Qual a principal diferença entre os contratos comuns e os contratos de trabalho?
Em síntese:
O principal fundamento para a diferença de tratamento entre os contratos comuns, do Direito Civil, e os contratos de trabalho – em seu sentido restrito, como sinônimo de contrato de emprego – reside na restrição da autonomia da vontade que ocorre neste último devido à desigualdade material entre as partes e a necessidade de salvaguarda dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Fundamentos da assertiva:
Nos contratos convencionais, inspirados pelo liberalismo clássico, prevalecia o ideal de liberdade individual, o individualismo, e imperava a não intervenção do Estado nas relações privadas e na economia, podendo as partes negociarem e contratarem livremente entre si, definindo seus próprios limites e condições.
Durante a era da Revolução Industrial, a relação de trabalho era regida pela lei da oferta e da procura, e a oferta de trabalhadores crescia ainda mais devido à utilização da mão de obra de mulheres e crianças, tornada possível pelo uso de máquinas ao invés da força manual. Aqueles eram submetidos a jornadas extenuantes, ambientes de trabalho insalubres e perigosos, além de receberem um salário baixíssimo. Tornou-se claro que teria de haver alguma proteção ao trabalhador, a parte mais fraca nessa relação. A liberdade total de contratar, que ainda vigorava nesse período, deixou o lado mais fraco à mercê dessa exploração desmedida. No Brasil não era diferente. O contrato de trabalho era disciplinado como “locação de serviços” no Código Civil de 1916, ainda sob o paradigma do Liberalismo, vigendo a autonomia plena da vontade dos contratantes.
Com o surgimento do conceito de Estado Democrático de Direito, de Estado Social, os direitos sociais, parte integrante dos direitos fundamentais, adentraram na ordem jurídica de muitos Estados através do fenômeno da constitucionalização do direito privado (civil e trabalhista), reconhecendo a necessidade de intervenção estatal com o fim de garantir a dignidade humana. Essa intervenção, efetivada também nos contratos civis, é conhecida como dirigismo contratual, e resultou do reconhecimento de alguns princípios fundamentais inovadores como o da função social da propriedade (Art. 5º, XXIII, CF); da função social do contrato (Art. 421 e 2.035, parágrafo único, CC/2002); do valor social do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º, IV, CF) e o da solidariedade (Art. 3º, I, CF).
Se todo esse arcabouço principiológico embasa a intervenção do Estado nas relações privadas a fim de garantir a dignidade humana e os direitos sociais, mesmo nos contratos civis, nos contratos de trabalho essa liberdade de contratar é ainda mais mitigada.
Considerando a desigualdade material que há entre trabalhador e empregador nos contratos de trabalho, a subordinação jurídica e a dependência econômica, a plena liberdade de contratar precisa ser limitada pelos princípios específicos que orientam o Direito do Trabalho, em especial o princípio da proteção, e pelos princípios da função social do trabalho, da função social da propriedade, do valor social do trabalho e pelo princípio da dignidade humana.
Tal intervenção dá-se pela constitucionalização dos direitos sociais, pela ratificação das normas supranacionais (OIT), pela legislação infraconstitucional - disciplinando os limites às cláusulas dos contratos individuais e coletivos de trabalho, e pela jurisdição trabalhista, através da Justiça do Trabalho, ao apreciar as causas postas sub judice.
Esses são, portanto, os principais fundamentos para a diferenciação entre os contratos convencionais e os contratos de trabalho.
REFERÊNCIAS:
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018
LEITE, Luiz Henrique Aguiar. Flexibilização das Leis Trabalhistas: O perigo da desregulamentação. Monografia de graduação em Direito. Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Fortaleza, 2013.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: Método, 2008.