Capa da publicação Comentários à obra  “Política”, de Aristóteles
Capa: DepositPhotos

Comentários à obra “Política”, de Aristóteles

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

4. SOBRE A MELHOR FORMA DE GOVERNO

Para que se possa delimitar qualquer forma de governo, desde as consideradas mais inconsistentes às mais perfeitas, deve-se reconhecer as múltiplas partes da Constituição e a relevância imputada a cada uma destas no que concerne à estruturação política clássica. Aristóteles então distingue as atividades humanas em duas naturezas, que compoem, também a vita activa de Hannah Arendt (2014), de modo a se destacar entre os quais dois gêneros de vida que os homens podem adotar: a vida voltada para as atividades liberais, no qual a liberdade era caracterizada por não conter nenhum laço com as necessidades ligadas à sobrevivência e de qualquer meio que a garanta, esses indivíduos designavam suas vidas para o belo, que não era necessário à vida e nem efetivamente útil, tomando o homem como bios politikossomente aqui se fazia possível a ação e a plena participação políticas; há, de forma diametralmente oposta, a vida voltadas às atividades mecânicas, sem as quais o primeiro modo de vida citado se faz inviável, e que convém propriamente aos homens que não usufruíam de liberdade, justamente pela produção de coisas úteis e destinadas, de forma incontestável às necessidades, acarretando na impossibilidade do exercício das virtudes necessárias à prática política, e que chegam a afetar as faculdades da consciência:

Ora, deve-se considerar como mecânica toda a arte, toda a ciência que impossibilita para os exercícios e para a prática da virtude o corpo dos homens livres, ou sua alma ou sua inteligência. Eis por que nós chamamos mecânicas todas as artes que alteram as inclinações naturais do corpo, e todos os trabalhos que são mercenários; por que não deixam ao pensamento nem liberdade nem dignidade (ARISTÓTELES, 2009, p.268)

A pluralidade de formas de governo tem sua gênese no reconhecimento da variedade de partes constitutivas da cidade, se originando principalmente da consideração de diversas famílias, entre estas peculiaridades são notáveis, acarretando na distinção entre duas classes antagônicas: a classe dos ricos e a classe dos pobres; e ainda uma terceira classe: a mediana. As classificações dos governos decorrem da maneira pela qual a tensão entre a classe de ricos e de pobres resulta, sendo que o predomínio dos primeiros comumente uma minoria caracteriza uma oligarquia, e já a democracia é corolário do domínio político da maioria, tendencialmente composto pela classe dos segundos.

Partindo-se da premissa de que a república e a aristocracia são tipos ideais, portanto de difícil aplicabilidade e concreção geral, acabam por se corromperem em oligarquia em que uma minoria muito rica acaba por se tornar indisciplinada e passa a não reconhecer limites para seus excessos em nenhuma das esferas da ordem política estabelecida oferecendo assim assim risco à mesma, ou em democracia que uma maioria muito pobre e acostumada com omissões e submissões além das necessidades nas quais sempre viveram os incapacita na tomada de decisões conscientes. A solução encontrada entre as formas aplicáveis puras e suas corrupções é encontrada somente no meio termo entre os extremos, daí que se verifica a imprescindibilidade da ascensão da classe intermediária, se considerando que as demais se comportam:

Uns cheios de desprezo pelos seus concidadãos, os outros cheios de inveja: sentimentos estes que estão bem longe da benevolência e do caráter de sociedade que fazem o verdadeiro cidadão. [...]. A cidade deve ser formada tanto quanto for possível de cidadãos iguais e semelhantes; é o que se encontra nas situações médias. É preciso, pois, que o Estado mais feliz seja o Estado composto desses elementos que dele formam, repito, a base natural (ARISTÓTELES, 2009, p.141).

A proeminência da classe média em Aristóteles se deve ao fato desta ocupar uma posição na qual ninguém à quer prejudicar, e ela mesma não deseja nem reclama provocar danos à outrem “porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto dos excessos opostos” (ARISTÓTELES, 2009, p. 142), representando assim, um fim para tensão entre as classes antagônicas que sempre se finda por dominação por cada qual visar apenas seus interesses próprios; a classe intermediária mas numerosa e forte por não possuir necessidades gritantes, e nem ainda o orgulho que provoca o cometimento de excessos, por fim concede estabilidade e durabilidade aos estados que nenhuma outra classe pode gerar. Sendo que na impossibilidade de tal aplicação, pela aversão intrínseca ao homem à igualdade, as formas de governo se aproximam da perfectibilidade quando sob as condições e circunstâncias dadas, se adequam e buscam esse tipo de organização da vida política.


5. DEMOCRACIA E SUA ORGANIZAÇÃO, AFIRMAÇÃO DA OLIGARQUIA E MAGISTRATURAS

O livro sétimo discorre sobre a organização da democracia, a sua melhor forma, a precaução que o legislador dever ter na sua organização, o que deve ser feito para a afirmação da oligarquia – julgam justo o que esta de acordo com a opinião dos mais abastados, pois querem que o grau de riqueza é que deve conferir o direito de tomar resolução final sobre os negócios públicos (ARISTÓTELES,2003,pág.214) – e as diferentes magistraturas eletivas por todos e entre todos os cidadãos.

A organização da democracia vai levar em conta o fato de que a composição do povo é diversificada e há diferentes classes, dando origem a uma variedade de democracias, e também as consequências advindas da democracia determinam a combinação desses diferentes tipos de democracia.

Tendo como princípio fundamental do governo democrático a liberdade, tem-se que o cidadão deve obedecer e mandar, e que os pobres –por estarem em maior número –devem possuir mais autoridade. Um outro princípio fundamental é o de viver como se quer, utilizando-se desse princípio, pode-se traçar um paralelo com a ideia de igualdade de acordo com o primeiro paradigma da Teoria Geral do Estado, haja vista que ela é definida a partir de fazer o que quiser na hora que quiser, quanto menor a lei que habita maior é a liberdade.

A melhor democracia de todas seria a mais antiga –a primeira das quatro formas – e a melhor classe seria a dos agricultores, pela possibilidade de formar facilmente a democracia tendo em vista que muitos povos e em todos os lugares sobreviviam dessa cultura. A segunda classe, digna de destaque, é a dos pastores pelo fato de que eles têm a necessidade de se agruparem para irem ate os grandes centros de comércios, diferentemente dos agricultores que não sentem essa necessidade de se agruparem.

A organização da democracia se dá de duas formas: a primeira seria o sorteio da magistratura, e a outra forma seria por eleição. Há a possibilidade de se chegar a esse resultado repartindo a magistratura em duas, uma por eleição e a outra por sorteio. Ao longo do livro sétimo, o autor afirma que, enquanto que na democracia a salvação é a abundância da população, na oligarquia a afirmação deve-se pelo “efeito de uma ordem constante e regular” (ARISTÓTELES, 2003, pág.222).

Por fim, no capítulo V do livro sétimo, Aristóteles o inicia discorrendo sobre as magistraturas, como sendo aquelas indispensáveis para o funcionamento e existência de um Estado e as outras que funcionam como reguladoras da “boa ordem” sem as quais o Estado poderia não ser regido da maneira correta. Os cuidados que as magistraturas devem ter vão desde a fiscalização dos mercados, propriedades públicas e particulares até a execução de julgamentos, já outras possuem o controle dos dinheiros públicos.

É importante pontuar que nesse capítulo, Aristóteles chama atenção aquilo que até hoje perdura, ao afirmar que “os homens de condição baixa desejam sem cessar a igualdade e a justiça, enquanto os mais fortes em tal coisa não pensam de maneira alguma” ( ARISTÓTELES, 2003, pág.215) percebe-se que mesmo com todas as mudanças e revoluções mundiais, até mesmo com a globalização, o pensamento dos mais ricos e mais influentes ainda não é baseado na igualdade, muito menos na justiça, a democracia é um falso governo da igualdade.


6. REVOLUÇÕES NOS SISTEMAS DE GOVERNO E O SISTEMA DE PLATÃO

O livro oitavo trata das revoluções – nas democracias, oligarquias, aristocracias e monarquias – e o sistema de Platão sobre as revoluções.

A proporção desejada de direitos políticos por diferentes grupos acaba provocando desavenças, sendo esse o motivo geral das revoluções. O fato de que a virtude e a nobreza são características consideradas de uma minoria, reforçam o fato de que as pessoas (pobres) desprovidas dessas características estão em maioria e não possuem destaque algum. Em um governo em que essa afirmativa é valida, há maiores chances de revoluções, apesar de que na democracia há uma maior estabilidade e ela é menos exposta às revoltas e o povo nunca se rebela contra si próprio, diferentemente da oligarquia que as brigas resultam em desavenças entre as oligarquias, e vez ou outra entre as oligarquias e o próprio povo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

As revoluções no governo monárquico estariam muito ligadas ao fato de que aqueles que não se reconhecem como iguais tendem a buscar por essa igualdade, enquanto aqueles que já se reconhecem como iguais buscam pela superioridade promovendo um empasse e, a busca pela honra e pelo dinheiro também poderiam ser entendidas como causadoras de desavenças. Sendo assim as revoluções possuem causas relativamente pequenas, mas sempre tem importância e essa importância ganha corpo com o desenrolar dessas pequenas causas.

Com uma configuração diferente, as revoluções nos governos oligárquicos têm uma de suas origens quando os chefes exercem pressão sobre povo, e dessa forma o povo aceita o primeiro defensor que é apresentado –algo entendido como perigoso –, e também quando as oligarquias promovem elas próprias a revolução. É importante pontuar que quando o poder da oligarquia é colocado nas mãos de poucos, o Estado sofre com tal ação, podendo ocorrer revoluções. Um outro motivo seria oligarcas que se encontram “afundados” e roubam dinheiro público, colocando o povo contra eles. Nessa forma de governo, a classe pobre deve ser zelada de forma a garantir que ela desfrute dos empregos lucrativos.

Nos governos aristocráticos, “ o motivo das revoluções age por vezes sem o sentir, porque uma vez desprezada qualquer das coisas que têm influência sobre o governo, mais tarde novas transformações importantes irão sendo realizadas até que todo o edifício seja abalado” (ARISTÓTELES, 2003, pág.246).

Um ponto importante apresentado na obra é em relação a Educação Nacional, que para Aristóteles vai muito do que fazer o que deve ser feito tanto na democracia quando na oligarquia, mas tem relação a duração desses sistemas.

Na monarquia, a realeza se baseia no merecimento, na virtude e na força, o rei deseja e deve ser o defensor de seu súdito, de forma que “o rei deixará de reinar assim que se deseje” (ARISTÓTELES, 2003, pág.261).

Por fim, haja vista que toda a obra gira em torno nas formas de governos, revoluções e afins, a ideia de Sócrates na República de Platão, de que nada pode durar eternamente, mas que tudo deve ser transformado em um certo período. Além disso, Clóvis de Barros Filho ao discorrer sobre Aristóteles, cita a questão da finalidade: cada um descobre sua finalidade a partir da sua singularidade, dessa forma todos são diferentes por terem diferentes finalidade, e em toda sociedade as pessoas são classificadas pelo que fazem, umas são mais reconhecidas outras não, uns nascem para governar outros para obedecer, mas isso nada tem a ver com a sua finalidade no mundo, para ele há uma comunhão entre corpo e finalidade – a natureza do corpo – e não há glamour , pois ao viver em busca desse glamour passará a viver uma vida que não lhe pertence. O que nos mantém unidos é a vida eudaimonica, uma vida que vale por ela mesma, não precisa de justificativa, ela é por si mesma.


7. CONCLUSÃO

Diante dos aspectos supracitados em sua obra Política, Aristóteles estabelece uma crítica em relação à teoria política de Platão. Na obra A República, Platão afirma que para que se tenha um governo efetivo, é necessário que tal governo seja formado por uma comunidade real na qual os reis, sábios e filósofos governariam, onde todos os indivíduos se comportariam de forma correta. Todavia, segundo Aristóteles, a comunidade política deveria ser formada por homens comuns, sendo que esses seriam qualificados diante das posses e propriedades que forneceriam ócio para o proprietário, pois somente o cidadão que estuda e que tenha a compreensão da realidade, é que pode participar do debate na atividade política. O homem bem instruído só pode desenvolver todo o seu potencial quando internalizado na pólis, onde o bem comum da cidade-estado é o mesmo almejado pelo homem. É então necessário viver em coletividade.

Seguindo o raciocínio do pensamento aristotélico os anthropossão zoôn, e consequentemente somente por ser um zoôn politiconé que o anthroposé racional. Em suma, somente o animal que vive em uma pólis, formada por uma comunidade bem estruturada, justa e que visa fins comunitários é que esse homem pode se tornar um ser dotado de racionalidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: Roberto Raposo. 12ª Edição Revista Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.

ARISTÓTELES.A Política. Tradução: Nestor Silveira Chaves. 2ª Edição São Paulo: Edipro, 2009.

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2002

BOBBIO, Norberto. As Teorias das Formas de Governo.Brasília: Editora UnB, 1997. (caps. II, III e IV).

FIORAVANTI. Constitución: de la antigüedad a nuestros dias. Tradução: Manuel Martinez Neira. Madrid: Trota 200.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado – terceira edição – São Paulo. Martins Fontes, 1998.

NEVES, Marcelo. Entre sobreintegração e subintegração: a cidadania inexistente. In: Dados - Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro. v.37, n.2, pp.253-276, 1994

Sobre as autoras
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos