A denominada Chapa VERDE OLIVA, assim chamada por alguns a chapa formada pelo Deputado Federal Jair Bolsonaro, e o pelo General Mourão (pelo fato de ambos serem advindos das fileiras do Exército Brasileiro), vem, recentemente, sendo alvo de inúmeras tentativas de desestabilização.
Dentre estas investidas, estão aquelas pretensamente fundamentadas em preceitos jurídicos. Que, se acolhidos, resultariam na impossibilidade da candidatura à Presidência da República ser levada adiante, ou de ter o seu desfecho com a investidura no cargo.
Neste texto, será aqui analisada única e exclusivamente a tese veiculada por alguns, de que candidato que estiver sendo alvo de processo-crime (mesmo que sem condenação transitada em julgado, e sem condenação por órgão judicial colegiado), não poderia ser empossado no cargo de Presidente da República.
O ponto de partida (e de chegada) para este breve exame deve ser, indispensavelmente, a própria Constituição Federal. Vejamos o que estabelece seu art. 86, que trata desta temática:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Assim é que, a Constituição Federal, em nenhum momento, estabelece que a Presidência da República não pode ser ocupada por alguém que esteja respondendo a processo-crime. Até porque, diga-se de passagem, e a propósito, o fato de ser acusado em um processo judicial, não significa que o réu seja realmente culpado pela imputação da prática do crime. Neste contexto, a condenação com base na acusação é apenas uma possibilidade, e não uma certeza.
O que a Constituição prescreve, literalmente, é que, se o Presidente da República (que tem foro por prerrogativa de função diferenciado) tiver sua acusação recebida pelo Supremo Tribunal Federal (nos crimes comuns que tenham relação com a função presidencial), ou recebida pelo Senado (nos crimes de responsabilidade), ficará SUSPENSO de suas funções pelo prazo de 180 dias. Sendo que, se o julgamento perante o STF ou Senado não for finalizado neste prazo de 180 dias, o Presidente RETORNARÁ à sua função, sem prejuízo da regular tramitação do processo ainda pendente.
A confusão toda sobre a impossibilidade de ocupação do cargo presidencial por quem responda a processo-crime, foi decorrência da decisão equivocada da Suprema Corte que, ao interpretar o texto constitucional, chegou a esta conclusão. Como se infere do julgado abaixo transcrito (o caso tratava da hipótese do substituto eventual do cargo de Presidente da República poder ou não assumir este encargo, na hipótese, o Presidente da Câmara dos Deputados Federais e o Presidente do Senado):
“...O Tribunal referendou parcialmente medida cautelar deferida em arguição de descumprimento de preceito fundamental para assentar que os substitutos eventuais do presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição Federal, caso ostentem a posição de réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de presidente da República e, por maioria, negou referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do presidente da República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas. (...) Ressaltou que a cláusula inscrita no art. 86, § 1º, da Constituição Federal torna claro o sentido de intencionalidade do constituinte, que quis impor ao presidente da República o afastamento cautelar (e temporário) do desempenho do mandato presidencial, considerada, em essência, a exigência de preservação da respeitabilidade das instituições republicanas, que constitui, na verdade, o núcleo que informa e conforma esse processo de suspensão preventiva. Por isso, os substitutos eventuais do presidente da República, se tornados réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, não poderiam ser convocados para o desempenho transitório do ofício presidencial, pois não teria sentido que, ostentando a condição formal de acusados em juízo penal, viessem a dispor de maior poder jurídico, ou de maior aptidão, que o próprio chefe do Poder Executivo da União, titular do mandato presidencial. Por consequência, os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os habilitam, constitucionalmente, a substituir o chefe do Poder Executivo da União em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta Corte, não ficariam afastados, ipso facto, dos cargos de direção que exercem na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na realidade, apenas sofreriam interdição para o exercício do ofício de presidente da República. [ADPF 402 MC-REF, rel. min. Marco Aurélio, j. 7-12-2016, P,Informativo 850.]
Nesta decisão acima transcrita, o STF sedimentou a premissa (incorreta) de que a Constituição Federal traria esta proibição de posse no cargo, se o substituto eventual estivesse respondendo a processo-crime. Porque o STF considerou que, quando o art. 86, §1°, determina o afastamento preventivo (por 180 dias) do Presidente da República (se recebida a acusação pelo STF ou pelo Senado, dependendo da situação), seria para preservar a probidade administrativa. Logo, se o próprio titular do cargo (Presidente da República) teria que ser afastado, não poderia seu substituto ostentar a posição de réu em processo-crime em tramitação.
Com todo o respeito devido, este raciocínio firmado pelo STF não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, a mesma Constituição Federal que determina este afastamento provisório por 180 dias, é a mesma que determina o RETORNO as funções se extrapolado este período e o processo-crime ainda não estiver finalizado. O art. 86, § 2°, acima transcrito é literal a respeito desta assertiva, e dispensa maiores considerações. Não se compreendendo como o STF pode chegar a uma tal conclusão em franca contradição com os dizeres constitucionais.
E mais. A Constituição Federal ainda traz outras duas garantias de ordem processual aquele que ocupa o cargo de Presidente da República, inscritas no art. 86, §4ª. Pelas quais, de acordo com precedentes do mesmo STF, o Presidente a) na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções; e b) em havendo processo-crime em andamento, este processo-crime deverá ser suspenso até o término do mandato.
Não se tratam de uma imunidade, mas sim de prerrogativas processuais, que conferem um tratamento processual penal diferenciado, em homenagem a importância da posição de Primeiro Magistrado da Nação. A esse respeito, na sequência são reproduzidos trechos de julgados do próprio STF sobre o tema:
"O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência. Da impossibilidade, segundo o art. 86, § 4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure processo penal contra o Presidente da República por crimes não funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação penal, nem conseqüentemente para o habeas corpus por falta de justa causa para o curso futuro do processo. Na questão similar do impedimento temporário à persecução penal do Congressista, quando não concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que a Constituição o tornasse expresso, a suspensão do curso da prescrição, até a extinção do mandato parlamentar: deixa-se, no entanto, de dar força de decisão à aplicabilidade, no caso, da mesma solução, à falta de competência do Tribunal para, neste momento, decidir a respeito." (HC 83.154, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11-9-03, DJ de 21-11-03)
"O art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, excluiu-o, durante a vigência de seu mandato — e por atos estranhos ao seu exercício —, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. A cláusula de exclusão inscrita nesse preceito da Carta Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, desde que estranhas ao ofício presidencial." (Inq 672-QO, julgamento em 16-9-92, DJ de 16-4-93)
Em outras palavras, em nenhuma passagem do texto constitucional existe a proibição de posse no cargo de Presidente da República, pelo fato de o candidato eleito estar respondendo a processo-crime. E mais, este processo-crime até então em tramitação, deverá ter seu curso suspenso, até o término do mandato presidencial quando, então, retomará sua regular marcha.
Ainda que reverenciando as decisões advindas da Suprema Corte, este entendimento sedimento não parece estar em sintonia com a Constituição Federal. E, portanto, cremos que será objeto de reconsideração no momento apropriado.
Diferentemente aconteceria se o candidato à Presidência da República já tivesse contra si proferida uma decisão judicial transitada em julgado, ou mesmo por órgão colegiado. Neste caso, por força de aplicação da popularmente conhecida Lei da Ficha Limpa, o candidato realmente não poderia sequer participar do pleito eleitoral (art. 1°, da Lei Complementar n° 64/90, com redação dada pela LC n° 135/10):
“...Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
...
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando...”
Em não havendo o enquadramento na denominada Lei da Ficha Limpa, não há fundamento constitucional para se impedir um candidato a participar do processo eleitoral, bem como da posterior investidura no cargo presidencial se sagrado vitorioso nas urnas.