Por Luzanilba Moreira
Advogada chefe do escritório Habitare Consultoria e Assessoria Jurídica
Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro – Aposentada
Mestre em Direito pela UNESA
Houve tempo em que, para o cumprimento de um contrato, bastava a palavra ou o fio do bigode. A confiança era implícita em qualquer negociação. No entanto, com o aumento da população e dos inúmeros negócios jurídicos resultantes dessas relações interpessoais, fez-se necessária a introdução de princípios norteadores para reger os contratos, sempre em busca da preservação da segurança jurídica.
O antigo Código Civil, o qual teve início de sua redação à época da Abolição da Escravatura, privilegiava a liberdade contratual, manifesta no princípio da autonomia da vontade, com a ilusão de igualdade entre os contratantes. Embora de maneira inicialmente tímida, já que era reconhecido como princípio geral do direito, o princípio da boa fé entre os contratantes esteve presente nas decisões dos Tribunais há décadas, adequando lentamente a realidade negocial à função do social do contrato, reconhecendo a diversidade existente entre os contratantes, seja do ponto de vista jurídico, intelectual ou econômico.
A invocação do referido princípio, como base legal contratual, ocorreu a partir da vidência do novo Código Civil (2003), que expressamente dispõe no artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Assim, deixou de lado o Estado Social, adequando-se à função social do contrato, à boa fé objetiva e à equidade contratual.
A sociedade, massificada por contratos padrões, deve preservar o direito daquele que tem seu nome inserido em contrato, muitas das vezes com normas ininteligíveis para o cidadão comum. Nesse sentido, em recente decisao do Tribunal de Justiça da Paraíba, houve a anulação de contrato bancário de empréstimo à pessoa analfabeta que, procurada em sua residência por empresa terceirizada da instituição bancária, apôs a digital da idosa em documento em branco, no qual posteriormente foi incluído o valor tomado de R$ 18.000,00, a ser pago em 72 prestações de R$ 430,00, mediante desconto consignado em folha de pagamento de benefício social.
Independente das tentativas administrativas do consumidor-vítima em demonstrar à instituição financeira que não aderiu ao contrato, somente por via judicial o negócio foi desfeito, uma vez que restou provado que até as testemunhas do contrato eram prepostas do referido banco.
Em um país continental como o Brasil, com desigualdade social intensa, temos o município com o pior IDH do Brasil numa ilha do arquipélago do Marajó. Melgaço (PA) tem pouco mais de 26 mil moradores e índice de 0,418 — o do município na melhor posição, São Caetano do Sul (SP), é 0,862, o dobro. A lista mais recente dos IDHs municipais, feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), é de 2013. Quanto mais perto de 1, maior o desenvolvimento.( https://oglobo.globo.com/brasil/nas-cidades-com-10-piores-idhs-corrupcao-descaso-19823053#ixzz5MPUvjcjo )
Com a desigualdade acima mencionada, não há como considerar que as decisões dos Tribunais sejam uniformes para todo o país. A diferença de classes sociais não tem barreiras geográficas. No mesmo município pelos bairros com o metro quadrado mais caro do país mas, no entanto, estão cercados de favelas, onde o Estado não se faz presente.
O Direito está a serviço de todos esses cidadãos, daí a razão para a norma jurídica criar mecanismos para reduzir a desigualdade existente.