Rastros de uma nova era

inteligências artificiais, reproduções assistidas, vidas virtuais, chips na pele, e física quântica

28/08/2018 às 16:55
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No início dos anos 80, a humanidade teve que se adequar às novas posturas em nome de um mercado globalizado. Agora, acomoda-se aos critérios do mundo digitalizado para não se excluir da dança orquestrada pelos artífices da vida virtual.

No início dos anos 80, a humanidade teve que se adequar às novas posturas em nome de um mercado globalizado. Agora, acomoda-se aos critérios do mundo digitalizado para não se excluir da dança orquestrada pelos artífices da vida virtual. São regras e comportamentos assentados sem plebiscitos ou referendos. Há uma adesão aos novos comandos num movimento frenético, porque seria o melhor, ou como se fossem guiados por uma ideologia de grupo ou cultura de massa, a exemplo de: se todos foram, nós também iremos.

Deste modo, as pessoas adentram no universo da informática, em cujo seguimento, de forma instigadora, vende-se a ideia de facilitação, de encurtamento de distâncias, e de inclusão social. Muitos se equivocaram, na medida em que o perto ou fácil é o distante e complexo que não se pode alcançar com as próprias mãos em casos desesperadores, onde o fortuito e a força maior fazem suas visitas abruptas. No caminho desses trilhos virtuais se estabelecem dependências, e as pessoas, apesar dos inúmeros amigos em suas redes sociais, estão sozinhas ao final de cada acesso e bate-papos. Essas certificam pesarosas, enfim, que as telas de computadores ou de celulares não lhes proporcionam aquilo que apenas outro humano poderia ceder-lhes, a exemplo do calor e afeição.

Grassa refletir que a humanidade caminha numa escala evolutiva. Nada retroage, a não ser a legislação para beneficiar o infrator. Lavoisier dizia que por aqui: “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” O bom roqueiro Rauzito nos anos 70 já se conformava em vivenciar essa metamorfose ambulante, antes de atrelar-se a velha opinião formada sobre as coisas. Chega-se a conclusão que questionar, neste âmbito, exsurge indispensável, até para que os humanos não se transformem em meras engrenagens ou parafusos de um sistema ou ferramenta.

No modus vivendi da pressa e o do estresse, enquanto marco da nova era, abre-se o leque para temáticas que vão desde os meandros da informática até a implantação de chips em humanos, sem embargo das nuvens que acondicionam informações digitais. Apresenta-se, noutra parte, as reproduções assistidas que seguem das clonagens terapêuticas ou reprodutivas até a manipulação da genética. Verifica-se, enfim, o ideário de se alcançar o invisível e não tangenciável por meio das fendas da metafísica ou da física quântica. Recorde-se, nesta vertente de domínio de poucos, que certa feita o saudoso juiz goiano Orimar de Bastos alterou sua decisão sobre o julgamento do júri em nome da psicografia de Chico de Xavier. A comunidade jurídica viu brotar uma nova era para as escolas jurídicas. Restou pacificado, portanto, que dialogar é preciso, inclusive com os mortos.

O diálogo, agora, porém, se esvazia na perspectiva de humanos. Há um monólogo estabelecido com robôs ou inteligências artificiais, que vicejam superar homens, antes de servi-los, apesar da evidente colisão com o princípio da automação que recomenda que a máquina jamais supere humanos. Constata-se, todavia, que o contrário dessa premissa vai se assentando, na medida em que pais de família, superados por computadores, estão expostos na vala do desemprego. Nesse sentido, atesta-se a estruturação de uma sociedade de excluídos numa época que tanto se propugna por ações inclusivas.

Na perspectiva de inteligências artificiais, observa-se bonecas de borracha encantadoras, com imagens e vestimentas que objetivam satisfazer desejos e fantasias eróticas, suprindo a lascívia e concupiscência dos plantonistas da entrega solitária num plano de afeição. Espera-se que tais moças, ou esculturas de material inflável, não se louvem dessas sabedorias mecânicas para dominar e controlar seus parceiros. Reconhece-se que esse campo endógeno de fantasias sexuais possui amplitude que os mais experts sexólogos se atrevem mensurá-los. Cientifica-se feliz, contudo, que tais esculturas de suprimento afetivo jamais poderão desenvolver o amor, porque esse abstrato sentimento transcende ao plano divino antes que o mero fetiche num plano de borracha e saber artificial.

A era da informática, com encurtamento de distâncias, economia de tempo, redução de espaço e aglutinação de informações se enraizou na atual sociedade. Não se ignora os benefícios nesta vertente. Ressalte-se, no entanto, que esse tempo dos computadores rompeu regras de condutas e o Legislador ou sociedade não puderam antever a sua lógica e rapidez repercutindo nas pessoas. Inicia-se agora uma corrida, atrás do tempo perdido, num processo extroverso, buscando regulamentar ou limitar o que possível for, no que tange à transgressão de direitos e atropelamento de mínimas garantias.

Entra-se na era do chip, e acredita ser este o vínculo e controle de todos os humanos, como se superasse os olhos do Onipotente em relação às suas crias. Em decorrência, ninguém se perde mais, ou pode praticar coisas às escondidas, ilícitas, ou será vítima de sequestro. Com a implantação do minúsculo metal na pele humana, a fiscalização e o controle à distância esnobam uma eficiência até então insuperável. Nesta senda, porém, esqueceram que os cidadãos possuíam direitos personalíssimos, a exemplo da privacidade, intimidade e honra. A tecnologia, em nome de sua pressa e do seu capricho em superar limites, adiantou-se novamente pegando o Legislador de calças curtas. Lastima-se, pois não se pode querer controlar humanos como se controla veículos ou celulares por sistemas de GPS.

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Note-se, que ao colocar o chip nas bolas de futebol, buscou-se a tecnologia e informática a serviço do homem, para dissipar fraudes, erros, enfim, árbitros vendilhões, em nome da ética e dos bons costumes. Noutra parte, quando se louvaram da metafísica ou de paranormais, para alcançar criminosos, superando ferramentas policiais obsoletas, nos pareceu também acertado em nome da garantia da ordem, e do equilíbrio da vida em sociedade.

Urge, num enfoque altruísta, vislumbrar os passos que a ciência e evolução tecnológica ensaiam, e qual o limite para essas. Questionar acerca das fronteiras para os estudos, inventos, e descobertas. Grife-se, pois, quando se objetiva, por exemplo, manipular a genética, resgatando a incoerente eugenia dos nazistas na seleção de espécies, que legitima abortos de fetos com deficiências, tais práticas Frankenstein não nos parecem apropriadas. Em que pese realçar a importância da clonagem terapêutica, nesta seara, que oferta cura para males diversos, utilizando material genético do próprio beneficiado.

No tocante às reproduções assistidas, que possibilitaram casais na completude da família, pela aquisição dos filhos que estavam inviabilizados diante das impotências generandi ou concepiendi, meritoriamente rende-se efusivos aplausos. Pondere-se, todavia, que mesmo realçando todos esses benefícios, não se deve fechar os olhos para os embriões criopreservados, excedentários, ou aqueles que não foram utilizados nos laboratórios, e que serão descartados como se vida não tivessem. Acentue-se que esse temor não pode revelar rejeição ou ojeriza ao novo, destarte quando a vetusta consciência emite sinais reiterados de que para frente articula-se a marcha existencial. Reflita-se, todavia, que há necessidade de cautela, com os passos e avanços que as ciências e novas descobertas estão articulando, amiúde numa perspectiva questionadora, à guisa de ilustração, por que mãos e propósitos nos chegam tais adventos.

Analisar e refletir, neste contexto, afiguram-se posturas conscienciosas, mormente numa ocasião em que a nossa pressa nos retira a sensibilidade para sopesar o que estamos recepcionando, descartando, em nome de quê ou de quem, e quais os reflexos disso para a humanidade. Recomenda-se, também, permear os olhos para aquilo que ficou para trás, uma vez que na era digital as panes nos discos rígidos de um computador, HDs, não só apagam os registros e histórias, mas também porque, de outro lado, as nuvens que acondicionam dados digitais podem se dissipar, a qualquer momento, no epicentro da guerra entre crakers.

Ah o novo e seus desafios! Que venha esse maravilhoso espetáculo de novidades, mas deixe os resquícios do passado para se sentir saudade, e lembrar que já existiu o ontem e não apenas o amanhã. Que as mudanças não nos transformem tanto, antes que não se saiba o que fomos, o que estamos sendo, e o que possamos ser daqui a alguns instantes. Enfim, que essa metamorfose tão célere nos permita chorar, sorrir, olhar para o tempo, e lembrar que gostávamos de conversar pessoalmente com humanos, que eram apelidados de pessoas.

Sobre o autor
Zilmar Aires

É advogado e professor unversitário. Especialista em processo civil pelo Centro Universitário de Anápolis. Mestre em Direito pela UniCEUB. Membro da União Literária de Anápolis-ULA e da Academia de Letras Brasileira-ALBA. Articulista político. Poeta-compositor. Músico. Palestrante e conferencista das ciências jurídicas e no seguimento religioso cristão. Tem como pilares básicos: a família, a escola e a religião.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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