NÃO CABE A IMPOSIÇÃO DA ALTERAÇÃO DO SOBRENOME DE UM DOS EX-CÔNJUGES APÓS O DIVÓRCIO
Rogério Tadeu Romano
O site do STJ, em 28 de agosto do corrente ano, informa que, no caso de divórcio, não é possível impor, à revelia, a alteração do sobrenome de um dos ex-cônjuges, por se tratar de modificação substancial em um direito inerente à personalidade – especialmente quando o uso desse nome está consolidado pelo tempo.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de ex-marido que queria, em ação de divórcio, à revelia da ex-mulher, exigir que ela deixasse de usar o sobrenome dele, após 35 anos de casamento.
A sentença que decretou o divórcio não acolheu a pretensão de que a mulher fosse obrigada a retomar o sobrenome de solteira, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
No STJ, o homem alegou que, como a ação de divórcio correu à revelia da mulher, isso equivaleria à sua concordância tácita quanto ao pedido relacionado ao sobrenome.
Ao negar provimento ao recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a decretação da revelia da ex-mulher na ação de divórcio não resulta, necessariamente, em procedência do outro pedido feito pelo autor na mesma ação, para modificar o sobrenome da ex-cônjuge, sobretudo quando ausente a prova dos fatos alegados.
“O fato de a ré ter sido revel em ação de divórcio em que se pretende, também, a exclusão do patronímico adotado por ocasião do casamento não significa concordância tácita com a modificação de seu nome civil, quer seja porque o retorno ao nome de solteira após a dissolução do vínculo conjugal exige manifestação expressa nesse sentido, quer seja porque o efeito da presunção de veracidade decorrente da revelia apenas atinge as questões de fato, quer seja ainda porque os direitos indisponíveis não se submetem ao efeito da presunção da veracidade dos fatos”, afirmou.
Para a ministra, a pretensão de alterar o nome civil para excluir o sobrenome adotado por cônjuge, após o casamento, envolve modificação substancial em um direito da personalidade. Assim, segundo a ministra, é inadmissível a mudança à revelia quando estiverem ausentes as circunstâncias que justifiquem a alteração, “especialmente quando o sobrenome se encontra incorporado e consolidado em virtude do uso contínuo do patronímico”.
“O direito ao nome, assim compreendido como o prenome e o patronímico, é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade”, ressaltou a ministra Nancy Andrighi.
Desde a Lei nº 6.515/77, que introduziu no Brasil o divórcio, o nome do marido pela mulher não é considerado uma obrigação, mas uma faculdade. Daí o fato de ter passado a ser optativo para a mulher que casa, a adoção dos apelidos de seu consorte. Ela tem a faculdade de adotá-los, portanto, o direito de não fazê-lo.
Essa a lição de Silvio Rodrigues (Direito Civil, Direito de Família, volume VI, 6ª edição, 1978, pág. 151).
O entendimento que existia é de que a mulher perde o direito de usar o nome do marido, por ela adotado em duas hipóteses: a) quando for vencida na ação de separação judicial; b) quando tomar a iniciativa de propor ação de separação judicial, nas hipóteses dos parágrafos primeiro e 2º do artigo 5º da Lei do Divórcio.
Na separação amigável e no divórcio a questão do nome da mulher se resolve no acordo. Mas ainda que nesta fique estabelecido que a mulher conservará o nome de casada, pode ela sempre requerer ao juiz, com êxito, que ordene ao Oficial do Registro Civil a supressão daquele patronímico, independente da audiência de seu antigo esposo. Isso porque o uso desse nome é uma prerrogativa da mulher, e não um dever.
O divórcio não faz perder o direito ao uso do nome do cônjuge, salvo se, no divórcio indireto, o contrário estiver disposto em sentença de separação judicial (CC, art. 1.571, § 2º; RF 266:177; RJTJSP, 60:54, dentre outras decisões).
Pela Lei nº 6.515/77, artigo 25, parágrafo único, com a redação da Lei nº 8.408/92, a mulher perdia o direito de usar o apelido de família do marido, visto que só adquiria esse direito em função do casamento, que com o divórcio se dissolvia em definitivo. Os julgados que, antes da Lei nº 8.408/92, admitiam à divorciada o uso do nome de casada baseavam-se no fato de que ela podia conservá-lo porque assim fora o disposto no anterior acordo de separação judicial. Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro, 24ª edição, pág. 357) entendiam que ela perdia o direito de usar o apelido do ex-marido, pois com o divórcio rompe-se definitivamente o vínculo conjugal. Se a divorciada quisesse unir-se ao ex-marido, não podia lançar mão da reconciliação; deveria contrair novas núpcias com ele. Não havia dúvida de que, em certas hipóteses excepcionais, a divorciada podia conservar o uso do nome da família do ex-marido, como por exemplo, no caso de ser conhecida, por sua profissão, pelo apelido do ex-marido, de tal sorte que se não mais o usasse poderia sofrer sérios prejuízos econômicos e sociais. Youssef S. Cahali entendia que, nesta última hipótese, a mulher não poderia conservar o nome do ex-marido, devendo substituí-lo pelo nome do novo consorte Mas, em que pese essa opinião respeitável, pela Lei nº 6.515/77 a mulher tem o direito de não reunir ao seu o apelido do ex-cônjuge, transmitindo-o à nova prole. Com a edição da Lei nº 8.408/92, eliminou-se essa problemática, pois a divorciada deveria voltar a usar o nome de solteira, só conservando o apelido da família do ex-marido nos casos previstos no artigo 25, parágrafo único, I a III.
Hoje, o cônjuge (marido ou mulher) vencido na separação judicial, perde o direito de usar o nome do outro, se isso for requerido pelo vencedor e se a alteração não acarretar(artigo 1.578, I, II e III, do Código Civil:
a) grave dano para a sua identificação;
b) manifesta distinção entre o nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; e
c) prejuízo grave reconhecido em sentença judicial.
O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá a qualquer momento, renunciar ao direito de usar o sobrenome do outro (CC, artigo 1.578, § 1º). Nos demais casos há opção pela conservação do nome de casado. Logo, o deliberado na separação judicial sobre o sobrenome do ex-cônjuge deverá ser mantido no divórcio. E, na hipótese de divórcio direto, poderá se, se quiser, conservar o apelido de família do ex-consorte (CC, artigo 1.571, § 2º), mas havendo novas núpcias deverá a ele renunciar.
O Código Civil de 2002 permite em caso de divórcio direto ou indireto, o direito de manter o sobrenome do ex-cônjuge, porque, em certos casos, a retirada desse apelido de família poderá causar dano à sua identificação. O artigo 1.571, § 2º, apenas veda o uso do nome de casado, na hipótese de divórcio indireto, ou por outra convenção, quando a sentença de separação judicial contiver disposição em sentido contrário.
Noticiou o site do STJ, datado de 1º de junho de 2018, que o restabelecimento do nome de solteira também é possível com a morte do cônjuge.
Como o divórcio e a viuvez são associados ao mesmo fato – a dissolução do vínculo conjugal –, não há justificativa para que apenas na hipótese de divórcio haja a autorização para a retomada do nome de solteiro. Em respeito às normas constitucionais e ao direito de personalidade próprio do viúvo ou viúva, que é pessoa distinta do falecido, também deve ser garantido o restabelecimento do nome nos casos de dissolução do casamento pela morte do cônjuge.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao autorizar que uma viúva retome o seu nome de solteira. De forma unânime, o colegiado concluiu que impedir a retomada do nome de solteiro na hipótese de falecimento representaria grave violação aos direitos de personalidade, além de ir na direção oposta ao movimento de diminuição da importância social de substituição do patronímico por ocasião do casamento.
Os artigos 57 e 109 da Lei 6.015/73 expressamente dispõem sobre a necessidade de intervenção do Ministério Público nas ações que visem, respectivamente, a alteração do nome e a retificação do registro civil.
O procedimento de retificação de registro civil, disciplinado no art. 109 da Lei 6.015/73, além de admitir a produção de prova testemunhal para amparar o requerimento, não faz qualquer exigência quanto à obrigatoriedade de início de prova documental para que a requerente possa fundamentar seu pleito. Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, não fazendo coisa julgada material, somente formal.
Dentro do direito absoluto à chamada personalidade, há o direito ao nome.
Qualquer indivíduo tem o direito de usar o nome, pessoal e familiar, que segundo a lei lhe pertence, isto é, segundo o registro civil.
Mas o STJ já entendeu que não é possível alterar ou retificar registro civil em decorrência de adoção da religião judaica. No caso, a esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa natural alegando que, ao casar, optou por acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Este, por sua vez, converteu-se ao judaísmo após o casamento, religião que é praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp 1.189.158).
O casal sustentou que o sobrenome do marido não identificava a família perante a comunidade judaica, razão pela qual pediram a supressão do sobrenome do esposo e sua substituição pelo da mulher. Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais compreensíveis que sejam os fundamentos de ordem religiosa, é preciso considerar que o fato de a família adotar a religião judaica não necessariamente significa que os filhos menores seguirão tais preceitos durante toda a vida.
A Corte Especial do STJ também já enfrentou a questão. No caso, um cidadão brasileiro, naturalizado americano, pediu a homologação de sentença estrangeira que mudou seu sobrenome de Moreira de Souza para Moreira Braflat. Ele alegou que, nos Estados Unidos, as pessoas são identificadas pelo sobrenome e que, por ser o sobrenome Souza muito comum, equívocos em relação à identificação de sua pessoa eram quase diários, causando-lhe os mais diversos inconvenientes (SEC 3.999).
Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, é inviável a alteração de sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na legislação brasileira. O artigo 56 da Lei de Registros Publicos autoriza, em hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a exclusão do sobrenome, afirmou o ministro.