, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente do Tribunal– pleno do TST. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 10 de mar. 2016. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe>. Acesso em 25 de mar. 2018.

RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho. . Disponível em: < https://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/417243473/agravo-de-peticao-ap-14941520115010048/inteiro-teor-417243480 >. Acesso em 21 março. 2018

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Sessão Extraordinária, edição de Resolução Administrativa 19, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhora Desembargadora Beatriz Renck, Presidente deste Tribunal– pleno do TRT4. Diário de Justiça Eletrônico, Porto Alegre, 20 de mai. 2016. Disponível em: < >. Acesso em 25 de mar. 2018.


[1]Marcelo Roberto Lourenço, Pós Graduado em Direito do Trabalho e Previdência (Unisc) Pós Graduando em Direito Processual (PUC-Minas), cursos de extensão em Direito do Trabalho, Direito Tributário e Proc. Tributário, Direito de Família e Proc. Civil, Advogado militante na área trabalhista e família, titular do escritório Marcelo Roberto Lourenço Sociedade Individual de Advocacia.


[i] Processo nº TST-IRR-1786-24.2015.5.04.0000, fls. 2

[ii] http://www.tst.jus.br/documents/10157/429ac88e-9b78-41e5-ae28-2a5f8a27f1fe, fls. 6/7

[iii] Direito do Trabalho, Coleção OAB Nacional, fls. 357

[iv] Iniciação ao Processo do Trabalho, 6ª Ed, fls. 319

[v] Direito Processual esquematizado, titulo VIII da Execução Civil, Item 5.2, fls.653

[vi] Pratica Jurídica Trabalhista, item 19.1.7 garantia do juízo, fls. 404

[vii] Curso de Direito Processual do Trabalho, 13º edição, fls. 1244 e 1245

[viii] Direito e Processo do Trabalho, Coleção Exame da Ordem, 8 volume,  fls.179

[ix] Direito e Processo do Trabalho, Coleção Exame da Ordem, 8 volume,  fls.179

[x] Processo nº TRT1 –AP-14941520115010048, fls. 1 e 2

Sobre o autor
MARCELO ROBERTO LOURENÇO

Advogado e contador, especialista em direito trabalhista e família, atuante atendendo pessoas jurídica e física, milita na região de Santo Amaro, Capital/SP e Grande SP, Titular de escritório jurídico, comando mais 3 advogados e assistentes, com equipe experiente em diversos segmentos do direito.

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