TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

28/08/2018 às 20:12
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Mas pensemos, é justo? Se o Direito é bom senso, e a Justiça deveria reparar todas as perdas que o consumidor sofreu decorrente da falha na prestação do serviço, por quê frequentemente vemos que todo esse dissabor, via crucis, sacrifício imputado à parte

Por Luzanilba Moreira

Advogada chefe do escritório Habitare Consultoria e Assessoria Jurídica

Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro – Aposentada

Mestre em Direito pela UNESA

A pressa do dia a dia, com utilização de agendas do próprio celular, o qual passou a ter múltiplas funções, como despertador, lembrar de beber água, jogos, dispositivos de e-mail, serviços de taxi, entre tantas outras mais, nos faz ver que tempo é algo precioso, que precisamos usar com parcimônia, porque o mesmo é insuficiente para dar conta de todas as atividades necessárias para o homem moderno.

No entanto, frequentemente o consumidor perde minutos, que se transformam em horas quando somados, para buscar a solução de um problema que NÃO foi criado por ele, mas sim pelo fornecedor ou prestador de serviço. E, pior, nem sempre tem êxito no seu intento de buscar solução extrajudicial, sendo obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para ter o direito assegurado.

Pois bem, ao final de alguns meses, quiçá anos, com sorte o consumidor terá sua demanda solucionada, com o a entrega do bem querido, seja prestação de serviço, ou a entrega de um bem material.

Mas pensemos, é justo? Se o Direito é bom senso, e a Justiça deveria reparar todas as perdas que o consumidor sofreu decorrente da falha na prestação do serviço, por quê frequentemente vemos que todo esse dissabor, via crucis, sacrifício imputado à parte frágil dessa relação, é reconhecida como mero aborrecimento?

Mero aborrecimento não deve ser considerado o sentimento constante e duradouro de frustração que retira o consumidor das suas tarefas habituais, da sua rotina. Que o faz ficar horas ao telefone, contratar um advogado ou um defensor público, relatar várias vezes o fato, reviver a situação.

Parece que há uma luz no fim do túnel. Confirmando a tendência das últimas decisões sobre o assunto, o STJ adotou a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor para condenar fornecedores a indenizar em danos morais.

O tempo do consumidor é dele, e o emprega da maneira como quiser, até no ócio. Não é porque o tempo despendido para solucionar o problema não tinha destinação produtiva economicamente, que não houve dano. Insista-se, o tempo do consumidor é dele, assim como a repercussão do dano causado só a ele diz respeito. A dor é sentimento único.

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor considera que tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável, conforme trecho da decisão abaixo:

"Com efeito, tem-se como absolutamente injustificável a conduta da instituição financeira em insistir na cobrança de encargos fundamentadamente impugnados pela consumidora, notório, portanto, o dano moral por ela suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter sido submetida, por longo período [por mais de três anos, desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a verdadeiro calvário para obter o estorno alvitrado, cumprindo prestigiar no caso a teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, por meio da qual sustenta Marcos Dessaune que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável, ao perfilhar o entendimento de que a "missão subjacente dos fornecedores é - ou deveria ser - dar ao consumidor, por intermédio de produtos e serviços de qualidade, condições para que ele possa empregar seu tempo e suas competências nas atividades de sua preferência. Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências - de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer - para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar. Tais situações corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito brasileiro. Trata-se de fatos nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de 'dano material', de 'perda de uma chance' e de 'dano moral' indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos nocivos) ser juridicamente banalizados como 'meros dissabores ou percalços' na vida do consumidor, como vêm entendendo muitos juristas e tribunais." [2http://revistavisaouridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/71/desvio-produto-doconsumidor-tese-do-advogado-marcos-ddessaune-255346-1. asp]”. (STJ, AREsp 1260458, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Dje. 25.04.2018).

Sobre a autora
Luzanilba Moreira

Advogada no Estado no Rio de Janeiro Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro – Aposentada Mestre em Direito

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